Selecção e tradução por Júlio Marques Mota
É tempo de eleições na Grécia. É tempo de os povos europeus dizerem não à corda que a todos aperta o pescoço e os asfixia. É tempo de gritarem: Liberdade. E o povo grego confirmou-o nas urnas, ontem.
Uma viagem por diversos países da União Europeia é o que aqui vos propomos. Estação de destino, hoje: o coração do povo grego…
Grexit ou germanexit?
OLIVIER PASSET, Grexit ou germanexit?
Altereco+plus, 12 de Janeiro de 2015
Olivier Passet – Director de Synthèses économiques de Xerfi
Para Angela Merkel, a saída da Grécia do euro não seria um problema. Para Hans-Werner Sinn, o patrão do Instituto de Investigação Económica IFO, esta seria mesmo a solução. Deixar acreditar que se salvará o euro por amputação, eliminando o problema grego, para reprimir as rebeliões do Sul é um jogo que poderá no entanto vir a provar-se muito dispendioso para a zona euro, tanto sobre o plano económico como sobre o plano político.
No papel, certamente, o risco financeiro de uma saída da Grécia da união monetária, acompanhada por um incumprimento inevitável, parece limitado. Cerca de 90 % da dívida grega foi posta em quarentena nas mãos de credores públicos (Estados, Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF), Banco Central Europeu, FMI). Os riscos de desestabilização sistémica dos bancos europeus por conseguinte são limitados. O custo para os Estados da zona duma mutualização das perdas é ele mesmo relativamente contido, dado que o incumprimento do reembolso é apoiado sobre empréstimos a prazo longo: equivalente à 2,5 à 3 pontos de dívida pública suplementar para a França ou para a Alemanha por exemplo.
Dupla penalização para a Grécia
Para a Grécia, seria em contrapartida uma dupla penalização. A de uma política de ajustamento que já terá custado mais de um quarto do seu produto interno bruto (PIB), um empobrecimento mais 30 % da sua população, a que se acrescentaria agora um risco extremamente elevado de falência do seu sistema bancário, um crédito crunch e uma situação de incumprimento para os agentes sobre as suas dívidas privadas. O equilíbrio orçamental primário obtido com muitíssimos sacrifícios em 2014 não sobreviveria e imporia um novo apertar do rolo compressor da austeridade.
Quase 70 % dos fundos serviram para honrar o serviço da dívida passada e 19 % para recapitalizar os bancos
Limitar-se a esta análise é contudo perigoso. É primeiramente negar o malogro parcial das estratégias de saída de crise e sobretudo não fazer nada para as remediar, fechando-se num dogmatismo cego. É demonstrar mais uma vez a incapacidade das instâncias europeias tratar os problemas a frio, enquanto que uma reestruturação parcial das dívidas aparece como uma via incontornável para vários Estados-Membros da zona euro.
Como compreender que um país que teria saído beneficiado, digamos, em 360 mil milhões de ajudas em quatro anos, duas vezes o seu PIB, tenha podido ver a sua riqueza diminuir mais de um quarto em cerca de poucos anos? A Grécia recebeu certamente 226,5 mil milhões de empréstimos das instituições públicas; além disso beneficiou de um abatimento de aproximadamente 100 mil milhões das suas dívidas em 2012; a que acrescentará 28,1 mil milhões de ajudas a virem do FEEF e do FMI daqui até Fevereiro, se forem reunidas as condições.
Quem detém a dívida grega
Montante e posse da dívida grega
Uma falsa ajuda europeia
Mas esta abordagem da ajuda através dos fluxos de empréstimo é enganadora. O que é que se vê do lado grego? Não se trata, de modo nenhum, de dinheiro fresco que vem apoiar o seu crescimento, mas um plano de resseguro da dívida existente. Quase 70 % dos fundos serviram para honrar o serviço da dívida passada e 19 % para recapitalizar os bancos, os bancos gregos que, diga-se de passagem, sofreram uma perda de 43 mil milhões no momento do abatimento da dívida feito em 2012. Com efeito:
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as ajudas não irrigam a economia real;
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estas protegem sobretudo os credores da Grécia; a operação consistiu essencialmente em substituir, num jogo de soma nula, os credores privados da Grécia por credores públicos, de modo que os primeiros suportassem um mínimo de perdas. E que, in fine, que seja o contribuinte europeu que suporte as perdas futuras
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a sua concessão foi realizada à custa de condições draconianas, mais penalizadoras ainda que aquelas que se teriam imposto de facto no caso de uma saída do euro em 2012: não somente, a Grécia deve-se auto- financiar-se e pressionar a sua população como no caso em que teria declarado uma situação de incumprimento mas, além disso, não é libertada a termo das suas obrigações de reembolso e não beneficiada das margens de manobra oferecidas por uma desvalorização cambial para restaurar a sua competitividade.
Um potencial de crescimento enfraquecido
Resultado, o potencial de crescimento da Grécia está de tal modo enfraquecido que ela não reúne sequer as condições de uma solvabilidade a longo prazo. Este malogro da Troika e a cegueira que a acompanha faz lembrar que a zona euro não poderá nunca funcionar sem que haja verdadeiras transferências inter-regionais. E que o bloqueio alemão conduz toda a zona ao impasse
Podemos apenas interrogarmo-nos no final sobre o desejo mais profundo da Alemanha de sair ela própria do jogo
Pretender salvar o euro evacuando o problema grego é destruir toda a confiança construída a grandíssimo custo em redor do carácter inalterável da divisa europeia e desacreditar as instituições construídas desde 2011. Este sinal gera um enorme stress em redor de um risco de contágio à Espanha ou à Itália. Os trabalhos históricos 1 mostram neste caso que é quase impossível manter uma união monetária quando o processo de decomposição já começou. Podemo-nos apenas interrogar no final sobre o desejo mais profundo da Alemanha em sair ela própria do jogo, dado que os tratados não autorizam a exclusão de um Estado da união monetária mas permitem, em contrapartida, a saída voluntária.
É, enfim, atiçar a crise democrática europeia. De ingerências em chantagens e de apoio a partidos nepotistas de pesado historial, as instituições europeias comprometem a sua legitimidade e atiçam dia após dia os riscos sociopolíticos.
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1.Garber, P. and Spencer, M., (1994), “The Dissolution of the Austro-Hungarian Empire: Lessons for Currency Reform”, Essays in International Finance , No 191, February
http://www.alterecoplus.fr/chronique/olivier-passet/grexit-ou-germanexit-201501120800-00000572.html