UMA MOEDA PARALELA PARA A GRÉCIA – por BIAGIO BOSSONE e MARCO CATTANEO – IIª parte – anexos

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Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

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 Uma moeda paralela para a Grécia- IIª parte

Biagio Bossone, Marco Cattaneo,  A parallel currency for Greece: Part II

Voxeu.org, 25 de Maio de 2015

(conclusão)

Anexo I

 “A hipótese base ” supõe que um acordo está a ser alcançado entre a  Grécia e os seus credores, enquanto que a dívida  é refinanciada por um  compromisso grego para gerar um excedente orçamental primário  médio de 1,9% do GDP sobre um horizonte de tempo de cinco anos. Baseado em indicações recentes dos mercados, isto é amplamente consistente com a atitude  mais favorável para com a Grécia, em que os credores estariam  preparados para fazerem de modo a que se evite  uma situação de incumprimento  potencialmente disruptivo e a concluir-se num  Grexit possível. O caso de base considera  igualmente  que a Grécia pode alcançar  um crescimento real médio do PIB em  1%,  sob a hipótese indicada, a do caso base, com uma  inflação (actualmente fortemente negativa) calculada em  média de 0,5% por ano .

No cenário  alternativo, devido à utilização dos CCIs  para a redução dos  imposto dois anos após a emissão, a programação das emissões de CCIs, as utilizações   e as quantidades em circulação  seriam como segue:

Tabela I)

biagio - I

A quantidade total de CCIs pendentes  atingiria então  €48 mil milhões no final do 5º ano,  permanecendo contante a partir daí.

Os resultados da simulação  são colocados no quadro abaixo.

Quadro I)

biagio - II

Note-se que as emissões de CCIs  não estão incluídas no orçamento público, uma vez que os CCIs não implicam nenhum compromisso de reembolso para o governo que os emite e (em conformidade) não constituem instrumentos de dívida.

Notas finais

[1]. Note que a quota da emissão de CCIs é  afeta   às empresas em função dos  seus custos em  mão-de-obra, o que melhora directamente a concorrência da Grécia e compensa através de maiores  exportações atenuando desequilíbrios comerciais externos que de outra maneira  seriam instalados devido ao aumento das importações  resultante do crescimento da procura interna. Igualmente deve-se sublinhar  que o valor de 1,3 escolhido na hipótese de base   é o ponto médio entre  0.9-1.7, valores estes calculados por  Blanchard e por Leigh (2013). Este valor é sobretudo muito  prudente considerando que o multiplicador fiscal tende a ser consideravelmente mais alto nas situações da depressão económica.

Anexo II

Imaginemos agora uma outra situação para a Grécia. A emissão anual de CCIs  inicia-se em 10 mil milhões e sobe gradualmente. Assuma-se um multiplicador orçamental de 1,2  e em que as emissões de 50 mil milhões de CCIs  levarão a que a Grécia  cresça, ceteris paribus, cerca de 60 mil milhões, dado o  multiplicador de 1,2, o que compensa então  a queda do PIB verificada relativamente ao valor verificado no período de  pré-crise,  que caiu de 240 mil milhões para 180 mil milhões de euros.

Baseado no facto das receitas  brutas do governo relativamente ao PIB serem de 44%  e mais  ainda considerando que o PIB nominal cresce (para além do impacto dos CCIs) 2,5% por ano (devido à  inflação haverá portanto mais algum efeito adicional decorrente de estarmos perante  um  ambiente económico mais benigno), o programa dos CCIs  seria totalmente autofinanciado, assim como a Grécia passaria a dispor de um valor acumulado muito maior do excedente primário.  Este resultado orçamental  positivo verificar-se-ia em simultâneo com uma verdadeira retoma da economia e do emprego.

A tabela abaixo  mostra-nos uma estimativa  do resultado do programa  dos CCIs   em comparação com um cenário base onde a austeridade provoca um crescimento zero, uma taxa de inflação nula e um excedente primário de  3% / PIB ( à  custa de enorme desemprego   e de agitação social).

Tabela II) Estimativa com base no programa dos CCIs

biagio - III

O excesso primário  financiaria o pagamento  dos juros  e a amortização do principal da dívida. Enquanto alguma reestruturação poderia ainda ser necessária  uma redução parcial da dívida  poderia  pois ser evitada. Importante, a capacidade do reembolso da dívida da  Grécia seria muito mais alta do que sob a estrutura actual, e isto quando a austeridade praticada é suposto  estar a melhorá-la enquanto que o que realmente acontece é a diminuição  do PIB e a dívida  não deixa de continuar a crescer;  com base nas hipóteses acima, o  excedente primário acumulado em nove anos seria de  quase € 90 milhões (88) em vez de ser  menos de  € 50 mil milhões, e este é o valor  que se verificaria sem a aplicação de CCIs.

Vale a pena sublinhar  que a capacidade do reembolso de dívida  seria tão boa quanto no caso de base  mesmo sob um conjunto de hipóteses mais conservadoras  como se refere com o multiplicador orçamental  (tal como, por exemplo, a suposição de um multiplicador de 0,95 – 1), enquanto o PIB e a dinâmica do emprego ainda se  confirma  ser muito melhor que no caso de base, onde não há CCIs.

No caso de um excedente primário mínimo previamente  estabelecido como objectivo,  (por exemplo € 5,4 mil milhões, como no caso de base acima ) não foi alcançado num ano  específico,  “uma disposição de  protecção” poderia ser contemplada enquanto certas despesas  do governo seriam feitas através da emissão de CCIs adicionais em vez de ser em euros.

Alternativamente, os impostos adicionais poderiam ser arrecadados ao autorizar os contribuintes a receberem CCIs  no  valor equivalente (esta medida não seria realmente um imposto mas uma troca obrigatória  ( um swap obrigatório) de euros contra CCIs.).

Vejamos estes números um pouco mais detalhadamente. Quanto aos valores do ano base nada a dizer, traduziam a realidade grega,  depois do PIB ter descido para 180 mil milhões de euros. Vejamos agora os valores para o ano 1 em que há uma injecção de 10 mil milhões em CCIs, só dedutíveis ao Estado no ano 3, isto é, só no ano 3 o seu titular pode deduzir aqueles títulos nos impostos a pagar.

Ano 1

Repare-se que estes 10 mil milhões aparecem com o sinal menos no ano 3 como sendo pois uma redução dos CCIs pendentes. Os rendimentos no sector público permanecem relativamente ao PIB numa relação constante, ou seja os rendimentos do sector público são 0,44 do PIB, relação esta igual em todos períodos.  Ora dado que o multiplicador de rendimento é de 1,2 então o rendimento adicional criado pela primeira vaga de CCIs é de 12 mil milhões. Supomos  que a partir do ano zero, ano de base, se verifica uma a taxa de inflação na ordem dos  2,5, devido aos estímulos que vão ser colocados na economia e ao sentimento geral de que a economia vai melhorar, dado o apoio sustentado expresso pela injeção dos CCIs  que o programa anunciado confere e dado o sentimento de melhoria geral do ambiente económico que de tudo isto resulta.  O programa aqui pressuposto, sublinhe-se,  considera injecções anuais sucessivas de 10, 20, 35 , 50 mil milhões de euros em certificados e estabilizando-se depois  neste último valor.

O acréscimo de rendimento no ano 1 relativamente ao ano base é então de 12 mil milhões (variação real do PIB por efeito directo dos CCIs)  é mais 2,5% a multiplicar pelo PIB no ano de base, 180 mil milhões, ou seja, mais 4,5 mil milhões que são a variação puramente nominal do PIB, o efeito da inflação. A variação total do PIB no ano 1 é então de 12+4,5 = 16,5  mil milhões, conforme indicado no cruzamento da linha intitulada O valor do PIB mais elevado com a coluna 2.

Analisemos então os dados da coluna 2 (ano 1), a partir desta linha para baixo. Os rendimentos do sector público (as suas receitas) mantém-se na proporção do  rendimento em 44%. Como o rendimento nominal global variou de 16,5 mil milhões, os rendimentos públicos aumentaram de 0,44x 16,5 mil milhões, o que arredondado dá 7,3 mil milhões. Como se considera a despesa pública constante, de 73,8 mil milhões significa que o excedente primário cresceu neste montante.

O PIB como se viu teve um acréscimo de 16,5 mil milhões e passa de 180 mil milhões para 196,5 mil milhões. Os rendimentos do sector público passam a ser no período 1, o valor do período zero mais o acréscimo do período 1, ou seja, 79,2+7,3= 86,5 mil milhões, ou ainda, 0,44 x 196,5 mil milhões. Como a despesa permanece constante e com o valor de 73,8 mil milhões  o excedente primário sobe no valor dessa diferença, ( 86,5 – 78,3) ou seja os nossos 7,3 já anteriormente deduzidos. Sendo este o acréscimo no excedente primário, o excedente primário  verificado no período 1 é então  dado por 5,4+7,3= 12, 7 mil milhões, conforme se assina na penúltima linha da tabela acima.

Ano 2

Vejamos agora a passagem do ano 1 para o ano 2. Foi emitida a segunda parcela de CCIs de 20 mil milhões. Encontramo-nos agora na terceira coluna da tabela.  O rendimento por efeito directo acresce de 24  mil milhões (12+12), relativamente ao ano de referência, o ano 0 . O valor do PIB do período 1 quando transposto para o período 2 e  apenas pela inflação sofre um acréscimo de  196,5×2,5%=  4,9 mil milhões relativamente ao PIB do período 1 e tem um aumento relativamente ao período de base de (4,5+4,9) ou seja de 9,4 mil milhões. Com exclusão de inflação, verifica-se  um acréscimo de 24 mil milhões no PIB devido à injecção de 20 mil milhões de CCIs, ou seja, o efeito directo, no período 2, da emissão global de CCIs é ( 20 x 1,2)=24 mil milhões. O   valor do PIB nominal global aumenta 24 mil milhões pela emissão de títulos e de  9,4 mil milhões devido à inflação  acumulada, ou seja, o PIB nominal global aumenta 33,4 mil milhões relativamente ao ano 0,  conforme se assinala  na linha Aumento global nominal do PIB com a intersecção da  coluna 3. Na nossa hipótese de que as receitas do Estado em termos do PIB permanecem constantes, teremos então que  as receitas públicas, uma  vez que o PIB aumentou 33,4  mil milhões, aumentam 0,44 x 33,4 mil milhões, ou seja, tiveram um aumento de 14,7 mil milhões.  Como mantemos a hipótese das despesas públicas serem constantes o aumento de receitas traduz-se automaticamente num aumento do excedente primário  de 14.7 mil milhões.

O valor do PIB no período 2 é então 180+24 a que se adicionam os efeitos da inflação do período 1 e 2 ou seja mais 4,5+4,9. O valor do PIB global é então  de   213,4 conforme nos indica o valor no cruzamento da  linha do PIB (com inclusão dos CCIs e da inflação) com a coluna 3.  Os rendimentos do sector público sobem e atingem pois 0,44 vezes o valor do PIB, ou seja, 0,44  x 213,4= 93,9 mil milhões. Com a despesa constante, em 73,8 mil milhões, significa pois que o excedente primário sobe e alcança no período 2 o valor 93,9 – 73,8= 20, 1 conforme se mostra na linha que expressa o excedente primário, a penúltima linha da tabela.

Ano 3

A análise repete-se ano a ano embora com uma ou outra diferença. Vejamos o que se passa no ano 3 que oferece uma  particularidade  bem especial relativamente aos anos anteriores.  No ano 3  a emissão de títulos aumenta para 35 mil milhões de euros. O acréscimo de rendimento  com o multiplicador a 1,2, é pois de 42 mil milhões. O aumento do rendimento neste período devido exclusivamente à  inflação é  dado pelo rendimento do período 2 vezes a taxa de 2,5%, ou seja, é de 5,3 mil milhões, conforme se assinala no cruzamento da linha Mais alta inflação +melhor ambiente económico, a coluna 4. O rendimento nominal global é então o do período 2 a que se acresce a inflação do período 3 e o efeito da emissão de títulos deste mesmo período. O rendimento no final do período 3 é então  213,4+5,3+18= 236,7. Os rendimentos do sector público são neste caso 236,7x 0,44= 104,2. Mas repare-se, os detentores de CCIs emitidos no ano 1 podem  dois anos depois solicitar a sua liquidação, o que acontece neste caso. Os detentores de CCIs emitidos no ano 1 pedem a sua liquidação. O Estado recebe de receitas 104,2, paga 10 mil milhões e fica com a receita líquida de 94,2 mil milhões, conforme mostra a tabela.   No ano 3 da nossa simulação,  a despesa mantém-se constante, por hipótese, em 73,8 e o excedente primário passa a ser de 94,2 – 73,8 = 20,4 mil milhões de euro conforme se diz na penúltima linha da tabela.   Os excedentes acumulados são então: 12,7 ( 5,4+7,3) no ano  1, são de 32,8 em 2, ( 12,7+20,1) são 53,1 em 3 (32,8+20,4) e assim sucessivamente.

Ano 4

Vejamos ainda o que se passa no ano 4. Neste ano há uma nova emissão de títulos no valor de 50  mil milhões, o que fará com que o PIB aumente de 50×1,2 mil milhões= 60 mil milhões. O PIB global em termos nominais é igual ao valor do PIB anterior, 236,7  a que se adiciona o acréscimo do PIB devido à nova emissão de títulos (18  mil milhões)  e a variação do PIB em termos nominais devido à inflação no período 4 de 2,5%. A variação nominal  por efeito exclusivo da variação de preços é então de 0,025 x 236,7= 5,92  e a variação do PIB relativamente ao período ano transacto é então de 5,92+60.0= 65.92. Porém, relativamente ao ano zero o acréscimo é então, a soma dos valores puramente nominais ( 4,5+4,9+5,3+5,9= 20,6) mais os 60 mil milhões devidos à emissão de CCIs. No caso presente,  o PIB no ano 4 é de  260,7  conforme se diz na linha da evolução do PIB, aumentando portanto relativamente ao ano 0 (20,6+60 =80,6). As receitas brutas do sector público são então 0,44×260,7= 114,7 mil milhões. Destas receitas 20 mil milhões são neutralizados pela liquidação de 20 mil milhões de euros em CCIs e ficam como receita líquida, 94,6 mil milhões. A despesa pública permanece constante, por hipótese e, portanto o excedente primário é então  de 104,7 – 73,8 = 20.9 mil milhões.

Ano 5

São de novo emitidos 50 mil milhões de CCIs.  O rendimento no ano 5 vai subir relativamente ao do ano 4 pelo efeito da inflação (0,025 vezes o PIB do período 4 que foi de 260,7). A subida do PIB nominal no ano 5 por efeito exclusivo dos preços é de  0,025%x260,3 mil milhões=  6,5 mil milhões. A estes adicione-se a variação do PIB imputável à nova emissão de CCIs, ou seja, acresça-se 50×1,2=60 mil milhões. A diferença do PIB relativamente ao ano zero é então dada pelas s variações anuais devidas à inflação ( 4,5+4,9+5,3+5,9+6,5 = 27,1 mil milhões) a que se adicionam os efeitos directos da emissão de 50 mil milhões de CCIs, que são de 60 milhões. Temos uma diferença total de 87,1 mil milhões e o rendimento desse período 5 é então 180  mil milhões do período zero mais o valor agora encontrado de 87,1 mil milhões  e o  valor do PIB no ano 5 atinge pois 180+87,1=  267,1 mil milhões. A despesa pública mantém-se constante em 73,8 e as receitas brutas do Estado são agora 0,44×267,1= 117.524 mil milhões. Porem no quinto ano são amortizados os 35 mil milhões de CCIs emitidos no ano 3. A receita bruta é então 117,524 mil milhões – 35 mil milhões, ou seja, 82, 6. Dado este valor como  receitas líquidas do Estado  e uma vez que as despesas públicas são de 73,8 mil milhões o saldo primário verificado no ano 5 é então de 8,8 mil milhões. Os excedentes primários criados até ao ano 5 são então 5,4+12,7+20,1+20,4+20,9+8,8= 82,8.

Ano 6

No ano 6 mantém-se a injecção de CCIs no valor de 50 mil milhões, gerando um rendimento adicional de 60 mil milhões. Neste ano o acréscimo em termos nominais do valor do PIB do ano anterior é então de 0,025x 267,2 mil milhões, ou seja, 6,7 mil milhões. A diferença do  valor do PIB do ano 6 relativamente  ao ano zero  em termos nominais é então a soma das variações nominais ( 4,5+4,9+5.3+5,9+6,5+6,7= 33,8) mais 60 mil milhões gerados pela emissão de CCIs , obtendo-se um total  de 93,8 e portanto o rendimento no ano 6 é então 180+93,8= 273,8.  As receitas públicas  brutas são então  de 0,44×273,8 = 120,5. Como são agora pagos 50 mil milhões de CCIs  emitidos dois anos antes, as receitas líquidas do Estado grego são então de 70,5 mil milhões. Como as despesas públicas são de 73,8 há aqui um défice primário de 3,3 mil milhões, reduzindo-se por essa via os   excedentes primários para 79,5 mil milhões. O importante a assinalar é que a partir do ano 6 a soma dos CCIs pendentes permanece constante uma vez que são emitidos 50 mil milhões e anulado um igual montante.

Continuando este processo até ao nono ano verificamos que o excedente primário acumulado é 88 mil milhões que poderiam ser abatidos à divida pública grega, colocando-a em patamares médios europeus e tudo isto sem violar os Tratados. Não há emissão de dívida pública, como se ilustra. Bastou apenas saber como funciona a economia para percebermos que estamos com a política imposta por Schauble na mais pura das barbáries, a repor-nos para lá do século VI antes de Cristo. Um pouco de humanidade e de compreensão de economia, fala-nos de forma bem branda, o prémio Nobel Joseph Stiglitz.

Ao leitor menos atento diremos que isto não é nada diferente do que faz o BCE com a sua quantitative easing em que o BCE retira do mercado milhares de milhões de títulos da dívida pública dos países da zona euro e os guarda, ou como dizia Edward Hugh, os armazena o tempo que quiser, a custo zero para o país que é assim protegido. Por esta via, diminui, com tudo o resto constante, a necessidade de se estar a forçar  o acelerador da austeridade. Veja-se um caso limite: um banco tem na sua carteira de títulos 100 milhões de euros em títulos. Pela quantitative easing pode vendê-los ao Banco Central. Na sua maturidade o Estado não precisa de se esforçar em mais austeridade, em mais impostos para a liquidação desta dívida, agora guardada nos cofres do Banco Central e por mais anos que os nossos CCIs, que eram guardados apenas dois anos. Onde estão outras  diferenças? Uma delas consiste  num ponto  que é central. A quantitative easing impede que se baixe a liquidez, com tudo o resto constante, não aumentando por aí o poder de compra disponível, uma vez que sem mais nada, não se sai da esfera financeira. Os CCI sendo distribuídos pelas pessoas singularmente e pelas empresas aumentam de imediato o poder de compra, dinamizando a economia, podendo inclusive dinamizar o próprio comércio externo. Ora com a crise a manter-se, o melhor que a quantitative easing poderá fazer é manter o status quo, uma situação infernal que assim perduraria, uma vez que a degradação aumentaria e a quantitative easing  mesmo a aumentar, estaria condenada apenas a neutralizar a degradação! Uma segunda diferença é que com a quantitative easing o Banco privado liberta-se de títulos e fica com liquidez que não sabe o que lhe há-de fazer, porque em austeridade não há dinamização da procura, seja de bens de consumo seja de bens de investimento, não há pois grande recurso adicional ao crédito e nem há genericamente expansão dos mercados externos pois estão todos a fazer o mesmo, a contrair a procura. . E, a partir  daqui,  ou  empresta esse dinheiro a investidores privilegiados ou se assume ele próprio como investidor privilegiado e esse dinheiro vai então  comprar os bens públicos que entretanto vão sendo colocados em saldo. Tão em saldo que são  privatizados não para abater na dívida presente, mas para evitar  dívidas futuras, dizia um secretário de Estado muito recentemente. E entretanto, o país vai ficando sem nada!

Porém, mesmo deste mecanismo a Grécia está excluída, ou seja, numa Europa de Estados-membros, nesta União monetária, não são todos iguais, em nada. Deste mecanismo de armazenagem de títulos da dívida pública,  os senhores psicopatas europeus, com Schauble à frente, proíbem o BCE de o utilizar para aliviar  a pressão adicional sobre a economia grega, porque para eles a Grécia é o pharmako da antiguidade na Grécia, grosso modo, ela é o bode expiatório da crise, é o alvo a ser abatido no quadro de um pensamento selvagem, mágico e religioso. Dizemos de  mágico porque condenando a Grécia, destruindo na sua dignidade como país, expulsam o mal que envenena a europa e salvam a religião deles, dizemos de pensamento religioso , porque há um respeito absoluto ao seu Deus, os Mercados, ou melhor à visão que têm destes.  E com este pensamento mágico-religioso é a própria Europa que exangue se está a transfigurar. Fazendo minhas as palavras de (…) diríamos:

A Europa está assombrada por aquilo de que nos fala  Kundera “o desaparecimento da base cultural centro-europeu terá sido seguramente um dos mais importantes  acontecimentos do século para toda a civilização ocidental” e esta outra frase  tirada do livro A  Insustentável ligeireza de ser: “como é possível que uma tal tragédia tenha permanecido tão desapercebida e sem nome ”. Uma outra citação ainda mais triste, a de Jankélévitch que fala da França: “a França, miraculosamente salva, não renegou o regime que tinha feito do seu consentimento à sua derrota, da alegria da sua derrota, da organização e da exploração política da derrota, do ardor em utilizar esta derrota para liquidar a República, a sua razão de ser e o seu principal título de glória. A nossa primavera ainda não chegou.

(…)

A Europa morreu uma primeira vez durante a sangrenta chacina de 14-18. Os grandes escritores vienenses compreenderam então, sem dúvida porque eram judeus,  que este luto anunciava outros bem mais aterradores.

A Europa morreu uma segunda vez quando Adolf Hitler quis fazer  uma Europa do Atlântico a Auschwitz.

E a Europa está a morrer uma terceira vez sem que ninguém o queira ver, a ser morta pelos novos Neros, pelos novos Hitler, na base não dos incêndios como em Roma, não das bombas como com Hitler, na base da ditadura dos actuais Tratados europeus e do que mais aí virá, com a aplicações das ideias de Macron e de Sigmar ­Gabriel (SPD) ! .  Diz-nos   Macron:

” É necessário aceitar a ideia de que a Europa  se faça  a  duas velocidades, que haja uma união solidária e diferenciada. Há uma história a 28 [a União] e uma história à 19 [a zona euro]”, explica. E acrescenta: “A Europa a 28 deve ser mais simples, mais clara, mais eficaz e continuar a avançar sobre o digital e a energia. A vanguarda da zona euro deve, ela, avançar com mais  solidariedade e integração: com um orçamento comum, uma capacidade de endividamento comum e uma convergência fiscal (o bold é nosso). (…)

“(…) está instalada a ideia de que a Europa é um objecto morto e tecnocrático. A nossa responsabilidade é de reencontrar o sentido do sonho europeu e uma ideia positiva da Europa”.

Mas há também uma bela visão da Democracia:

“Este tipo de projecto necessita uma mudança dos tratados, sempre arriscada. O importante, é o projecto. A mudança de tratado é uma modalidade que disto decorre e que é necessário preparar com o tempo necessário. Se pusermos a questão  hoje aos cidadãos, a resposta será: não querem. É necessário  primeiro reconciliar os europeus com a Europa”.

Mas a lei Macron sobre o mercado de trabalho, as leis Hartz francesas ou o Jobs Act italiano do seu colega Matteo Renzi, mostra-nos claramente o que nos espera nesta outra Europa que estes senhores querem criar, se consentirmos que a recriem. Parafraseando George Friedman,  temos de realmente reconhecer que a ideia de Europa que perspectivámos com a criação da União Europeia não vai voltar a existir,  deixa de pertencer ao futuro, morreu com este presente, e não serão os seus assassinos que a irão reconstruir. A partir dos escombros que são a marca do que fizeram e que ilustramos abaixo:

Parafraseando o editor do livro ”Que cherchent-ils au Ciel, tous ces aveugles ?” de  Daniella Pinkstein :

O que é que nos resta  de um destino quando este se recusa a aceitar o teatro ilusório  do mundo? Somos,  cada um de nós, uma pequena parte de humanidade, uma parte deste jogo terrestre que nos escapa e que corre adiante de nós. Nenhuma saída possível.  Porque nunca o colectivo  foi assim tão brutal. O  livro “«Que cherchent-ils au Ciel, tous ces aveugles?»   Que procuram ao Céu, todos os cegos? ”, estas mulheres sem ilusões, estes homens errantes, estas almas que a providência precipitou em  contra-senso. Às vezes confidentes, outras vezes narradores, prosseguem este espectro vagabundo, o de uma Europa fantasmagórica, de  uma Europa desaparecida, esmagada entre o socialismo real do Leste e a vacuidade do mundo  a Ocidente,  uma Europa tão procurada e que agora é tão desesperante. E a cada passo, a cada dia, estes homens e estas mulheres resistem  a esta brutal e  terrível  época que é a nossa, afastando o seu próprio destino, como o de todo um continente, da fatalidade para a qual se caminha.

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Ver original em:

http://www.voxeu.org/article/parallel-currency-greece-part-ii

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