EDITORIAL – A literatura catalã manteve sempre a independência

logo editorialA língua e a literatura, mais do que o hino e a bandeira, são espelhos da alma dos povos. A música também. Talvez, mais do que espelhos, sejam essas entidades culturais a própria alma dos povos. Não localizou Fernando Pessoa a sua pátria na luminosa geografia do idioma? A possibilidade de, num futuro próximo, uma nova bandeira e um novo hino se juntarem aos demais símbolos nacionais europeus, leva-nos a pensar que em Portugal se sabe pouco sobre a Catalunha. Dissemos – «uma nova bandeira e um novo hino». É uma força de expressão – a bandeira catalã, la senyera, tem origem no pendão condal referenciado desde o século XI. O hino da Catalunha, Les segadors, provem de uma canção popular do século XVII. Na verdade, a Catalunha é uma “nova” nação que existe há um milénio.

Os portugueses sempre ouviram falar da Catalunha como sendo uma “região”, uma “província” de Espanha. Ignoram aspectos básicos da realidade catalã – uma nação, com a sua história, a sua cultura, o seu idioma… e os seus símbolos. Ou seja, os portugueses (e não só) absorveram a imagem que o centralismo de Madrid difunde pelo mundo – a de uma Espanha composta por regiões, por “comunidades autonómicas” A realidade é diferente – Espanha é um estado artificial como o foram a União Soviética, a Jugoslávia, como ainda o é a Grã-Bretanha.

Voltando à literatura catalã – não precisa de referendos, nem de cumprir preceitos constitucionais para se afirmar – sempre foi independente. O primeiro texto literário em catalão, as Homilias de Organyà, data do final do século XI e princípio do século XII. Grandes escritores  assinalam o período medieval da literatura em língua catalã. Ramon Llull (século XIII), Francesc Eiximenis (século XIV), Ausiàs March (século XV) na poesia. O esplendor medievo culminaria com o Tirant lo Blanch de Joanot Martorell publicado em Valência em 1490. Lembremos de  a cena, de Don Quixote em que “Tirant” é o único livro que se salva da terapêutica fogueira. Cervantes, ícone maior da literatura em castelhano, presta homengem à literatura catalã. Não faria sentido traçar aqui o percurso da cultura catalã até chegar aos escritores do século XXI. Como em todas as culturas, é um percurso feito de esplendores, decadências e ranascimentos. E de influências. Grandes escritores catalães  exprimiram-se em castelhano, como José Luis Sampedro, Manuel Vázquez Montalbán e Eduardo Mendoza; mas a maioria nunca deixou de escrever na língua mãe, afirmando o catalão como língua literária, mesmo sob a alçada totalitária de Primo de Rivera e de Franco, com o castelhano imposto como «língua oficial» – Josep Carner, Carles Riba, Josep Vicenç Foix, Salvador Espriu,  Josep Pla, Mercè Rodoreda, Fèlix Cucurull, Pere Calders, Manuel de Pedrolo e tantos outros.

Uma nova nação velha de mil anos, a Catalunha. Tão perto de Portugal, coabitando a mesma Península. Tão longe do conhecimento dos portugueses.

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