Encontro com Yanis Varoufakis : «É tempo de abrir as caixas negras» – por CHRISTIAN SALMON III

Falareconomia1

Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

(conclusão)

 

 

Varoufakis um “paresiasta”

 

Para Varoufakis, é chega a altura de reinventar uma nova “ágora” europeia, uma rede cujo objectivo explícito seja a democratização da Europa. “Não tenho outra paixão que não seja a de poder   contribuir para reinventar a democracia na Europa. ” Não um novo partido político, mas uma coligação pan-europeia de cidadãos, de Helsínquia a Lisboa, de Dublim a Atenas, que se empenhem em sair de uma Europa que significa “nós, os governos” para uma Europa a significar “ nós, os povos”. “Eis pois porque é assim tão importante   evitar começar frases por “os Alemães isto” ou “os Franceses que ” ou “os Gregos”. Eis pois porque é imperativo que compreendamos que “” os Alemães, “” os Gregos “ ou ” os Franceses não existem. Que somos todos Europeus em frente de uma crise eminentemente europeia.”

Mas como fazer para criar uma nova ágora democrática em Europa?

Isto põe temíveis problemas mesmo que estes problemas não sejam novos. Michel Foucault reconstituiu a genealogia no momento decisivo do IV e do V   século em Atenas, precisamente. Descreveu a crise da democracia ateniense ao mesmo tempo como um problema discursivo, o paradoxo “do falar-verdade” em democracia (a parrésia), e como uma deslocação “da cena” do política: da “ ágora” à “ eklésia” – ou seja “da cidade ” dos cidadãos “ao tribunal” dos soberanos. (Diríamos hoje: da praça pública para as torres envidraçadas e opacas de Bruxelas.)

Reinventar uma ágora democrática levanta por conseguinte um duplo problema: um problema cenográfico – a mudança da cena democrática – e um problema discursivo – em que condição a palavra pública pode ser exercida democraticamente.

  1. O problema da cena democrática. Desde a ágora dos Gregos até às redes sociais de hoje, passando pelos parlamentos e pelos seus regulamentos, a democracia depende de dispositivos concretos de enunciação, de transmissão, de recepção, da palavra. Em que ordem se vão exprimir os oradores? Como é que a sua palavra é retransmitida: graças a acústica do lugar, ou por meios de retransmissão como a rádio, a televisão ou a Internet? Qual é a forma do direito de resposta utilizada pelos cidadãos? Efectua-se em directo, sob forma de perguntas escritas, através da intermediação dos jornalistas, ou através de uma interpelação directa na tribuna ou como é hoje o caso durante os debates de intervenção na televisão ou via Twitter? É toda a questão da acústica democrática. Resta a questão do tempo. Quem decide da ordem do dia? Quem dita a agenda dos desafios democráticos? Quem do governo e meios de comunicação social condiciona a agenda dos outros? O timing dos meios de comunicação social substitui-se ao tempo longo da deliberação. A agenda política cede o passo à agenda mediática. Tal é o papel que desempenha a nova “ágora” dos internautas que pode impor uma outra agenda política e às vezes até pode mesmo inverter o regime e a seu má “parrésia”, através de manifestações públicas e exprimindo a sua cólera…

  2. As condições “de se falar-verdade ”. Varoufakis é um adepto “de falar verdade” no sentido que lhe deu   Michel Foucault no seu seminário do Collège de France sobre “a Parrésia”: uma pragmática e uma ética do discurso de verdade (o Governo de si e dos outros – cursos ao Collège de France 1982-1983, Paris, Gallimard/Le Limiar, 2008, p. 194). “A parrésia” de acordo com Foucault supõe condições jurídicas, formais – o direito para todos os cidadãos de falar, de opinar – mas também das competências específicas por parte dos que se exprimem e tomam o ascendente sobre os outros. “Condição formal: a democracia. Condição de facto: o ascendente e a superioridade de alguns. ” Foucault retém duas outras condições. “Uma condição de verdade: a necessidade de um logos razoável. É necessário que o discurso seja “um discurso de verdade” ou que pelo menos seja inspirado pela procura da verdade e não simplesmente pelo desejo de agradar ou de adular a audiência. É por isso que o discurso de verdade só é possível numa democracia e sob a forma do confronto, da rivalidade, o que exige, última condição, coragem por parte dos indivíduos que tomam a palavra, a coragem na luta.”

« É tempo de abrir as caixas negras  » 

O melhor meio para compreender a relação de Varoufakis à política e a sua concepção do compromisso público é ler um texto pouco conhecido que data de Abril de 2012, três anos antes de ser nomeado ministro da economia do governo de Alexis Tsipras. Este texto que se intitula “é tempo de abrir as caixas negras ” foi escrito por ocasião de uma exposição da sua esposa, a artista Danae Stratou (ler a nossa Caixa Negra ). É uma metáfora da necessária re-invenção da democracia. É um texto político no sentido restrito , o de um programa eleitoral ou de uma análise política; o seu título diz muito e é “um gesto” político que expressa outra maneira de fazer a política.

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Photo de l’exposition de Danae Stratou © DR

“Vivemos cercados de caixas negras, explica-me Varoufakis. Os nossos telefones portáteis são caixas negras e não temos nenhuma necessidade de conhecer o funcionamento preciso para os utilizar . As pessoas que nos rodeiam são também caixas negras mesmo as que conhecemos melhor, nós ignoramos tudo sobre os metabolismos que estão funcionar no seu corpo, da actividade dos seus neurónios quando nos falam ou nos ouvem.. E isso não nos impede de as compreender e de gostar delas. . ” Mas há outras caixas negras: “As empresas, os mercados, os Estados, os bancos, as instituições supranacionais são supercaixas negras. Redes interconectadas de poderes que funcionam na opacidade mas que controlam as nossas vidas. Ninguém compreende como funcionam, nem mesmo as pessoas que estão à sua frente. Detêm o poder de escrever a ordem do dia, de determinar a conversação, de implantar os desejos nas nossas maneiras de estar e viver, de canalizar o fluxo de informações para nos atrair na rede. A abertura destas supercaixas negras tornou-se uma condição prévia indispensável para a sobrevivência das populações e do planeta. Porque estas caixas pretas desde 2008 que deixaram de funcionar. Não temos mais desculpas. É tempos de abrir estas caixas negras

A obra de Danae Stratou é um projecto participativo. A artista propôs a um leque de pessoas contactadas pelas redes sociais que exprimissem por uma palavra a sua apreensão, o seu medo do futuro ou a sua necessidade de protecção. Entre um milhar de respostas, escolheu uma centena de palavras que depositou em 100 “caixas negras” em alumínio, alinhadas no solo a igual distancia umas das outras, de maneira a formar uma grelha rectangular. A instalação constitui por conseguinte uma espécie de tabuleiro de xadrez dos terrores contemporâneos. Entrando no espaço de exposição, o espectador é confrontado com uma mistura de sons, de bipes, de batimentos cardíacos, de explosões e de linhas planas. Cada caixa contem um ecrã sobre o qual se fixam as palavras seleccionadas pelo artista e um contador invertido que dramatiza o escoamento dos segundos como numa bomba ao retardador. Quando a contagem regressiva chega ao fim, cada caixa emite o som de uma explosão, uma maneira de intensificar a sensação de tensão, de crise e de alarme…

 

CHRISTIAN SALMON, site Mediapart, Rencontre avec Yanis Varoufakis : « Il est temps d’ouvrir les boîtes noires ». Igualmente disponível no sitio Mouvement Démocrate Chrétien cujo endereço é :

http://mouvdc.canalblog.com/archives/2015/08/30/32555650.html

 

A crise grega… Caderno de notas de um etnólogo na Grécia – por Panagiotis Grigoriou II

1 Comment

  1. Ao abrir as caixas negras Varoufakis lá encontrará o caminho para o regresso Á Primeira Europa. Mas o grego é muito ianque e, por isso, não conhece – nem conseguirá compreender – a posição interessantíssima e anti-imperialista do jurista bretão Yann Fouéré, autor da “Europa das Cem Bandeiras”.CLV

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