Selecção e tradução de Júlio Marques Mota
Pode-se esconder a bomba atómica grega?
Jean Claude Werrebrouck, Peut-on enfouir la bombe atomique grecque?
La crise des années 2010, 21 de Julho de 2015
Não havia consenso nos artilheiros reunidos em redor da bomba atómica grega [1] na noite do passado dia 12 de Julho. Alguns pensavam poder fazê-la explodir sem irradiações (vassalos empresários políticos da Europa do norte que não ousaram contrariar o suserano alemão) enquanto outros desejavam simplesmente desactivá-la (certos vassalos do Sul, ou mesmo uns senhoritos mais afastados como o FMI e o BCE).
O resultado não foi nem uma coisa nem outra, e a decisão foi a de a enterrar, de a esconder, ganhando assim, e uma vez mais, um pouco mais de tempo.
Demasiado pouco tempo, sem estar a contar o que é necessário gastar a enterrá-la a grande profundidade, de modo a permitir portanto uma explosão sem barulho e sem perigo. Porque extremamente pressionados pelos mercados políticos de uns e de outros, o enterro está muito incompleto, daí um risco de explosão com fortes irradiações
Falemos do PIB grego: este irá diminuir ainda muito mais.
Era de 242 mil milhões de euros em 2008 para descer brutalmente depois e atingir os 179 mil milhões em 2014: 26% de redução e 63 mil milhões de euros partidos em fumo. E é necessário sublinhar que o instrumento de produção de 2015 (o aparelho produtivo) é muito menos eficaz que o de 2008 porque, no mesmo tempo, a FBCF passou de 23,7% para 11,6% do PIB, número este que significa que os investimentos adicionais são provavelmente inferiores às necessidades para as amortizações. Daí um crescimento potencial provavelmente vizinho de zero …
Esta situação é única na zona euro: os outros países do Sul estão longe de uma tão grande redução tanto na sua produção real e até mesmo na potencial . Assim a Espanha, sempre para os mesmos períodos, perdeu apenas 42 mil milhões de PIB [2] e a sua FBCF passou apenas de 22,2% de PIB para 18,9%. Portugal perdeu 5 mil milhões de euros de PIB [3] com uma verdadeiramente grande quebra na sua FBCF: 22,8% de PIB em 2008 e apenas 14,6% de PIB em 2014
Ao mesmo tempo este esgotamento da Grécia correspondia a um esforço gigantesco na gestão das finanças públicas. Assim as despesas públicas atingiam 133 mil milhões em 2008 e foram reduzidas fortemente de forma que eram apenas de 87 mil milhões em 2013, ou seja uma queda de 46 mil milhões ….. No mesmo período de tempo, as despesas públicas em Portugal não diminuíram e as da Espanha aumentaram cerca de 5 mil milhões.
Daí uma interrogação uma vez que se trata de reformas estruturais que se consideram bem conduzidas na Espanha e em Portugal e que não teriam sido praticadas na Grécia. Este primeiro exame dos números levar-nos-ia antes a sugerir o contrário….
A este argumento, o suserano alemão e os seus vassalos podem responder que as reformas não foram as boas, que era necessário atacar-se às rendas das profissões liberais, dos armadores, do clero, dos militares, etc. Argumento discutível porque foram aplicadas reformas: luta contra a fraude fiscal, controle por registo bancário da folha das remunerações para lutar contra a economia subterrânea… mas é verdade, trata-se de combates incertos devido à dificuldade em fazer nascer um autêntico Estado de direito que se substituísse ao clientelismo de sempre.
A priori, o poder grego é obrigado, desta vez, a somar as rendas. … mas num contexto onde as despesas públicas de novo serão reduzidas e, de maneira quase automática, assim como se prevê no acordo de 13 de Julho.
O que se pode esperar desta nova redução e de um excedente orçamental primário que deveria passar aos 3,5% do PIB?
A experiência de 2008-2014 mostrou que as cobranças fiscais, apesar do aumento das taxas, baixaram de 11,5 mil milhões. Tendo em conta a baixa das despesas públicas (46 mil milhões), o efeito recessivo do Estado foi: 46 -11= 35 mil milhões. Este montante deve comparar-se à queda do PIB (63 mil milhões) e dá uma apreciação do multiplicador orçamental grego: 63/35= 1,8.
Se, por conseguinte, for exigido, no âmbito do acordo do 13 de Julho, uma nova baixa de 13 mil milhões de despesas públicas, sabendo que o aumento dos rendimentos fiscais permanecerá mesmo longamente problemático devido à natureza do Estado Grego, pode-se considerar em cerca de 25 mil milhões a nova diminuição do PIB. Quer isto, portanto, dizer que o PIB passaria de 242 mil milhões (2008) a 155 mil milhões em 2018 ….. ou seja, uma queda de 36% do PIB em 10 anos. Nunca se viu uma tal coisa pelo menos em tempos de paz…
Admitindo que os excedentes orçamentais exigidos permitem reduzir a massa de dívida de 3 mil milhões em 2015 seguidamente de 6 mil milhões em 2016, seguidamente de 12 em 2017, tudo isto levaria a dívida global a 296 mil milhões ao limiar de 2018. Número que é necessário ligar ao valor do PIB futuro: 155 mil milhões. Chegamos assim à uma taxa de endividamento que aumenta e passa dos 177% de hoje aos 190% do PIB, amanhã, número este que é em termos aproximados confirmado pelo FMI (200%).
O problema do peso da dívida futura pode ser abordado de uma outra maneira. Se admitirmos que o respeito do acordo desenvolve uma contracção de cerca de 4% do PIB em termos anuais, e se considerarmos a estabilidade dos preços (hipótese corajosa), a equação clássica de cálculo do saldo primário que permite a sustentabilidade da dívida, mostra que o dito saldo é simplesmente irrealista. Com uma taxa de juro em média de 2%, chegamos a um saldo primário de: 177% (2 + 4) = 10,6% PIB ….. para manter na mesma situação o rácio da dívida, neste caso em 177% do PIB, seria necessário um excedente primário de mais de 10% de PIB… cujos efeitos recessivos seriam bem certamente maciços. [*]
As nossas conclusões são simples: o acordo do 13 de Julho, visto apenas do ponto de vista técnico é completamente irrealista.
A sua realização material suporia :
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Investimentos em proveniência, quer do resto da zona, quer do resto do mundo, de muito grande amplitude, ou seja que eliminem os gigantescos efeitos recessivos do acordo agora alcançado. Mas porque investir numa zona assim tão deprimida, que adicionalmente tem um sistema de preços cujo irrealismo se articula com uma taxa de câmbio desprovida de qualquer sentido? Neste contexto os 35 mil milhões do plano Juncker não têm nenhuma credibilidade.
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Uma anulação em si mesma gigantesca da dívida para impedir que se venha a gerar uma nova depressão programada. Mas o mercado político alemão opõe-se radicalmente a qualquer forma de anulação (4)
A solução mantém-se pois em dar-se a explosão da bomba atómica grega com o muito provável desaparecimento da zona euro.
Infelizmente, quanto mais os artilheiros gesticulam para ganhar tempo, e mais os dias seguintes da desastrosa aventura do euro serão humanamente difíceis de suportar. E os empresários políticos, culpados face à História do que corre o risco de se tornar um crime contra a humanidade, poderão talvez passar entre as gotas, de tal forma é verdade que o processo histórico que deu à luz o monstro euro foi um processo complexo e que impede de facto uma clara rastreabilidade das responsabilidades individuais.
(continua)
[1] Retomamos aqui os termos utilizados nas nossas publicações anteriores :http://www.lacrisedesannees2010.com/2015/07/les-demineurs-autour-de-la-bombe-atomique-grecque.html, et : http://www.lacrisedesannees2010.com/2015/06/la-bombe-atomique-grecque-combien-de-megatonnes.html
[2] 1100 mil milhões em 2008 e 1058 mil milhões em 2014.
[3] 179 mil milhões em 2008 e 173 mil milhões em 2014.
[4] O mercado político americano pôde rodar no sentido de uma forma messianismo depois da segunda guerra mundial, onde a emergência do plano Marshall compensou o enorme excedente externo. Não há nada de semelhante, hoje, na Alemanha e o mercantilismo destrutivo é o resultado normal do funcionamento do mercado político alemão. A muito relativa tomada de consciência desta realidade pela Chanceler não poderá alterar nada.
[*] Veja-se a nota que será publicada amanhã.
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Texto disponível em:
http://www.lacrisedesannees2010.com/2015/07/peut-on-enfouir-la-bombe-atomique-grecque.html