A MÁ GESTÃO NA BANCA, A RESPONSABILIDADE DO BANCO DE PORTUGAL, E A SEGURANÇA DOS DEPÓSITOS NA BANCA – por EUGÉNIO ROSA

Parte I

A RESPONSABILIDADE DO BANCO DE PORTUGAL NO CASO GES/BES, E A “SEGURANÇA ABSOLUTA” DOS DEPÓSITOS NA BANCA DE QUE FALAM O GOVERNO E BdP

Ao longo destes últimos anos, o governo, os supervisores, e os defensores da banca nos media têm procurado convencer os portugueses que a gestão dos banqueiros em Portugal foi e é diferente da verificada em outros países e que a situação da banca no nosso país é sólida e não tem problemas. Isto não é verdade, e a prová-lo estão os casos graves do BPN, do BPP, do BCP e agora do BES a mostrar que a gestão privada da banca não é de confiança.

Neste estudo vamos analisar dois pontos: a responsabilidade da supervisão (Banco de Portugal), no caso do BES, e que segurança têm os depósitos na banca. E isto porque os media têm procurado convencer a opinião pública de que o BdP interveio no BES atempada e eficazmente, o que não é verdade, e que os depósitos até 100.000€ estão seguros, o que é duvidoso tendo em conta os recursos atuais do Fundo de Garantia de Depósitos. Uma informação clara e objetiva, é fundamental não só para os clientes da banca mas para todos os portugueses pois são eles que acabam por pagar os desmandos dos banqueiros.

A RESPONSABILIDADE DO BANCO DE PORTUGAL NO CASO GES/BES

Os media têm procurado convencer a opinião pública que, no caso do GES/BES, o Banco de Portugal, entidade responsável pela supervisão da banca, atuou atempada e eficazmente. Isso não corresponde à verdade. Para concluir isso, basta recordar que a KPMJ, que exercia as funções de auditor externo e de ROC no BES, tinha colocado uma “enfase” (um chamada de atenção) nas contas de 2013 do BES. A KPMJ começa por dizer que, segundo a sua “opinião, as demonstrações financeiras consolidadas apresentam de forma verdadeira e apropriada, em todos os aspetos materialmente relevantes, a situação financeira consolidada do Banco Espirito Santo em 31.12. 2013”, o que não era verdade, mas logo a seguir acrescenta:

E na Nota 46, pág. 182 do Relatório e Contas de 2013 do BES pode-se ler o seguinte: “No âmbito desta atividade foram subscritos pelos clientes do BES, instrumentos de dívida emitidos pela Espírito Santo International, S.A. (‘ESI’) e pelas suas filiais Espírito Santo Property, S.A. e Espírito Santo Industrial, S.A. no montante de 3 035 milhões de euros, dos quais 1 565 milhões de euros eram detidos, em 31 de dezembro de 2013, por clientes de retalho e 1 470 milhões de euros eram detidos à mesma data por clientes institucionais. Em 14 de Março de 2014, o valor dos instrumentos de dívida detidos por clientes de retalho ascendia a 867 milhões €”

Não é preciso ser muito inteligente para concluir, se a KPMJ, que recebia milhões € de um cliente (BES), escreveu isto sobre as contas do cliente (BES), é porque a situação era já muito grave e preocupante. Portanto, o Banco de Portugal já tinha informações há muito sobre a situação no BES, porque ao longo de 2013 os auditores do BES fizeram, porque são obrigados, relatórios de auditoria interna que são enviados ao BdP e realizaram reuniões com o BdP, já que é uma prática corrente. Quem tenha lido o livro “O último banqueiro” conclui que o Banco de Portugal já tinha dados seguros, incluindo denúncias graves feitas pelos próprios acionistas, de irregularidades graves no grupo BES. No entanto, apesar de estar de posse desta informação pelo menos há mais de um ano, não atuou, deixou a situação agravar-se com graves consequências não só para os acionistas e clientes do banco, mas também para todos os portugueses, já que terão efeitos graves na crise económica e social (muitas empresas, não só do próprio grupo, mas também clientes do banco, poderão entrar em falência), e os contribuintes não estão seguros de que Passos Coelho, dando mais uma vez o dito por não dito, não venha a utilizar fundos públicos para “salvar” o BES. A única intervenção rigorosa que se pode exigir a este governo é não intervir e não utilizar dinheiros públicos pois, segundo Marques Mendes, o governo prepara-se para, com o dinheiro do empréstimo da “troika” que Portugal terá de pagar, criar um “BES bom”, para onde vão os ativos “bons, para depois vendê-lo a saldo pagando os contribuintes a fatura já que os bancos que fazem parte do chamado “Fundo de resolução” (em 31.12.2013 tinha apenas 183 milhões €), utilizado como intermediário não pagarão, o mesmo com o “BES mau”, para onde serão transferidos os ativos “tóxicos” pois os anteriores acionistas tudo farão para não o pagar e não suportar a fatura.

A PROMISCUIDADE DAS FUNÇÕES DE AUDITOR EXTERNO E DE ROC NA BANCA

O governador do Banco de Portugal queixa-se e ataca agora a KPMJ por não ter revelado ao supervisor a verdadeira dimensão das irregularidades e eventuais crimes cometidos no BES.

No entanto existe na banca, um grave problema de promiscuidade, que contribui para afetar a qualidade e objetividade dos auditores externos e dos Revisores Oficiais de Contas (ROC´s) o que, eventualmente, contribuiu para o que sucedeu no BES- E esse problema de promiscuidade grave, que afeta a qualidade da auditoria e do trabalho do ROC é, a nosso ver, a concentração no mesmo grupo – KPMG, Deloitte, etc. – das funções de auditor externo e de Revisor Oficial de Contas (ROC), não havendo qualquer segregação de funções. Para além disso a mesma empresa faz auditoria a muitas empresas do mesmo grupo recebendo elevados honorários que naturalmente não quer perder. E tudo isto se tem tido a cobertura do Banco de Portugal como vamos provar.

Para isso observem-se os dados do quadro 1, que constam dos relatórios e contas de 2013 dos diversos bancos, pois eles tornam claros e compreensíveis os problemas que afetam a qualidade da auditoria e da fiscalização de contas em Portugal.

Quadro 1- Auditores externos e ROC´s dos principais bancos e importâncias pagas- 2013

BES - I

Como mostra o quadro 1, excetuando a CGD, é o mesmo grupo de consultoria que tem a função de auditor externo e de revisor oficial de contas (ROC) em cada banco, portanto não existe qualquer segregação de funções que é fundamental para garantir a qualidade da atividade, pois se existisse, os órgãos de fiscalização de cada banco poderiam comparar e cruzar as informações fornecidas por duas entidades especializadas, o que certamente obrigaria tanto o auditor externo como o ROC a serem mais exigentes no seu trabalho. É evidente também que os muitos milhões de euros pagos pelos bancos a estes grupos de consultoria levam-nos naturalmente a “não criar ondas” e a tudo fazerem para agradar os clientes, pois caso contrário correm o risco de serem substituídos por concorrentes.

No Montepio Geral (Caixa Económica) opusemo-nos a esta concentração de funções – auditor externo e ROC no mesmo grupo de consultoria – no entanto o Banco de Portugal, a que recorremos, deu cobertura à decisão do conselho de administração de contratar para as duas funções o mesmo grupo de consultoria (KPMJ), situação que se verifica em outros bancos, como revela o quadro 1, o que é só possível com o acordo do Banco de Portugal.

E agora o governador do Banco de Portugal queixa-se da qualidade da auditoria da KPMJ, quando é a própria entidade que ele dirige a dar cobertura a situações na banca que torna inevitável que isso aconteça. Esperemos que, com as alterações que vão ser feitas proximamente no regime legal das instituições financeiras, a concentração das duas funções no mesmo grupo seja proibido, eliminando-se assim a promiscuidade que existe nesta área importante da atividade bancária, e que tem contribuído para as irregularidades que se têm multiplicado nos bancos, com consequências graves para os acionistas, depositantes, associados e contribuintes já que enfraquece a fiscalização e controlo.

(continua)

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