NAU CATRINETA – do ROMANCEIRO TRADICIONAL DO DISTRITO DE BEJA

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NAU CATRINETA

 

Fui buscar esta versão à edição do Romanceiro Tradicional do Distrito de Beja de 1988 incluída nos Novos Inquéritos, um amplo conjunto de recolhas, e estudos e outras actividades promovidas pelo Instituto Português de Artes e Tradições Populares, da Real Sociedade Arqueológica Lusitana, no âmbito do Romanceiro Tradicional. Para além desta entidade, também a Universidad Complutense de Madrid – Seminário Menéndez Pidal patrocinou esta edição de 1988. A versão tem no volume o número 79. Foi recolhida em 1981 por Maria Luísa Nunes Ribeiro e Maria de Fátima Sousa Prazeres,  em S. Matias, concelho de Beja, recitada por Antónia Gertrudes Borges, de 69 anos.

 

Lá vem a Nau Catrineta, traz-nos muito que contar

Já passava de ano e dia que andava na volta do mar,

já não tinha que comer, já não tinha que manjar,

deitaram sola de molho para no outro dia jantar,

mas a sola era tão rija que não a puderam tragar.

Deitaram sortes à ventura, qual se havia de matar,

logo foi cair a sorte no capitão-general.

– Sobe, sobe, bagageiro, a essa janela mais alta,

vê se vês terra de Espanha, areias de Portugal.

– Não vejo terras de Espanha nem areias de Portugal,

mas vejo três espadas, mas todas três para te matar.

– Retira-te de mim, demónio, sobe outra janela mais alta,

para ver terras de Espanha, areias de Portugal.

– Já vejo terras de Espanha e areias de Portugal,

também vejo três meninas dentro do seu laranjal,

uma sentada a coser, outra na roca a fiar,

e a mais formosa de todas está no meio a chorar.

– Todas são minhas filhas, quem me dera eu abraçar.

(…)                         (…)

Retira-te de mim, demónio, não me estejas a atentar,

que a minha alma é só de Deus e o meu corpo deito ao mar.

 

 

P. S. – Por lapso, esqueci-me de mencionar no texto acima que esta edição do Romanceiro Tradicional do Distrito de Beja foi organizada por Ana Maria Martins e Pere Ferré. Vejam o segundo comentário a este post.

3 Comments

  1. Obrigado, João, pela “descoberta” desta versão não muito divulgada. Trata-se de um dos romances mais conhecidos da literatura tradicional portuguesa e que chegou até nós através de diferentes versões, mas apenas com variantes formais. É um dos poucos romances marítimos de fundo épico, monumento da poesia popular, e que narra a má fortuna da nau “Catrineta”, com o gajeiro a reivindicar a recompensa pela boa nova.

  2. Obrigado, Manuel, pelo teu comentário, e pelas notas que trouxeste. Entretanto, esqueceu-me de referir, no que escrevi, que o volume onde fui buscar esta versão da Nau Catrineta foi organizado por Ana Maria Martins e Pere Ferré. Pela leitura do prefácio de José António Falcão, da Real Sociedade Arqueológica Lusitana, e da introdução, de Pere Ferré, do Instituto Português de Artes e Tradições Populares, pode-se perceber a extensão e a complexidade do trabalho que tiveram de desenvolver.

    1. Boa tarde, Manuel e João – venho meter-me na vossa interessante conversa, suscitada pelo post do João sobre a versão da Nau Catrineta recolhida em Beja, para lembrar o trabalho da investigadora Maria Aliete Galhoz – o «Romanceiro Popular Português» que, no primeiro volume – “Romances tradicionais” – (pp. 516/524) dedica um subcapítulo à Nau Catrineta. São oito variantes e nenhuma delas é a que o João nos trouxe. Uma das mais curiosas é a recolha feita no Soajo (Arcos de Valdevez), que começa assim:
      Lá bem na nau Caternieta que traz munto que cuntai!
      Passabam-s’anos e dias iela no alto mai.
      etc,
      Era bom que trocássemos umas ideias sobre o assunto, como diria o Mário de Carvalho.

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