PRAÇA DA REVOLTA – “PARA QUE NOS SERVE O ESTADO? “- por Joaquim Palminha Silva

Eugène Delacroix - La Liberté guidant le peupleFoi esta rubrica desde início um espaço destinado a acolher textos meus ou de convidados, de amigos que chegam a esta praça onde se remoem queixas e sussurram rebeliões, onde se gritam palavras de indignação. Nem eu aqui tenho vindo com a frequência prevista, nem têm sido muitos os convidados a que tenho cedido o espaço – espero em 2015 usar mais esta praça e trazer até aqui mais amigos. Hoje, vem Joaquim Palminha Silva perguntar – Para que nos serve o Estado? Alguém lhe saberá responder?

Carlos Loures

Chamem-lhe como quiserem, «Estado Social», «Estado Providência» ou simplesmente «Estado», o facto é que a tranquitana entrou em declínio acelerado no espaço lusíada, com os seus principais comensais (políticos e tutti quanti), especialistas, técnicos de “correias de transmissão” e “canalizadores” de bens públicos a descartarem-se a toda a hora das responsabilidades que, tradicional e nem sempre democraticamente, haviam assumido, mediante chorudos pagamentos mensais e luxuosas mordomias e outros “brindes” inconfessáveis, só possíveis de acontecer a quem come á mesa do “Orçamento”, seja ela posta na capital ou na Província. Vejamos alguns sinais…

 O Estado diminuiu o número de beneficiários do «abono de família»; ausentou-se definitivamente de qualquer política de apoio à natalidade; orquestrou calculada diminuição do número de protegidos pelo rendimento social de inserção; manipula constantemente os fundos públicos, no sentido da subtração do já magro dinheiro das reformas dos trabalhadores, da aposentação e pensões dos funcionários da Administração Pública.

Mas não basta, pois dando-se lascivo aos beijos frios da indiferença, o Estado assiste impávido e sereno ao aumento dos desempregados, sem o respectivo subsídio, e se porventura alguns conservam essa “esmola”, ela já sofreu cortes tais e tantos que nada está garantido, embora não se saiba para onde vai o dinheiro desse “mealheiro” feito à conta das carências mais básicas; pode dizer-se em poucas palavras, “mealheiro” feito à conta do sangue, suor e lágrimas de milhares de cidadãos portugueses!

Em breve conclusão (vd., diário Público, 6/4/2012), desde 2010 que o Estado deixou de dar apoio familiar a cerca de 600 mil pessoas, enquanto 70 mil ficaram sem o seu rendimento social de inserção e 200 mil desempregados foram entretanto marginalizados, subsistindo (sabe Deus como!) sem qualquer protecção institucional.

O desemprego cresce de mês para mês, alcançando números só comparáveis aos anos 20/30 do século XX. É assim que, seguindo este trágico dinamismo, no 1º trimestre de 2013 os sem-trabalho elevavam-se para 952.200 e os efectivamente empobrecidos atingiam o número de 2 milhões e meio. Como fatal associada da lusa tragédia, a emigração atingiu níveis que nos remetem para os finais do século XIX e princípios de século XX, mas agora preenchida por novo suplemento, de forma a melhor sangrar Portugal: – Os países do norte europeu (por exemplo, a Inglaterra e a Alemanha), através das suas grandes empresas, entram velhacamente no País para seduzir e arrastar para fora das fronteiras os nossos técnicos (depois de o erário público português ter investido na sua formação), naturalmente com cativantes salários mensais, como é o caso da descarada e obscena sedução de médicos e técnicos de enfermagem. Sabe-se lá quem vai a seguir…

Assiste-se a um claro e gritante recuo do Estado na Saúde Pública, com o encerramento de Centros de Saúde em várias localidades, e a eliminação de alguns serviços nos hospitais públicos de Província (maternidades, por exemplo), ao mesmo tempo que se fazem acordos com empresas privadas para explorarem os hospitais. Grandes complexos industriais, outrora nacionalizados, foram vendidos ao estrangeiro (Siderurgia Nacional), que agora ameaça encerrar essas grandes unidades. Os CTT, paulatinamente abandonados pelo Estado, reduzidos ao mercantilismo do imediato, encerram “estações” em pequenas e médias localidades e, simultaneamente, desde que passaram a ser uma empresa privada, apresentam-se nos postos abertos ao público em aberta concorrência com ramos de negócio para que não estão vocacionados, vendendo livros, bugigangas, etc., concorrendo mesmo com as instituições bancárias, enquanto prestam todos os dias serviços deficientes e tardios aos cidadãos, o que não os impedem de abusarem dos custos de serviços, como não se pratica em nenhum país da União Europeia.

Num País com escasso número de crianças, com uma quebra demográfica assustadora e uma fragilizada população de reformados sem meios de subsistência dignos, com o continuado despovoamento das cidades e vilas do interior, as empresas de consumo privado aumentam todavia o investimento, numa progressão de estupidez (aliás, só própria do “estreito” capitalismo do século XIX) que até faz dor de cabeça, abrindo grandes centros comerciais em regiões com contínua diminuição de população e constante perda do poder de compra dos escassos residentes. Tudo isto acontecendo sob a sonolência marroquina e indiferente do Estado que, olhando, assobiando e sacudindo moscas para o lado, se desinteressou de regular actividades, controlar expedientes dos grandes grupos económicos, arbitrar um pouco o caos semeado pelo agressivo liberalismo capitalista.

Poderia continuar a alinhar exemplos desta propositada desistência do Estado, através dos seus agentes responsáveis pela vida cultural, económica e social do Povo de Portugal, mas qualquer um pode encontrar, infelizmente, um municiado catálogo de desistências consecutivas…

No entanto, acrescentemos a este panorama um “pormenor” paradigmático que nos dá imediatamente a noção da desresponsabilização do Estado, da desistência paulatina do seu suposto e antigo papel de árbitro de conflitos, de protector dos bens da Nação e defensor dos “humilhados e ofendidos”, dos mais fragilizados.

Evidencia-se com nitidez absoluta a ausência de pudor, a escassez de dignidade e o permanente desinteresse do Estado (na sua versão central e nas múltiplas versões regionais e municipais!) pela salvaguarda, protecção e manutenção de inúmeros estabelecimentos públicos (Hospitais, Universidades e estabelecimentos do Ensino Público, Municípios, Institutos, Museus, Tribunais, etc.), cuja guarda é entregue a empresas privadas de segurança, em vez de sua vigilância estar entregue às próprias unidades de segurança do Estado (Polícia de Segurança Pública ou Guarda Nacional Republicana).- Isto é, o próprio Estado despreza as suas forças policiais e de segurança pública, preferido negociar com privados!

Num contexto desta natureza, é caso para perguntar: – Para que quer o Estado o nosso escasso dinheiro, ainda por cima fruto de trabalho mal remunerado? – Para pagar as dívidas que os escroques que o ocuparam contraíram no estrangeiro, ao longo de décadas, sem nos pedirem a opinião, sem se ralarem com o que pensamos de obras, truques e disparates por uma pá velha?!

Que recebemos em troca do que pagamos ao Estado em impostos directos e indirectos, através do sistemático agravamento da carga fiscal a diversos níveis, taxas moderadoras disto e daquilo, aumentos dos custos de bens essenciais (água, luz e gás)? – Quase nada! Pelo contrário, face às suas obrigações institucionais e cívicas, humanitárias e democráticas, com desapiedada frieza existe uma estudada, calculada e consequente desprotecção dos cidadãos, bem como o abandono sistemático de bens materiais e espirituais da Pátria.

Este Estado e seus locatários periódicos desprezam Portugal e querem dizimar paulatinamente a população nacional, começando desde já extorquir dinheiro e a tratar mal os velhos reformados, decididamente fragilizados e doentes!

Para que nos serve um Estado desta natureza que, além do mais, se revela uma máquina dispendiosa, uma engrenagem kafkiana? – Apenas para recolher o rendimento do nosso trabalho, tal e qual o antigo salteador de estradas em versão pós-moderna que, para nos obrigar, nos aponta a “espingarda” dos Tribunais, municiada com os cartuchos das penhoras às famílias, entretanto já desgraçadas?!

A pretexto da grande crise (agravamento do défice, dívida e seu financiamento externo), temos um Estado que serve para levar a termo a cobrança de fundos nacionais para pagar a prestamistas estrangeiros, enquanto os seus funcionários responsáveis se transformaram em seres híbridos, entre o vulgar cobrador de dívidas e o malfeitor de estrada, “às ordens” de capitães de bandoleiros!

Todavia, a dívida externa não para de crescer, e o dinheiro emprestado pelo estrangeiro a altos juros transformou-se num folhetim interminável…

Em obediência a mandantes estrangeiros, se tudo o que sabem fazer as quadrilhas dos troca-tintas, gaiteiros de mente fanhosa e cabotinos, que dirigem a tranquitana a que chamam Estado, é mandarem os lacaios organizar a cobrança de impostos, mais impostos e sempre impostos, não me dirão para que nos serve este Estado?!

Não querem lá ver que, após os periódicos pagamentos de juros de empréstimos, o nosso Estado só serve para nos extorquir dinheiro com que paga aos malandrins que o habitam os ordenados milionários, as mordomias de califas, os brindes familiares, os passeios ao estrangeiro, as viaturas automóveis de grande conforto, bem como o seu “cafezinho”, além do “broche” precioso, de peito, a oferecer à sua “senhora” no dia do aniversário?!…

Compreende-se…Os fura-vidas diplomados e os políticos da “banha da cobra” têm no Estado hospedaria estável, mesmo se ele se recorta como enorme «Hotel da Barafunda». A existência do Estado é um estaleiro permanente, como convém, para fazer de conta que se faz “obra”… No Estado governa a previdência cautelar das barrigas! Cá fora, onde nós nos encontramos desprotegidos, sabem-no os devoristas do Estado, espalha-se a tragedia, esperam-nos a vida dispersiva e os acasos da vagabundagem profissional que podem dar prisão (chiça!), talvez mesmo o desemprego! – Por isso custam tanto a desgrudarem-se do Estado!

Quem nos dera sacudir de cima dos nossos ombros esta máquina carunchosa e a pingar para o chão óleo podre!

Enquanto eles, os escroques que vivem no Estado, estão cada vez mais necessitados de se lhe colarem vitaliciamente: – Nós, pelo contrário, passamos muito melhor sem ele, não precisamos mesmo deste Estado!

Porém, para nossa infelicidade, ainda não sabemos quando conseguiremos sair do enquadramento deste fatídico redil!

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