PRAÇA DA REVOLTA – PALESTINA – A hora de agir – 4 – por Carlos Loures

Eugène Delacroix - La Liberté guidant le peuple

No artigo que foi o ponto de partida para estas reflexões, disse Nir Baram: Mais do que defender a solução de dois Estados e de propor uma nova e inútil ronda de negociações que constitua um novo fracasso dos Estados Unidos, o verdadeiro papel da esquerda em Israel, nos dias de hoje, deve consistir em ajudar a que os judeus que aqui vivem reconheçam que não têm que viver numa sociedade que empregue a linguagem de «judeus contra não judeus» e de «judeus contra palestinianos». Esta forma perversa de pensar domina a nossa consciência desde há décadas e temos de a combater. Esta profunda transformação de valores na sociedade hebraica é essencial para que as pessoas que vivem naquele território possam ter paz e possam ter um futuro. Os palestinianos foram espoliados e têm sido humilhados desde que a Grã-Bretanha, com uma «generosidade» criminosa, deu o que não lhe pertencia. Israel, debaixo da asa protectora dos Estados Unidos, tem, como diz Eduardo Galeano, num recente artigo, «semeado ódio e colhido álibis». Galeano dedica este seu artigo aos seus amigos judeus assassinados pelas ditaduras sul-americanas que Israel apoiou.

Para justificar, o terrorismo de Estado fabrica terroristas: semeia ódio e colhe álibis. Tudo indica que esta carnificina de Gaza, que segundo os seus autores quer acabar com os terroristas, conseguirá multiplicá-los. Desde 1948, os palestinianos vivem condenados à humilhação perpétua. […]Têm vindo a perder a sua pátria, as suas terras, a sua água, a sua liberdade, tudo. Nem sequer têm o direito de eleger os seus governantes. Quando votam em quem não devem votar, são castigados […] A democracia é um luxo que nem todos merecem. São filhos da impotência os rockets caseiros que os militantes do Hamas, encurralados em Gaza, disparam com desleixada pontaria sobre as terras que foram palestinianas e que a ocupação israelita usurpou. E o desespero, à beira da loucura suicida, é a mãe das ameaças que negam o direito à existência de Israel, gritos sem nenhuma eficácia, enquanto a muito eficaz guerra de extermínio está a negar, desde há muitos anos, o direito à existência da Palestina. Já pouca Palestina resta. Pouco a pouco, Israel está a apagá-la do mapa. Os colonos invadem, e, depois deles, os soldados vão corrigindo a fronteira. As balas sacralizam o despojo, em legítima defesa. Não há guerra agressiva que não diga ser guerra defensiva. Hitler invadiu a Polónia para evitar que a Polónia invadisse a Alemanha. Bush invadiu o Iraque para evitar que o Iraque invadisse o mundo. Em cada uma das suas guerras defensivas, Israel engoliu mais um pedaço da Palestina, e os almoços continuam. O repasto justifica-se pelos títulos de propriedade que a Bíblia outorgou, pelos dois mil anos de perseguição que o povo judeu sofreu, e pelo pânico provocado pelos palestinianos à espreita. Israel é o país que nunca cumpre as recomendações ou resoluções das Nações Unidas, o que nunca acata as sentenças dos tribunais internacionais, o que escarnece das leis internacionais, e é também o único país que legalizou a tortura de prisioneiros.   Quem lhe deu o direito de negar todos os direitos? De onde vem a impunidade com que Israel está a executar a chacina em Gaza?[…] Talvez a tragédia do Holocausto lhes conceda uma apólice de eterna impunidade? Ou essa luz verde vem da potência ‘tutelar’ que tem em Israel o mais incondicional dos seus vassalos? O exército israelita o mais moderno e sofisticado do mundo, sabe quem mata. Não mata por erro. Mata por horror. As vítimas civis chamam-se danos colaterais, segundo o dicionário de outras guerras imperiais. Em Gaza, de cada dez danos colaterais, três são crianças. E ascendem a milhares os mutilados, vítimas da tecnologia do esquartejamento humano, que a indústria militar está a ensaiar com êxito nesta operação de limpeza étnica. E como sempre, sempre o mesmo: em Gaza, cem a um. Por cada cem palestinianos mortos, um israelita. […] Perante a tragédia de Gaza, a hipocrisia mundial revela-se uma vez mais. Como sempre, a indiferença, os discursos vazios, as declarações ocas, as declamações altissonantes, as posturas ambíguas, prestam tributo à sagrada impunidade. Ante a tragédia de Gaza, os países árabes lavam as mãos. Como sempre. E como sempre, os países europeus esfregam as mãos. A velha Europa, tão capaz de beleza e de perversidade, derrama uma ou outra lágrima enquanto secretamente celebra esta jogada de mestre. Porque a caça aos judeus foi sempre um costume europeu, mas desde há meio século essa dívida histórica está a ser cobrada aos palestinianos, que também são semitas e que nunca foram, nem são, antissemitas. Eles estão a pagar, em sangue, na pele, uma conta alheia.

Concluirei amanhã esta pequena série de posts sobre a Palestina.

 

 

 

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