CARTA DO RIO – 14 – por Rachel Gutiérrez

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 O tema de hoje só pode ser o da reviravolta na campanha eleitoral para a presidência da república, depois da morte trágica de Eduardo Campos. Sua vice, Marina Silva, é a nova candidata do Partido Socialista Brasileiro. Quem é ela? Apenas mais uma candidata que pouco modificaria o jogo político de cartas marcadas, ou uma personalidade diferenciada por características especiais? Logo após a aprovação de seu nome como cabeça de chapa, surgiu uma primeira dissidência que a mídia se apressou em explorar: o coordenador da campanha de Campos, Carlos Siqueira, mostrou-se ofendido por ter sido substituído, o que seria previsível, por dirigentes mais próximos da candidata. Ela, porém, minimizou o “mal-entendido”, e afirmou publicamente o que ainda não tínhamos ouvido da boca de um político: “Prefiro sofrer uma injustiça a praticar uma injustiça.” A sólida formação espiritual e religiosa de Marina Silva assusta alguns, é certo, mas pode também tranquilizar os que se dispuserem a ouvi-la com atenção. Um exemplo: ela discordava de Eduardo Campos no apoio às experiências com embriões de células tronco, pois só admite as realizadas com células adultas, mas se comprometeu a aceitar a decisão a que o parlamento chegasse por consenso porque acima de suas convicções pessoais coloca o espírito democrático. Podemos imaginar que a mesma atitude seria mantida em face das questões do casamento gay e da ampliação das leis do aborto.

Mas vamos falar da Marina Silva conhecida internacionalmente. Além de vários outros, recebeu o “2007 Chanpions of the Earth”, o principal prêmio da ONU na área ambiental e no final desse mesmo ano, o jornal britânico The Guardian, incluiu a então ministra do Meio Ambiente do governo Lula entre “as 50 pessoas que podem ajudar a salvar o planeta”. Infelizmente, isso parece não impressionar os que a consideram retrógrada ou contra o progresso e o desenvolvimento quando ela insiste no desenvolvimento sustentável, e no exercício de uma democracia participativa e mais justa. Convenhamos: haverá algo mais prioritário, mais progressista e mais urgente do que a salvação do planeta? E não estão no Brasil “os pulmões do mundo”, a nossa floresta amazônica?

Marina Silva também se destaca pelas primeiras declarações de sua atual campanha, pois garantiu o seguinte: “Nosso compromisso é pelo fim da reeleição. O meu mandato será de apenas quatro anos”. Isso nos remete ao início de sua trajetória política, quando após o assassinato de Chico Mendes,  seu companheiro de luta na defesa da floresta, assumiu o cargo de vereadora em Rio Branco, capital do Acre, seu estado natal , em 1988. Sua primeira resolução foi a de devolver as gratificações, auxilio-moradia e outras mordomias que os vereadores recebiam sem questionamento, o que atraiu a ira de seus adversários, naturalmente.

E precisamos remontar à formação acadêmica de Marina Silva, autêntica vitória sobre a pobreza de suas origens e inúmeras adversidades. A seringueira, nascida numa pequena comunidade do Acre chamada Breu Velho, pretendia ser freira e conta que sua avó dizia: “Minha filha, freira não pode ser analfabeta”. Com a saúde fragilizada por três hepatites, cinco malárias e uma leishmaniose, a jovem de 16 anos teve licença do pai para se tratar em Rio Branco, onde trabalhou como empregada doméstica e aproveitou para estudar. Alfabetizada pelo Mobral, apenas dez anos depois graduou-se em História, depois pós-graduou-se em Teoria Psicanalítica e em Psicopedagogia na Universidade de Brasília. Já totalmente engajada na luta social, elegeu-se deputada estadual, em 1990, e em 1994 Marina Silva tornou-se a mais jovem senadora da nossa história, aos 36 anos.

Sua “teimosia” mais tarde, no Ministério do Meio-Ambiente, conquistou para o Brasil a adoção de metas para reduzir as emissões de gases do efeito estufa e a aprovação do Plano Nacional de Mudanças Climáticas antes da realização da Conferência sobre o Clima de dezembro de 2009, em Copenhague.

Lemos nos dados biográficos que aparecem em seu site de campanha: “Desde março de 2011, a ex-senadora é a única representante da América Latina no Millenium Development Goals (MDG) Advocacy Group, organismo voltado para trabalhar com o secretário-geral da ONU Ban Ki-moon na articulação de uma vontade política e mobilização global para que os Objetivos do Milênio sejam realizados até 2015, em benefício dos pobres e vulneráveis.

 Marina Silva, às vezes acusada de “fundamentalista” ou “radical” parece de fato querer ir às raízes dos problemas. Portanto, tendemos a acreditar que ela sinaliza uma verdadeira mudança, um novo modo de ver as coisas, uma nova visão que de tal maneira revoluciona o que estamos acostumados a ver que torna difícil voltar a ver como antes. Será que ela representa uma possível e pacífica“revolução”? Ora, só há revolução quando há mudança de paradigma. Uma revolução verdadeira não é um mero protesto, é uma proposta. Teremos agora a oportunidade de observar, no decorrer da campanha, em que medida o legado de Eduardo Campos e a proposta de sua sucessora Marina Silva poderão anunciar e realizar a mudança que desejamos.

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