A ECONOMIA DA FINLÂNDIA SOFRE DE ESTAGNAÇÃO SECULAR? – por EDWARD HUGH – III

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Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

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A economia da Finlândia sofre de estagnação secular?

Edward Hugh, Is Finland’s Economy Suffering From Secular Stagnation?

 A Fistful of Euros, 27 de Março de 2015

(CONCLUSÃO)

O boom no consumo e no imobiliário

Como em anteriores casos semelhantes, a perda de competitividade e a proeza das exportações foi compensada no curto prazo por um consumo modesto e pelo boom imobiliário. Os preços das casas subiram acentuadamente – possivelmente ajudado pela disponibilidade de hipotecas a baixas taxas de juros, impulsionada pela política monetária do BCE – de 2008 a 2013. Mas agora os preços começaram a estagnar e até mesmo a diminuírem ligeiramente.

edwardhugh - XIIIO número de licenças de construção emitidas tem estado a cair.

edwardhugh - XIVEnquanto a taxa de procura por novas hipotecas tem estado constantemente a cair.

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O que fazer sobre a situação?

A ideia de estagnação secular é altamente controversa no momento presente. Em primeiro lugar, não existe acordo geral sobre o que ela é, sobre o que está a ser afectado, num país como a Finlândia. Aqueles que, como o primeiro-ministro, Alexander Stubb, argumentariam que o que se passa deve-se pura e simplesmente ao facto do país ter vivido acima das suas possibilidades e que, por isso mesmo, perdeu competitividade. Assim, na sua opinião, o que seria preciso agora fazer seria um longo processo de desvalorização interna e de austeridade. Curiosamente – num país que se tem ocupado a recomendar ou a exigir uma acentuada austeridade para os outros – ele culpa agora a dívida crescente e as políticas orçamentais laxistas por esta situação. A economia da Finlândia poderia estar em estagnação ao longo dos anos de 2020, é o que ele sugere, se os políticos não conseguem reduzir os impostos e a dívida pública.

A dívida do governo da Finlândia quase que duplicou desde 2008, a partir de 28 por cento do produto interno bruto para 48 por cento no final de 2014. Os impostos subiram de 3 pontos percentuais durante o mesmo período com as diferentes administrações a tentarem preservar os subsídios sem recorrerem a cortes profundos. A taxa de desemprego este ano aumentará ligeiramente para mais de 9,1%, estima o governo. O PIB definha abaixo do nível de 2008 – Bloomberg News

É certo, não tendo analisado adequadamente o que estava a acontecer, o país tem funcionado com uma série de défices orçamentais que continuaram para além da crise, sob a impulsão dada pelo boom imobiliário que entretanto se desvaneceu.

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Naturalmente, sem crescimento e com baixa inflação a divida pública cresceu rapidamente. O nível é ainda baixo – o FMI estima que atingirá este ano o valor limite europeu dos 60% e que se continuar a crescer a este ritmo o seu valor não ficará baixo durante muito mais tempo.

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Outra hipótese poderia ser de uma recessão de balanço, (recessão provocada por contracção de consumo e de investimento devido ao desendividamento dos empresários e dos consumidores) mas com dívida pública abaixo dos 60% do PIB e um total da dívida do sector privado, apenas em cerca de 100% PIB, isso não parece plausível. Também, pela mesma razão, não é plausível a ideia de que o país simplesmente esteja preso numa armadilha de liquidez.

Então, o que é que o leitor pode pensar sobre o problema da estagnação secular, se isto é o que é ? Novamente aqui há divergência de opinião. Alguns ainda procuram tratar o fenómeno como se fosse uma variante do problema de armadilha da liquidez. Mais notável é a posição assumida por Paul Krugman, que continua a esperar que a flexibilização quantitativa massiva apoiado pelo forte estímulo fiscal vá levar a que as economias como a finlandesa retomem uma trajectória de crescimento saudável. Mas se a questão é uma estagnação secular, e a raiz é o envelhecimento da população e a redução desta, é difícil ver como isso pode ser feito. O facto de que o Japão esteja prestes a cair numa situação de deflação, dois anos depois de aplicar um programa monumental de flexibilização quantitativa parece dar força de razão à ideia de que se trata de um problema sem nenhuma “solução” no sentido clássico do termo. Em Stagnation Without End, Amen, como se fosse resposta a isto, Krugman encara a possibilidade que a taxa natural de juro possa ser permanentemente negativa e conclui:

” Pessoalmente, preciso de trabalhar muito mais na mecânica deste texto; Eu estou a procurar saber em particular se há uma possibilidade de sustentar a economia com uma expansão orçamental permanente”

À primeira vista, observe-se que a ideia do estímulo permanente parece estranha, dado especialmente o facto de que não estimulará (no sentido normal) e também devido às implicações da dívida a longo prazo. Mas por outro lado, existe a possibilidade que a estagnação secular esteja associada com uma constante deflação em que, neste caso, o banco central poderia imprimir papel-moeda por um período de tempo prolongado sem causar a inflação. Pessoalmente analiso esta possibilidade no meu texto EuroGroup – Money For Nothing And Your Debt For Free?EuroGroup – dinheiro para nada e a dívida de graça ?

Deixar o Euro – o que eu acho que ninguém está a sugerir – não seria uma vantagem, desde que, para além de perder o poder de fogo de um grande banco central para o cenário de dívida, o país seria pouco susceptível de atingir uma significativa desvalorização. Todos os outros países escandinavos actualmente estão a ter que lutar duramente para evitar a reavaliação – em grande parte devido a serem vizinhos do BCE – como eu explico no meu texto sobre as taxas de juros negativas. O velho debate sobre ter ou não política monetária soberana está um pouco desactualizado, especialmente numa altura em que mesmo Janet Yellen está hesitante em aumentar as taxas devido a preocupações sobre o impacto monetário da acção do BCE. E o que é que pode uma pequena economia aberta como a Finlândia que até está em risco?

Temporariamente há almoço grátis

Nunca há nada que seja completamente grátis em economia e uma das questões que se levanta com a permanente QE é que esta só pode ser aplicada à custa de gerar problemas de tipo bolha noutros lugares, uma questão que analiso no texto sobre estagnação secular – Secular Stagnation – On Bubble Business Bound. Mas as economias desenvolvidas estão num beco sem saída, e elas não precisam de encontrar nenhum caminho para poderem avançar ao longo da situação de estagnação secular.

Larry Summers – foi quem primeiramente utilizou a ideia de estagnação secular no contexto actual – defende a despesa pública em infra-estruturas para superar o défice de investimento, mas ainda assim não estou certo se Summers reconhece que seria necessário que essa despesa se possa tornar permanente, mas neste caso ainda acabamos com uma montanha de dívida como consequência. O economista catalão Jordi Galí faz uma proposta semelhante à que Summers nos propõe, mas novamente tendo como base um limitado estímulo. No entanto em certo sentido ele vai mais longe. Em “Thinking the unthinkable: The effects of a money-financed fiscal stimulus” Gali argumenta que as propostas que avança “contrastam com a experiência da flexibilização quantitativa e com outras políticas monetárias não convencionais, que não afectam a procura agregada directamente e que, consequentemente, não conseguiram fazer arrancar as economias deprimidas de muitos países, especialmente na zona do euro”.

Ele continua a afirmar “a vantagem adicional do financiamento monetário do estimulo orçamental, particularmente relevante para uma União Monetária, é que lhe está associado um aumento nas compras governamentais e este pode ser orientado para as regiões com maior desemprego e menor inflação (ou maior risco de deflação persistente).”

Por fim, apenas duas coisas podem ser ditas com um bom grau de certeza: a austeridade fiscal de curto prazo não vai gerar nenhuma melhoria significativa na situação da Finlândia, e pode ajudar a tornar as coisas ainda piores (todo este discurso está baseado num mal-entendido sobre o que é o problema) enquanto, por outro lado, o estímulo de curto prazo não vai estimular a economia.

Reformas estruturais – destinadas a aumentar as taxas de participação de mercado de trabalho e alongar o tempo de vida profissional – podem ajudar. Assim, podem também ajudar as medidas que levem à melhoria da qualidade da educação e da eficácia do investimento em novas tecnologias. Mas se olharmos para o Japão, mesmo estas melhorias não oferecem nenhuma panaceia simples.

A sociedade finlandesa, como muitas outras sociedades europeias, está no meio de uma grande transição. Precisa de realizar mais debates sobre o que fazer para facilitar a transição e, entretanto, alargar o défice por aumento nos investimentos públicos de futuro em termos dc melhorias de produtividade não parece ser uma má ideia. Continuar com os défices correntes para nada mudar, em contrapartida, seria mesmo muito má ideia.

Edward Hugh,  Is Finland’s Economy Suffering From Secular Stagnation?. Texto editado por  A Fistful Of Euros -European Opinion     e disponível em : http://fistfulofeuros.net/afoe/is-finlands-economy-suffering-from-secular-stagnation/

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Para ler a parte II des trabalho de Edward Hugh sobre a Finlândia, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, vá a:

A ECONOMIA DA FINLÂNDIA SOFRE DE ESTAGNAÇÃO SECULAR? – por EDWARD HUGH – II

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