MITO & REALIDADE – Terror e Morte em Lisboa – 51 – por José Brandão

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«O Movimento de Salvação Pública fora um pretexto. O Governo de António Granjo não era melhor nem pior que os anteriores. Somente não era democrático. Este partido, que poderia ter realizado uma obra, fragmentava-a nas suas colisões políticas. A República não podia prosseguir na sua rota em gládios perturbantes que o inimigo arteiramente espreitava. Lembrava o combate de dois galos ardentemente empenhados em vencer-se, enquanto outro, empoleirado em um talude, os observa cobiçando as galinhas para o seu sultanato, estranho à pugna, querendo ganhar o seu diadema no sangue dos adversários esgotados no duelo. Os republicanos desprezavam, demasiadamente, o galo da expectativa.» – Rocha Martins.

«Para mais segura garantia do triunfo tinham-se colocado à sombra da Maçonaria, para o que se tinham aproximado do seu grão-mestre, Magalhães Lima, pessoa encantadora mas caracterizada nessa altura da vida por uma ingenuidade que o tornava facilmente permeável às sugestões de quantos se lembrassem de invocar o interesse da República para o induzirem a atitudes comprometedoras, cujo alcance estava longe de calcular […] A par de muitas almas generosas e iluminadas, colaboravam na organização insurrecional indesejáveis pescadores de águas turvas, de intenções menos honestas.» – Cunha Leal.

É na verdade dececionante e irritativo ter de aceitar que os crimes da Noite Sangrenta sejam apresentados na historiografia unicamente como objeto de acusação bramida a esmo e à vontade de quem o faz.

Mas se são já de uma infinidade exasperante as conclusões sustentadas em argumentos mais vastos, que dizer então do opinionário de expressão corredia, que inunda as obras de pequenas referências ao que aconteceu em 19 de outubro de 1921…

Uma seleção ocasional permite esta recolha:

  1. H. de Oliveira Marques: «Uma revolta radical deitou abaixo o Governo em outubro de 1921. Na noite que se seguiu, vários conhecidos políticos foram assassinados… Parece que os crimes não tinham relação direta com a revolta e que resultaram antes de um momento oportuno de desordem e anarquia, motivados por uma combinação de elementos onde predominavam questões pessoais mas onde se atestou também a influência das direitas, nos bastidores (monárquicos, a Igreja e a própria Espanha, todos interessados em criar desordem).»

José Hermano Saraiva: «A tolerância manifestada pelo novo Governo liberal de António Granjo em relação à Igreja, em contraste com a repressão dos elétricos, faz subir de novo a tensão política. Os Democráticos – sobretudo os mais radicais –, que não haviam digerido a derrota eleitoral, conspiram contra o Governo com o apoio da Marinha e da Guarda Republicana. A 19 de outubro, a revolta radical, desencadeada, como sempre, em nome dos ‘interesses do povo’, derruba o Gabinete Granjo.».

João Medina: «Não se desvanecerão das memórias os crimes cometidos durante a noite sangrenta de outubro de 1921, quando um ‘comando’ de direita, aproveitando-se da revolução radical, executou algumas das figuras mais ilustres ligadas à implantação do regime republicano.»

Manuel Villaverde Cabral: «Machado Santos […] estará metido em todas as tentativas de Governo extraparlamentar que se sucederam até ao seu assassinato a 19 de outubro de 1921, às mãos, muito provavelmente, de um resto da Formiga Branca afonsista.».

Mário Saa: «Entre judeus tudo é possível!… Um bom exemplo é também o cristão-novo Alfredo da Silva.., que, não obstante industrial arquimilionário, promovia convulsões políticas radicais, tal como o movimento outubrista do ano de 1921.»

Carlos da Fonseca: «Episódio da Noite Sangrenta. Machado Santos, António Granjo, José Carlos da Maia, etc., são assassinados por uma clique rival da burguesia republicana.».

Bento Gonçalves: «Em 19 de outubro de 1921, os ‘Radicais’, com reacionários metidos de permeio, lançam um golpe putschista. Disse-se que os assassinatos foram uma provocação dos monárquicos a fim de apressarem o descrédito da República e com isso contribuírem para um futuro golpe deles.»

César Oliveira: «O episódio sangrento de 19 de outubro de 1921 […] exprimia já o caráter violento das contradições no interior do próprio republicanismo…»

Ramiro da Costa: «Episódio ainda não esclarecido, não sendo de descartar a hipótese de provocação reacionária, partindo dalguns círculos católicos.».

Fernando Medeiros: «O levantamento radical-republicano de 19 de outubro de 1921 vem pôr momentaneamente em surdina os mais arrojados projetos agraristas, apesar de tudo indicar que os acontecimentos da Noite Sangrenta não lhe são totalmente estranhos. O golpe de Estado partia de um radicalismo republicano que não via com bons olhos as reclassificações políticas iniciadas pela cisão de Álvaro de Castro e tendentes a criar um ‘partido conservador’ que, se chegasse a bom termo, poderia obter uma maioria parlamentar.»

(António de Figueiredo: «Num único dia, em 19 de outubro de 1921, um grupo de marinheiros e de membros de uma sociedade revolucionária, a Carbonária, apresentou-se nas casas dos dirigentes republicanos moderados, suspeitos de traição pró-monárquica e, pura e simplesmente, assassinaram os que encontraram.»

Douglas L. Wheeler: «Sobre António Granjo choveram insultos e acusações, sendo acusado de ser monárquico e monopolista. Este martirizado primeiro-ministro, que era um firme republicano, mação, carbonário e herói da Primeira Grande Guerra, recebeu todo o ímpeto de uma atmosfera hostil, que acabou por lhe tirar a vida. Muitos grupos, todos com ligações com o PRP, fizeram uma conspiração para derrubar o Governo de António Granjo, por meio de uma insurreição da Guarda e de outras unidades militares.».

 

Jacques Georgel: «A 19 de outubro de 1921, no decurso da Noite Sangrenta, foram terroristas anarquistas que assassinaram os fundadores da República…»

Manuel Joaquim de Sousa: «Um dos muitos movimentos políticos com fumaças de radicalismo foi o de 19 de outubro de 1921, no qual perderam a vida alguns políticos de categoria, cobarde e cruelmente assassinados, não se sabe sob que misteriosas influências.»

Costa Júnior: «Nesse dia, no ano de 1921, eclodiu uma revolta a breve trecho vitoriosa, levada a cabo pelos dirigentes do Partido Radical, que então formava a extrema-esquerda da política constitucional.

Nessa revolta morreram assassinados alguns categorizados políticos, em condições misteriosas, que até hoje não foram ainda cabalmente explicadas.»

Estas são algumas das referências que é possível encontrar na bibliografia da história portuguesa.

Servem muito para manter o grande enigma da Noite Sangrenta e dão bem para alimentar todo o imaginário que cobre de sombras os horizontes desta ocorrência trágica.

 

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