A IDEIA – LUSOGNOSE, MITOLOGEMAS E A ROSA ENLAÇADA NA CRUZ – 2 -por António de Macedo

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Diz o referido terceto de Pessoa: Calmo na falsa morte a nós exposto, / O Livro ocluso contra o peito posto, / Nosso Pai Roseacruz conhece e cala.(1).

 Ora, LF no acrílico sobre tela que compôs em 1985, intitulado Calmo na falsa morte, aponta-nos interessantes pistas e dá-nImagem2os uma variante: em vez de envergar “todos os seus ornamentos e adereços”, o Christian Rosenkreuz retratado, tal como o Ecce Homo português do século XV, veste uma túnica branca e tem os olhos oclusos, em mística contemplação interior. E mística porque, no lugar da auréola, o Rosenkreuz de LF apresenta um diamantino cristal poliédrico, símbolo da Pedra Filosofal branca, a alma de diamante do Iniciado místico (purificação pela Água – Lua) — em contraste com a Pedra Filosofal vermelha, a alma de rubi do Iniciado oculto (purificação pelo Fogo – Mart) (2), tal como se pode encontrar por exemplo na cor vermelha do manto de um Ecce Homo germânico que Afonso Botelho descobriu num museu de Colónia.(3)

 

 Este confronto entre o branco diamantino, sinal da alma mística, e o vermelho ou escarlate denunciativo do espírito ocultista, trabalhou-o LF por distintos modos, entre eles num quadro em que o artista não esconde o seu fascínio pelo mistério do cristal icosaédrico da Aurea Magia Philosophalis: O leitor terá, talvez, a generosidade de desculpar o pintor que sou. Num impulso provocado pela sedutora sincronicidade (para usar um termo criado por Jung e Pauli) decidi, nesse dia de Agosto de 1985, introduzir a imagem do cristal icosaédrico impossível no quadro a que dei o título de Preste João (no qual trabalhava nesse momento), cristal que se me afigurou, nesse instante, um emblema perfeito do ser paraclético — esse Anjo cujas asas pertencem, uma, pura e luminosa, ao mundo transcendente, e a outra, escura e avermelhada, ao mundo dos homens. Pretendia representar Aquele que transmuta o mundo e cria uma nova Terra e um novo Céu […], isto é, o “Enviado” que, oriundo dum mundo que não podemos conceber, aparece no nosso a fim de anunciar aquele e torná-lo presente a nós.18 O pintor romeno Victor Brauner (1903-1966), considerado surrealista pelos críticos de arte convencionais mas que na verdade é mais um esotérico que um surrealista, no seu quadro A Pedra Filosofal (1940) também sentiu necessidade de utilizar, tal como LF, a imagem poliédrica da Pedra Filosofal sob a forma dum icosaedro diamantino. Eis-nos perante uma Hierogeometria tão benquista ao meta-surrealismo de LF como o foi, por outros multíplices traçados, ao neopitagorismo de Almada-Negreiros.

1 – Fernando Pessoa, Obra Poética e em Prosa (org., introd., notas: António Quadros e Dalila Pereira da Costa – 3 vols.) Porto: Lello & Irmão Editores, 1986; I vol., pág. 1132.

2 – Max Heindel, Ancient and Modern Initiation. Oceanside, The Rosicrucian Fellowship 1931; págs. 99-100.

3 – Afonso Botelho, Ensaios de Estética Portuguesa. Lisboa: Editorial Verbo, 1989; pág. 54.— António de Macedo, Instruções Iniciáticas [1999]. Lisboa: Hugin Editores, 2.ª ed., 2000; págs. 306-310 e 315-316.

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