A ALEMANHA, O SEU PAPEL NOS DESEQUILÍBRIOS DA ECONOMIA REAL- O OUTRO LADO DA CRISE DE QUE NÃO SE FALA UMA ANÁLISE ASSENTE NA DIVISÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO[1] – III – A ECONOMIA ALEMÃ, O SEU CRESCIMENTO, UMA DINÂMICA À AMERICANA? – por ONUBRE EINZ – 3

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 Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

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A Alemanha, o seu papel nos desequilíbrios da economia real- o outro lado da crise de que não se fala

Uma análise assente na divisão internacional do trabalho[1]

Uma colecção de artigos de Onubre Einz.

III- A economia alemã, o seu crescimento, uma dinâmica à americana?

Onubre Einz, L’économie allemande, une croissance à l’américaine customisée ?

Criseusa.blog.lemonde.fr., 29 avril 2013

(CONCLUSÃO)

B –O jogo dos supergini na base dos rendimentos em valor

Para mostrar o forte crescimento recente das desigualdades inventámos o SuperGini. O SuperGini consiste em expressar as relações de rendimento entre o percentil do topo e o do fundo da escala social. É uma medida bruta de crescimento nas desigualdades de rendimento.

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Este quadro lê-se facilmente: em 2005, o rendimento do percentil 99 era de 12,4 vezes o rendimento do percentil 1, que representa o conjunto dos 1 por cento dos alemães mais pobres. O percentil 98 era de 10,2 vezes o percentil 1.

A explosão das desigualdades é particularmente sensível em seguida. O ano de 2007 é um ponto de referência devido ao desmoronamento dos rendimentos do percentil 1. A crise que provoca o desmoronamento dos rendimentos da propriedade do capital permite um regresso à uma situação de menos fortes desigualdades.

A segunda lição deste quadro é a de mostrar a concentração dos rendimentos para o percentil de rendimentos mais altos, cujos dados quantitativos não são comunicados por Eurostat assim como os dados das famílias do 20% do topo e das 10% de topo. Neste  último decil, o percentil das famílias de mais elevados rendimentos, o último percentil,  distingue-se em geral bastante fortemente do penúltimo percentil, o percentil 99, por  uma diferença muito acentuada dos seus rendimentos.

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A escala de rendimentos medida pela relação dos rendimentos dos percentis 99-95 ao segundo percentil dá uma medida menos extrema da subida das desigualdades. Mas as conclusões que tirámos permanecem as mesmas. A concentração acelerada dos rendimentos para o alto da escala social permanece visível entre 2005 e 2007. De novo, tomamos a medida da evolução dos rendimentos do último percentil, o 100, o dos rendimentos mais elevados considerando também o 99 percentil. A ruptura entre o percentil 99-2 e outros percentis é muito sensível. Estas relações informam‑nos sobre a ruptura de escala que se teria introduzido se Eurostat nos tivesse posto à disposição os dados do percentil 100. O facto é universal: o rendimento das famílias do top 100 alarga-se por toda a parte e muito fortemente a diferença em relação aos percentis 95-99 dos rendimentos.

Conclusão.

A análise que aqui propomos visa apoiar uma tese. A de um modelo alemão de crescimento assente na ganância e que é importado dos EUA e completamente adaptado pelos nossos vizinhos germânicos. O extraordinário aumento das desigualdades de repartição que acompanha os fenómenos conhecidos bem para além-Atlântico recebem aqui um elemento de demonstração suplementar. Parece-nos convincente que a Alemanha foi tentada pelo crescimento à americana. Os dados dos patrimónios parecem confirmar esta tese. Para que uma transferência de rendimento se faça através dos rendimentos de propriedade do capital, é necessário que uma concentração bastante forte dos patrimónios seja realizada no topo da escala social.

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O património líquido das famílias (Património total menos dívida) verifica esta tese, tendo sido calculado aqui por dois organismos alemães, o PHF (Private Haushalte und Ihre Finanzen) ligado ao Bundesbank e o The German Socio-Economic Panel Study (SOEP) du German Institute for Economic Research, DIW Berlin (http://www.diw.de/en/soep). A repartição (Verteilung) do património indica uma concentração deste último a favor do topo da escala social, tendo por efeito o verificar‑se que uma parte cada vez mais importante dos rendimentos foi destinada às aplicações financeiras e uma parte cada vez menor ao imobiliário e ao endividamento para os decis superiores (90-100). Esta configuração é ideal para acelerar as transferências de riqueza através dos juros líquidos das famílias (juros pagos menos juros recebidos) e a concentração dos dividendos distribuídos no topo da escala da repartição, onde se acumulam as grandes carteiras de títulos financeiros. Os rendimentos das empresas obtidos através de títulos privados e a polarização dos rendimentos salariais para o topo ligadas com uma baixa relativa das transferências sociais fazem o resto.

Para que este processo de enriquecimento não seja interrompido, é necessário num momento ou noutro cortar nos investimentos em infra-estruturas (o que se tem estado a fazer há já muito tempo) e, em seguida, sobre o investimento produtivo e depois é necessário morder sobre os salários, especialmente sobre os mais baixos de entre eles, e a seguir ainda sobre os benefícios sociais. Tudo isso estava em andamento na Alemanha; a crise só suspendeu essa evolução. As nossas teses parecem defender-se…

É preciso examinar o modelo de crescimento alemão pelas exportações para determinar se a febre das desigualdades da Alemanha vai reaparecer. Esta retoma é condicionada a uma grande questão: é o modelo alemão de crescimento através das exportações utilizável? A Alemanha entre 2001 e 2007 não teria ela assumido uma má direcção e por maioria de razão uma via insustentável a prazo?

Para esboçar uma resposta a esta pergunta difícil, precisamos de alargar a questão da política económica da Alemanha à Europa e ao mundo. Será que o modelo de crescimento que se pôs em prática recentemente pressupõe que a economia alemã ainda continue a obter excedentes líquidos importantes na sua balança comercial (e não apenas dos seus rendimentos brutos), e que esta encontre uma plataforma de crescimento à exportação para a Europa e, mais ainda, para as regiões do mundo onde o crescimento é dinâmico? Sem isto, a economia alemã pode correr o risco de ter um crescimento muito fraco, com a partilha de rendimentos a tornar-se ipso facto conflituosa e a financeirização por procuração a tornar-se impossível.

Se essa dinâmica das exportações não é realizada, a base produtiva alemã como via para o enriquecimento das elites económicas através da financeirização por procuração não terá sido mais do que um breve parêntesis, a tentação da América do Norte tornar-se-á insustentável.

A questão importante agora é a de determinar se as políticas de austeridade impostas pela Alemanha não constituem elas uma vontade das elites económicas para voltarem à situação que prevaleceu após a implementação da agenda 2000 e antes da crise. Nesta história muito exótica, 90% dos alemães não têm verdadeiramente nada a dizer…É por isso que quando falamos de política alemã, estamos sempre a falar sobre a política de Top 10, medida através dos dados estatísticos.

Onubre Einz, L’économie allemande, une croissance à l’américaine customisée?. Texto disponível em :

http://criseusa.blog.lemonde.fr/2013/04/29/leconomie-allemande-une-croissance-a-lamericaine-customisee/

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Para ler a parte 2 de A economia alemã, o seu crescimento, uma dinâmica à americana?, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, vá a:

A ALEMANHA, O SEU PAPEL NOS DESEQUILÍBRIOS DA ECONOMIA REAL- O OUTRO LADO DA CRISE DE QUE NÃO SE FALA UMA ANÁLISE ASSENTE NA DIVISÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO[1] – III – A ECONOMIA ALEMÃ, O SEU CRESCIMENTO, UMA DINÂMICA À AMERICANA? – por ONUBRE EINZ – 2

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[1] O título dado à  colecção é da responsabilidade do tradutor.

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