Selecção e tradução de Júlio Marques Mota
Inquietantes paralelismos serão presságio de uma nova crise?
Satyajit Das, Do eerie parallels presage new crisis?
Finantial Times, 23 de Fevereiro de 2015
A queda dos preços do petróleo, a subida da cotação do dólar e o medo de que a taxa de juro nos Estados Unidos suba estiveram presentes em 1997/8.
Mark Twain terá afirmado, que a história não se repete mas rima. Num paralelo inquietante com 1997-98, com a queda das cotações sobre as commodities — especialmente de petróleo – um aumento do dólar e possíveis aumentos nas taxas de juros dos EUA podem pressagiar uma nova crise financeira.
Fraco crescimento, níveis elevados da dívida, a desinflação ou deflação, a política orientada para destrutivas desvalorizações competitivas, a tomada de riscos financeiros a disparar e uma muito errada avaliação de um largo composto de problemas é a realidade de hoje. A crise iminente pode pois desenvolver-se como segue.
Em primeiro lugar, os preços das acções dos EUA estão sob a pressão de um dólar mais forte. Dado que 40 por cento das vendas do índice S & P 500 são internacionais, os exportadores americanos assim como os ganhos obtidos no estrangeiro são afectados.
A baixa dos preços do petróleo reduz os lucros, os fluxos de caixa e os valores de activos de produtores de energia, das empresas de serviços para a indústria petrolífera e dos fornecedores de equipamentos. Os resultados financeiros e as pressões da liquidez fazem decrescer a actividade de fusão e de recompras de acções removendo assim um importante elemento na partilha de valores.
Em segundo lugar, os mercados de dívida tornam a estar sobre pressão, tanto quanto as empresas de energia estão altamente endividados e os tomadores de fundos dos mercados emergentes se tornam financeiramente saturados e perturbados. Os investidores e os bancos têm significativa exposição ao petróleo e ao gás. O sector de energia está representado em cerca de 15 por cento do Barclays US Corporate High-Yield Bond Index — era menos que 5 por cento em 2005.
Os empréstimos da indústria do gás do xisto são três vezes maiores que os lucros de exploração brutos. Mesmo com preços altos, muitas empresas tinham fluxos de caixa negativos, precisando de levantar constantemente capital para abrir novos poços e manter a produção.
A diminuição da disponibilidade de financiamento e os custos mais elevados criam uma espiral tóxica de redução do endividamento, da produção, dos fluxos de caixa e dos lucros. A Petrobras do Brasil, a Pemex do México e Gazprom da Rússia, grandes emissores de dívida dos mercados emergentes, também são vulneráveis.
Em terceiro lugar, as fraquezas do mercado emergente estão em franca aceleração. As receitas mais baixas sobre as commodities afectam os produtores. A desaceleração do crescimento, aumentando os níveis de dívida e os problemas estruturais, pesa fortemente numa re-avaliação dos mercados emergentes em geral.
Talvez 75 por cento da dívida externa dos mercados emergentes seja expressa em dólares americanos. A queda das receitas de petróleo e das commodities reduz o fluxo de caixa disponível para o pagamento do serviço desta dívida, criando um desequilíbrio de divisas.
Um dólar mais forte combinado com os resultados das taxas de juro dos EUA mais altas resulta em perdas sobre os empréstimos em dólares não cobertos das nações emergentes. A fraqueza da moeda local força os detentores estrangeiros de dívida do mercado emergente interno a desinvestir, provocando custos de créditos e saídas mais elevadas de capitais.
Em quarto lugar, começam a aparecer problemas de liquidez. Injecções adicionais vindas da Europa, Japão e China não podem compensar adequadamente a menor disponibilidade do dólar americano com o fim do programa de flexibilização quantitativa do Federal Reserve.
A baixa do preço do petróleo reduz os excedentes disponíveis em petrodólares que ajudam a financiar os défices do orçamento e das balanças comerciais, mantém as taxas de juros baixas e apoia a manter os preços dos activos em todo o mundo. As vendas de investimentos estrangeiros, ditadas por necessidades de dinheiro líquido, afecta os preços dos activos e as taxas de juros globalmente.
Finalmente, uma combinação de baixo crescimento, de baixa inflação e as considerações políticas desestabilizam os mercados da dívida pública, especialmente na Europa. O risco de erros na política a seguir — aumento prematuro das taxas, redução inoportunamente da liquidez, intervenção sobre os câmbios, a construção de barreiras ao comércio — está a aumentar . A incerteza em torno das sanções ocidentais sobre a Rússia e o Irão e os vários conflitos são complicações adicionais.
Uma ligação em cadeia desses eventos exerce enormes pressões sobre o preço dos activos. Alavancagem e elevadíssima afluência de participantes, especialmente na dívida de alto rendimento e nas arbitragens juros-divisas, amplificam o efeito. A redução de liquidez para as transacções exacerba a volatilidade dos preços. Numa estrutura já familiar, as falências, os incumprimentos, os problemas bancários e a redução na disponibilidade de crédito conduz ao contágio e a uma redução do ritmo do crescimento económico.
A economia dos EUA — uma das economias relevantes a nível mundial de melhor comportamento actualmente em termos de crescimento — está fortemente exposta. O sector da energia é responsável por aproximadamente 25 por cento das despesas em capital e em R&D do S & P 500 .
Custos mais baixos do petróleo não irão compensar a lentidão no investimento, no emprego e no consumo. A nascente tendência de relocalização, resultante de um dólar mais barato e da vantagem de custos mais baixos da energia dos Estados Unidos, irá perdendo o impacto.
Os mercados assumem que as autoridades vão ajudar a defender o preço dos activos. Mas o enfraquecimento das finanças públicas e as opções políticas já exaustas pela luta contra a última crise, tudo isto limita a capacidade dos governos para responder a uma nova crise.
E mais do que nunca, existe uma arrogância desmedida, o que um humorista notável como PJ O’Rourke considerou ser um dos grandes recursos sempre renováveis.
Satyajit Das is a former banker and author of Extreme Money
Ver o original em:
http://www.ft.com/intl/cms/s/0/39f09e54-a0b1-11e4-9aee-00144feab7de.html#axzz3gvwX8cI8