Instituições e Políticas – por Domenico Mario Nuti

Falareconomia1

Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

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Nota introdutória ao texto de Domenico Mario Nuti Instituições e Políticas

Este documento de Nuti foi por mim enviado aos meus antigos colegas de Faculdade com o seguinte texto:

Meus Caros Colegas

Um texto de Domenico Mario Nuti que será apresentado hoje, 26 de Junho, na Universidade Roma 3, no âmbito de uma mesa redonda sob o tema “If Institutions are so important, why do we talk so much about economic policies?” .

Um texto que a mim, me fez lembrar os meus tempos de estudante, os tempos em que se estudava o “jovem“ socialista holandês Tinbergen, um texto que nos fala do que estudámos, do que não estudámos, do que aprendemos, bem ou mal aqui pouco importa, e também do que não aprendemos enquanto universitários. Mas um texto que se confronta também com o que se (des) ensina hoje, sobretudo depois de Bolonha, sobre as matérias apontadas na sua intervenção e sobretudo quando nos diz:

“A Grande Recessão que começou em 2007 e ainda está a decorrer é simultânea com uma crise geral da política económica pública. Nós devemos repensar e reencontrar a teoria e a prática da política económica, restaurando quer os instrumentos quantitativos tradicionais quer alargando a escala de instrumentos qualitativos elegíveis, dentro das limitações da globalização ou eliminando algumas destas limitações; nós precisamos de mais e de instrumentos diferentes da política económica, quantitativos e qualitativos, isto é, precisamos de uma escala muito mais larga de políticas e de instituições. Caso contrário, permaneceremos vítimas passivas de processos globais, caóticos e caros, ajudados e induzidos pelas regras que são não-democratas e, finalmente, destruidoras”.

Com o desmantelamento do ensino sobre a Res Pública em sentido lato , operado desde há décadas, há também uma quota parte de responsabilidade das Universidades no que se tem estado a passar ou, pelo menos, na situação de incapacidade de se perspectivarem colectivamente as razões da crise e, consequentemente, na incapacidade de perspectivarem as respectivas saídas. Delicadamente diz-nos Nuti, somos “vítimas passivas de processos globais, caóticos e caros, ajudados e induzidos pelas regras que são não-democratas e, finalmente, destruidoras.”

Talvez apenas isso, mesmo que o apenas tenha aqui uma enorme dimensão.

Como a minha tradução pode não ser a melhor, foi no entanto a possível, aqui vos deixo o link para o texto em inglês:

http://dmarionuti.blogspot.it/2015/06/institutions-and-policies_37.html

Votos de boa leitura e o meu pedido de desculpas pela liberdade tomada.

Saudações académicas.

Júlio Marques Mota

 

Instituições e Políticas

“If Institutions are so important, why do we talk so much about economic policies?” é a questão central numa mesa redonda que se irá realizar em Roma, na Universidade de Roma 3, nos próximos dias 25 e 27 de Junho. Sobre este tema a posição de Domenico Mario Nuti.

Nas economias capitalistas modernas o Estado – isto é o conjunto do governo, outras instituições políticas e a Administração Pública – tem à sua disposição uma vasta gama de instrumentos da política económica. Um livro de texto clássico, de Ian Tinbergen, Economic policy: Principles and Design. Amsterdam, 1956, 1978, [considerado historicamente uma referência], distingue entre instrumentos qualitativos e quantitativos da política.

Os instrumentos qualitativos consistem na criação e na manipulação das instituições económicas: da legislação sobre falências à governança corporativa (corporate governance), da política de concorrência à política de saúde, da protecção ao emprego às leis anticorrupção. Incluem os estabilizadores automáticos (que na verdade são apenas amortecedores de flutuações económicas).

Os instrumentos quantitativos são classificados por Tinbergen em quatro categorias:

1) Controlos directos da actividade económica

2) Política fiscal: o nível, a composição e a estrutura da tributação directa e indirecta do governo e outros rendimentos e despesas (que incluem subsídios);

3) Política monetária: a quantidade de moeda, o nível das taxas de juro e a estrutura que lhe está associada, a política de crédito, o regime da taxa de câmbio e tendências; com a gestão da dívida pública que necessariamente liga a política monetária e a fiscal;

4) As políticas de preços e de investimentos (totalmente ou em parte) das empresas de propriedade estatal.

Para Tinbergen a estrutura da economia podia ser sintetizada num modelo macroeconómico que determina e quantifica as relações entre as grandezas económicas, tais como o consumo, investimento, emprego, balança comercial, nível dos preços, a taxa de inflação e assim por diante – simultaneamente com os valores atribuídos pelo governo aos instrumentos quantitativos da política. Através da escolha de instrumentos apropriados, o governo poderia determinar valores coerentes, consistentes e praticáveis, de objectivos de política, ao mesmo tempo que aceita os valores correspondentes das variáveis “indiferentes”. Tinbergen foi um pioneiro neste tipo de abordagem na elaboração e na utilização de modelos na política económica.

Nota: Os objectivos da política económica são etiquetados frequentemente como “prioridades”, o que é incorrecto, porque não podem ser classificados em termos absolutos mas somente em modo relativo, face a compromissos entre os objectivos preferidos pelo governo.

Durante aproximadamente trinta anos, após o fim da Segunda Guerra Mundial, esta estrutura pode ser utilizada para caracterizar as políticas públicas nos países avançados. Devido às políticas keynesianas que apoiam a dinamização da procura, do emprego e o crescimento, nós usufruímos duma época dourada de prosperidade sem precedentes: políticas de reconstrução, industrialização e de crescimento, acompanhadas das políticas da redistribução para proteger os estratos mais fracos da população: os desempregados, os velhos, os doentes, os pobres e as crianças. Essa abordagem da política económica foi mais ou menos bem sucedida – para se falar de modo moderado – mantendo sobre controlo a inflação e/ou a dívida pública.

Os anos 80 e os anos 90, contudo, viram a perda total de importância do Keynesianismo e a vitória de neo ou do hyper-liberalismo, perda esta exemplificada pelas políticas económicas de Reagan e Tatcher, ditas Reganomics e Thatchernomics.

1) Margaret Thatcher foi eleita como primeira-ministra conservadora do Reino Unido desde 1979-1990, e Ronald Reagan foi eleito como presidente republicano dos EUA (e foi anteriormente influente como governador da Califórnia). Esta tendência foi alargada e reforçada por ;

2) a extensão do modelo neo/hyper-liberal aos países da transição da era pós-socialismo, no começo dos 90, encorajados pelos conselheiros estrangeiros, pela UE e pelas organizações internacionais (Banco Mundial, IMF, OCDE. etc.)

3) a adopção passiva, meio-programada de neo/liberalismo por diversos governos social-democratas nos anos 90, tais como a Terceira Via de Tony Blair, Bill Clinton e a maioria de governos da União Europeia.

A “Reaganomics” foi caracterizada pela economia do lado da oferta (supply-side economics), pelas reduções de imposto com as quais se esperava promover o crescimento económico, pelas políticas monetárias restritivas para controlar a inflação, pela desregulação económica, pela redução de despesas públicas, pela política contra os sindicatos, pela hostilidade e pelo re-armamento contra os países comunistas (o império do mal ), pelo apoio aos movimentos anticomunistas (a invasão de Granada). Embora Reagan tenha negociado com Gorbachev o primeiro Tratado para a redução de armas nucleares INF Intermediate-range Nuclear Forces Treaty, 1987.

Outras características da abordagem neo/híper-liberal, alargadas ao mundo pós-socialismo incluem:

– Abertura unilateral imediata do comércio externo, revogada frequentemente e consequentemente prematura;

– Liberalização excepcionalmente rápida dos fluxos de capitais, em contraste com a experiência de outras economias europeias depois da Segunda Guerra Mundial;

– Privatização em grande escala, especialmente, (excepto em Hungria) uma privatização massiva e sem precedentes através da distribuição à população de titulos de propriedade a custo zero ou a preços apenas fixados simbolicamente, convertíveis em activos do Estado ou em participações nas empresas do Estado- uma experiência macroscópica da engenharia social de eficácia discutível;

– A demolição do papel do Estado, conduzindo a atrasos ou a diferenças nas regulações de mercado, especialmente nos mercados financeiros (veja-se a difusão de pirâmides nas estruturas bancárias), na protecção dos accionistas e na governança corporativa;

– O desmantelamento do Estado Providência, outrora apoiado em grandes empresas públicas

– Uma custosa reforma do sistema de pensões passando de um sistema Pay As You Go, um sistema de benefícios definidos, um sistema de distribuição (através do qual os pensionistas de hoje são financiados pelas contribuições dos empregados actuais), para um sistema de capitalização, sistema de contribuições definidas, ou ainda, um sistema financiado (com as pensões a serem pagas com os rendimentos ganhos com as contribuições passadas acumuladas);

– Uma baixa e uniforme taxa de tributação directa (imposto a taxa única), consequentemente, no melhor dos casos a ser suavemente progressiva, sobre as famílias e sobre as empresas, na maior parte sem tributação sobre as mais-valias mas com uma tributação indirecta mais alta;

– Ausência de consultas e de concertação entre parceiros sociais e com o governo;

– Um mercado de trabalho muito flexível, com sindicatos fracos e uma baixa incidência da negociação colectiva; o princípio de soberania do mercado não foi aplicado ao mercado de trabalho, frequentemente sujeito ao alargamento dos tectos salariais e muitas vezes garantidos através de impostos penalizantes.

– Um banco central não somente independente mas excepcionalmente independente e livre de qualquer controlo, sem coordenação com a política orçamental, aplicando uma política restrita de contenção da inflação e de taxas de juro altas, com a obtenção de taxas reais positivas mesmo na presença da apreciação de moeda (consequentemente atraindo o capital estrangeiro mas tornando a esterilização monetária muito cara);

– Geralmente, é dado um peso dominante aos mercados em comparação com outras instituições.

A Terceira Via era caracterizada por:

– a aceitação da primazia e do desejo dos mercados, internos e globais;

– Rejeição da propriedade e da empresa pública, apoio à actividade empresarial privada e privatização continuada; e, sobretudo,

– Disponibilidade, isto é disciplina orçamental e política monetária rígida, rejeitando a inflação assim como o défice e o endividamento público.

De várias formas, a Terceira Via foi demasiado longe, ao negligenciar a desigualdade crescente envolvida na afectação dos mercados e os perigos das desregulação (duas causas principais da crise de 2007), privatizando numa vasta escala (mais activos por ano em França sob Lionel Jospin, no espaço de 2 anos, 1997-98, do que as privatizações feitas por Thatcher), e endossando as ruinosas políticas da austeridade orçamental da UE, para não falar já do belicismo e de uma total negligência das liberdades civis.

Por outras palavras, a Terceira Via não foi suficientemente longe, em continuar a levar a cabo a redução da semana de trabalho para um salário inalterado, resistindo ao aumento na idade de passagem à reforma face ao aumento da longevidade, ou não promovendo a protecção e a regeneração ambiental. E todo o projecto teve um enviesamento de autoritarismo.

Tais excessos e défices da Terceira Via estão na raiz da subsequente crise actual da esquerda, especialmente na Europa.

Hoje, os instrumentos quantitativos tradicionais da política económica discutidos por Tinbergen em 1956 e de 1978 foram desactivados:

– Os controlos directos têm aberto completamente a via aos processos determinados pelos mercados;

– A política monetária foi relegada pelos governos aos banqueiros centrais independentes e completamente desligada da política orçamental ; as taxas de câmbio foram deixadas na sua maior parte a flutuar, enquanto a adesão à zona euro levou à eliminação desse instrumento completamente para os Estados-membros ;

– A política orçamental foi forçada pela camisa de forças que representa o orçamento equilibrado sobre todo o ciclo, sem dúvida, um excedente orçamental “em tempo normal” (chanceler britânico George Osborne, em 10 de Junho de 2015; “Não há nenhuma razão económica para o plano de excedentes de Osborne. É tempo do Partido Trabalhista deixar de andar a jogar às convergências… Osborne está a utilizar o orçamento como uma desculpa para reduzir a dimensão do Estado. O Partido Trabalhista não deve seguir esta direcção”, escreve Simon Wren-Lewis, NewStatesman, a 18 de junho de 2015); com penas pesadas e dispositivos automáticos custosos para rapidamente reduzir a dívida (o Compact fiscal );

– As empresas públicas foram privatizadas ou são programadas para uma maior redução sob a pressão da UE e das instituições internacionais.

Os instrumentos qualitativos, por outro lado, estão restringidos hoje à adopção feita pelas instituições neo/hyper-liberais, sob a etiqueta eufemística de “ reformas económicas”.

Uma reforma deve ser, por definição, uma mudança para melhor, mas não há nenhum consenso sobre as reformas desejáveis: pessoalmente posso considerar a redistribuição de rendimento às classes mais desfavorecidas como uma reforma desejável, outros podem considerar o fim desta re-distribuição como desejável. Nas economias tipo sovietes do período pós-Staline – como o sublinhou recentemente Yanis Varoufakis – havia um frequente discurso sobre a “reforma” para indicar projectos de descentralização económica/política. Hoje, pelo contrário, as reformas são um projecto autoritário para desmantelar o Estado Providência, para reduzir pensões, para eliminar a negociação colectiva do trabalho e para desmantelar a protecção do emprego e para privatizar activos do Estado a qualquer preço e independentemente dos custos de oportunidade.

As autoridades da UE e os documentos do FMI reconhecem que quer a austeridade quer a maioria destas reformas “estruturais” são, no melhor dos casos, ineficientes (particular a liberalização do mercado de trabalho, ao contrário da liberalização do mercado dos produtos especialmente no que se refere a serviços) ou, no pior dos casos, positivamente contraproducentes (veja-se Amartya Sen, The economic consequences of austerity, New Statesman, 4 de Junho de 2015), mas os altos funcionários não-eleitos persistem perversamente em forçar a sua aplicação como uma condição do seu apoio institucional. E se e quando as “reformas” podem ser eficazes elas funcionam somente a médio ou a longo prazo, frequentemente com efeitos a curto prazo adversos, o que as transforma em investimentos que não são necessariamente atractivos. Amartya Sem compara a combinação diabólica e inútil da austeridade com as reformas a uma mistura do veneno e de antibióticos para ratos que é dada a uma pessoa doente.

A Grande Recessão que começou em 2007 e ainda está a decorrer é simultânea com uma crise geral da política económica pública. Nós devemos repensar e reencontrar a teoria e a prática da política económica, restaurando quer os instrumentos quantitativos tradicionais quer alargando a escala de instrumentos qualitativos elegíveis, dentro das limitações da globalização ou eliminando algumas destas limitações; nós precisamos de mais e de instrumentos diferentes da política económica, quantitativos e qualitativos, isto é, precisamos de uma escala muito mais larga de políticas e de instituições. Caso contrário, permaneceremos vítimas passivas de processos globais, caóticos e caros, ajudados e induzidos pelas regras que são não-democratas e, finalmente, destruidoras.

Domenico Mário Nuti

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