CARTA DO RIO – 44 por Rachel Gutiérrez

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O sucesso da celebração do Dia do Teatro me anima a continuar falando no assunto, de outro ponto de vista, porém, não mais o da espectadora feliz. Sou autora de três peças publicadas em livro, já lidas publicamente, mas jamais encenadas, ou, como se diz em Portugal: ainda não “levadas às tábuas”, expressão que adoro porque me remete à definição do teatro barroco espanhol para o qual bastavam apenas dos tablas y una pasión! Contudo, devo admitir que as pequenas peças que escrevi têm mais discursos do que paixão. A primeira resultou da pesquisa que fiz para uma tese de filosofia, que continuou inacabada, sobre Lou Andreas-Salomé. Adaptei, de acordo com seu principal biógrafo, com sua correspondência e ensaios que li, cenas emblemáticas de seus encontros com Sigmund Freud, Friedrich Nietzsche, Paul Rée e Rainer Maria Rilke, acrescidas de algumas revelações da autobiografia sobre a convivência com o professor Carl Friedrich Andreas, com quem Lou se casou apenas nominalmente.

A peça é, portanto, para uma atriz e cinco atores, ou apenas três atores porque só numa cena dois deles contracenam com ela, todas as outras sendo diálogos de Lou, com cada um, separadamente. Não há cenário, apenas um jogo de luzes, uma poltrona, uma mesa e uma cadeira. Montagem, portanto, extremamente barata. Mas, quem é que vai se interessar em patrocinar ou financiar uma peça dessas, que tem muito mais palavras do que ação, que retrata somente alguns momentos da vida de uma mulher excepcional, que foi amada por Nietzsche, amante de Rilke, amiga e colaboradora de Freud, a escritora e primeira psicanalista mulher, com quem o vienense se correspondeu durante mais de vinte anos e a quem chamou de “a poeta da psicanálise”?. A peça não tem violência nem nada de espetacular, nem é uma comédia espalhafatosa, que provoque o riso fácil e gargalhadas. Não é “moderna”.

A segunda peça tem quatro personagens mulheres: Clarice Lispector, Cecília Meireles, Carmen da Silva, nossa inesquecível jornalista feminista, e Eneida, a conhecida cronista de esquerda, que foi também uma celebrada carnavalesca. As quatro estão no Paraíso (uma grande Biblioteca!) e conversam sobre suas obras numa época em que a imagem e os meios eletrônicos parecem ter ofuscado a literatura. É uma espécie de recital, um Convite à Leitura. Para essa Palavra de Mulher, que muito encantou um presidente da Academia Brasileira de Letras, o poeta Alberto da Costa e Silva, pensei numa simples sala de estar com uma parede ao fundo cheia de livros (pintados em papel, é claro). O acadêmico me ofereceu o teatro da Academia e durante quase dois anos procurou-se patrocínio da Eletrobras, da Petrobras (quase digo de saudosa memória), de bancos etc. Ninguém se interessou.

Pensei então em escrever algo mais barato ainda, para uma única personagem: um monólogo, que veio a chamar-se Solo para Computador. Neste, a atriz encarna uma autora teatral que está à espera de financiamento para uma de suas peças.

No meio do palco há uma cadeira – de escritório – diante de um computador. A decoração é a de um despojado living room, pois a casa é a de uma mulher que vai falar todo o tempo sozinha, ao telefone ou- mais frequentemente – com o computador -, não só ao ler as mensagens, que recebe e envia, mas principalmente quando espera da máquina soluções para a sua vida solitária.

Afloram lembranças mais ou menos dolorosas, e alguma irritação:

Não dizem que autor bom é autor morto? Pois bem, sem morrer, esta autora aqui vai deixar o diretor to-tal-men-te à vontade. Como na música aleatória, onde não se indica a duração da nota nem sua intensidade, mais ou menos assim…

E o monólogo chega ao fim sem que o bendito financiamento apareça.

Sobre este último, meu amigo Sérgio Fonta, ator, escritor e diretor de teatro diz na orelha, ou “badana”, do livro: …(…) “que mulher restou para a peça Solo para Computador? Talvez ela mesma, quando coloca em cena uma personagem autora teatral, que filtra seus magos e fantasmas, enquanto aguarda um possível patrocínio para um trabalho seu. Sim, é um monólogo, o que é sempre um risco se seu criador não dominar a pena ou… a tecla. Mas o risco faz parte da vida. E Rachel Gutiérrez não tem medo, não… Isso no mundo de hoje, talvez possa ser chamado de Virtude.”

Muito generoso o meu amigo diretor. Como generosa foi minha querida amiga Christina Montenegro, psicóloga e atriz, que leu o texto para um público carioca bastante receptivo, no restaurante Valansi – onde coisas assim acontecem – no bairro de Botafogo.  Dirigiu-a na leitura, outro querido amigo, o ator e diretor Afonnso Drummond. Os aplausos foram muitos e prolongados. Uma noite feliz.

Tendo a acreditar que as peças que escrevo são mais para serem lidas do que encenadas. Contudo, o sonho de levá-las às universidades, ou de vê-las montadas em salas pequenas, ainda me habita. Quem sabe? Quem sabe agora, quando temos como novo Ministro da Educação um filósofo e professor de Ética.  Oxalá outros ventos possam soprar…

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