VAMOS BEBER UM CAFÉ? – 12 –  por José Brandão

Imagem1

 

      Café-Restaurante Martinho da Arcada.

café - XVII

 

Decano de todos os cafés de Lisboa ai continua vivo o Martinho da Arcada. Por lá passaram funcionários dos ministérios, jacobinos e jogadores de banca e de dados. Bocage talvez lá tenha passado. Pessoa passou lá com certeza.

Este Martinho da Arcada não é só um antigo café de Lisboa. É Lisboa. É um testemunho vivo da História de Portugal, de tal maneira ligado aos factos e acontecimentos dos séculos XVIII e XIX, que é um pouco cada um de nós próprios. O prédio onde se instalou já estava ligado a um importante facto histórico-literário. Foi num andar do mesmo quarteirão que Filinto Elísio teve uma conversa sobre religião que o levou a ser perseguido pela Inquisição e o forçou a emigrar para França em 1778. Existe desde 1778, tendo ocupado a loja de um dos primeiros edifícios construídos na Praça do Comércio após o terramoto de 1755. Foi conhecido por Café da Neve, devido às bebidas, sorvetes e gelo que aí se vendiam. Teve ainda outras designações como Casa de Café Italiana, Café do Comércio e Café dos Jacobinos. O nome atual deve-o ao proprietário que o adquiriu em 1829 – Martinho Bartolomeu Rodrigues. Um dos melhores cafés-restaurante de Lisboa, foi, no início do séc. XIX, um marco do liberalismo, onde se reuniam políticos, intelectuais e burgueses, para além de ter sido, na 1ª metade do séc. XX, um local frequentado por personalidades ilustres da cultura portuguesa, nomeadamente: Fernando Pessoa, Mário de Sá Carneiro, Almada Negreiros, entre outros escritores e artistas.

Depois de Domingos Mignani, o italiano que dá nome á Casa de Café Italiana, o Martinho da Arcada passaria para as mãos de Martinho Rodrigues, já então proprietário de um outro grande café, o Martinho do Largo D. João da Câmara (na altura Largo de Camões) e de onde vem o nome que ainda hoje sustenta.

café XVIII

Antes de contar com a presença fiel de Fernando Pessoa e dos que com ele lá se reuniam na famosa tertúlia do Martinho dos anos 20, onde constam Almada Negreiros, António Botto, Augusto Ferreira Gomes, Raul Leal, Costa Brochado, Álvaro de Campos e outros companheiros do Orpheu o distinto café da Arcada passará por uma existência em que conhecera de tudo um pouco.

Roubos e fogo posto logo em 1785, denúncias anónimas em 1809 e 1810, relatórios da polícia secreta em 1823, almoços a tostão em 1825, trespasse e restauração em 1829, o Martinho da Arcada foi dos poucos cafés de Lisboa que se atreveu a pedir a alteração da norma do ministro da Justiça de 1832 mandando que as lojas de bebidas fechassem às Avé-marias.

Sem Ave-marias esteve recentemente em risco de fechar de vez, quando um banco quis comprar o Martinho da Arcada para ali instalar serviços seus. Salvou-se graças à determinação dos actuais donos e ao apoio de alguns admiradores do poeta cliente mais famoso do mais antigo café de Lisboa. Para já podermos continuar a ver no canto do café, o “lugar de Pessoa” e a ler na parede um breve poema ortónimo e uma ode de Ricardo Reis: “Para ser grande, sê inteiro: nada/Teu exagera ou exclui./Sê todo em cada coisa.”

Até quando!

 café - XIX

 

Leave a Reply