O plano B de Varoufakis e o debate sobre o Euro – por JACQUES SAPIR I

Falareconomia1

Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

 

O plano B de Varoufakis e o debate sobre o Euro.

JACQUES SAPIR · 12 SETEMBRO de 2015

 

Publico aqui a contribuição que apresentei na conferência electrónica (online) organizada pela World Alternative Economic Review (WEAR). Esta conferência foi organizada para se tirarem as lições da crise de 2008 e do que ocorreu depois, em especial o desastre total a que assistimos na zona Euro. Esta conferência é organizada enquanto que os diferentes representantes “do plano B” à escala europeia se reuniram no sábado 12 de Setembro à Paris, no âmbito da festa do jornal L’Humanité.

A finalidade da conferência em linha é a de analisar a crise actual nos países da zona euro. Após a crise financeira que rebentou em 2008 nos Estados Unidos, a crise americana contaminou de imediato o sistema financeiro europeu, transformando-se numa crise da dívida soberana e num afundamento do sistema bancário em muitos países periféricos da área de Euro. A crise europeia mostrou que a crise se pode espalhar rapidamente entre economias relativamente interdependentes ou integradas. A aplicação de políticas de austeridade, impostas pela “Troika” (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e o FMI) reforçou uma espiral de contracções económicas, e provocou uma rebelião política crescente contra a austeridade, inspirando-se em parte (e especialmente na Espanha, mas igualmente em certo grau na Grécia) na saída bem-sucedida da crise dos países da América do Sul na última década. A conferência gostaria especialmente de tratar as questões da estabilização social, e das estratégias para a reforma estrutural e para o crescimento económico, e para a gestão monetária, financeira e da dívida que poderiam ser utilizadas para moldar um novo modelo económico para a Europa.

 

O plano B de Varoufakis’ e o presente debate sobre o euro

Jacques SAPIR

Directeur d’Etudes à l’EHESS-Paris

Director do CEMI-EHESS

 

A última ronda sobre a crise grega é bem representativo do comportamento desagradável das instituições europeias. Igualmente pôs na ordem do dia e com urgência o questionamento do Euro. A União Económica e Monetária europeia transformou-se num instrumento da aplicação da austeridade e da deflação por todo o lado na zona euro. As suas consequências desagradáveis estão a ir muito para além da zona euro. A crise terminou temporariamente com um acordo que se alcançou forçando duramente o governo grego. Terão que suportar as consequências. Mas, no desenvolvimento do processo desta crise emergiu a possibilidade de uma outra alternativa. O que foi chamado o “plano B” de Yanis Varoufakis era uma tentativa de criar um sistema de pagamentos paralelo e, possivelmente, uma moeda paralela. Não se pretendeu ser uma via rápida para que a Grécia regressasse ao dracma mas poderia ter sido assim. Mas este “plano B” tem igualmente um outro significado. Exemplificou uma alternativa possível para se sair da camisa-de-forças que a zona euro é. Eis porque é que tem um tal impacto na “esquerda”.

Este nosso texto pretende então estudar o processo deste assim chamado “plano B” à luz da experiência precedente feita com moedas paralelas.

 

Em que situação está agora a Grécia?

A Grécia comprometeu-se a aplicar um acordo de três anos com o quadro de governadores do Mecanismo Europeu da Estabilidade (MEE) para o apoio da estabilidade financeira sob a forma de um empréstimo. De acordo com o artigo 13(3) do Tratado do MEE, este detalha a condicionalidade ligada a facilidade de assistência financeira que cobre o período 2015-18. Isto significa que em troca de um empréstimo do MEE, que irá na sua maior parte pagar os reembolsos e juros da dívida passada, Grécia teve que concordar com um “novo memorando ”, na verdade um terceiro memorando, que irá implicar mais austeridade e não deixará nenhum lugar para o crescimento [1]. Este acordo de resgate foi forçado relativamente ao governo grego sob a ameaça de uma expulsão do Euro e muito claramente nós estamos de regresso à clara noção “da soberania limitada”, a chamada doutrina de “Brezhnev ” executada para esmagar a insurreição de Praga em Agosto de 1968 [2]. Mas é duvidoso se mesmo isto irá impedir finalmente a saída de Grécia da zona euro [3].

O acordo que foi estabelecido entre a Grécia e os seus credores depois de uma muito longa negociação é realmente um mau acordo e o seu anterior ministro grego das finanças Yanis Varoufakis é da mesma opinião [4]. Os 85 mil milhões previstos neste acordo são, presentemente, claramente insuficientes para tratar a situação da Grécia. Não poderia ter sido de outra maneira. Este texto aliás é a conclusão lógica do diktat imposto na Grécia a 13 de Julho de 2015, pelos seus credores. E este diktat nunca foi concebido com o objectivo de fornecer um verdadeiro apoio à Grécia, mesmo com o custo de sacrifícios enormes, mas somente com a finalidade de humilhar e desacreditar o seu governo. Este diktat é o fruto de uma vingança política e é claramente desprovido da racionalidade económica.

Muitas dúvidas foram expressas quanto a este acordo. Foi denunciado longamente nas várias colunas [5]. Este acordo aumentará a austeridade num país onde a economia tem estado em queda livre desde as manobras do Banco Central Europeu que começaram a 26 de Junho. O choque na economia de Grécia foi tremendo. Os dados provisórios de Julho e Agosto estão a apontar para um efeito negativo maciço na produção industrial. O FMI já está a prever uma outra ronda de depressão pelo ano 2015, com uma queda do PIB 2,5% em 2015 e igual queda também em 2016. E é claro que tais avaliações são conservadoras, [isto é, tendenciosas]. A situação, verdadeiramente, pode vir a mostrar-se consideravelmente mais desoladora. Num tal contexto é claro que aumentar o montante dos impostos recebidos numa economia em recessão é sempre sem-sentido. A trajectória do IVA é para destruir o que ainda resta de PIB potencial. Deve-se, pelo contrário, maciçamente injectar liquidez na economia a fim de fazer arrancar a produção. Todos sabem isto, [6], o governo grego assim como os seus credores. Contudo os últimos perseveram no mesmo erro.

Isto está a levantar a questão de como é que este desastre poderia ter sido evitado, porque o resultado final apenas não está a minar apenas a sustentabilidade de Grécia mas também a viabilidade da UE, como pensa Jörg Bibow [7]. Em grande parte a discussão centra-se então sobre o chamado “o plano secreto de Varoufakis ” e a introdução possível de uma moeda paralela na Grécia.

 

Re-degnificando a política ?

As acções de Varoufakis têm que ser consideradas no contexto de um movimento iniciado pelas eleições de 25 de Janeiro, que levam o partido Syriza, um partido de “esquerda” radical grego, ao poder. Era um movimento para virar as costas à política que tinha estado a ser praticada. Para muita gente as questões técnicas deste plano são muito confusas. Mas a ideia mesma de um “plano B” nunca foi técnica. É uma ideia do plano da política desde o seu inicio. Contudo para compreender a natureza real do assim chamado “plano B” deve-se ter em conta a luta em curso entre política e economia. Para isso é necessário em certa medida um movimento para a dignificação da Política.

Esta expressão é inventada a partir de um papel seminal escrito por R. Bellamy sobre o pensamento liberal Hayekiano e o processo de “destronar a política” [8]. A ideia chave no texto de Bellamy era que um verdadeiro liberal quereria substituir as decisões políticas por um comportamento baseado em normas. Bellamy mostra igualmente os limites de tal pensamento, explica em particular as contradições do pensamento de Hayek. Com efeito, destronando a política implica dizer adeus à democracia. O que é importante é o facto de que este processo de destronar a política foi muito bem descrito por um autor da extrema-direita no final dos de 1930: Carl Schmitt. Carl Schmitt não é um autor a ser seguido de qualquer maneira, mas foi igualmente foi uma das mentes mais marcantes do ponto de vista do Direito Constitucional. [9].

No seu livro “Legalité, Legitimité”, analisa com cuidado a contradição inerente do que chama “democracia liberal” [10]. Uma das suas grandes linhas de ataque é a completa falta de realismo dentro do pensamento dito “da democracia liberal” [11]. Focaliza-se então sobre o facto de que um poder estabelecido somente na base da “legalidade ” ou no estado de direito transformar-se-ia numa tirania porque não especifica quem é que poderia discutir os princípios deste estado de direito [12]. Actualmente, “a democracia liberal” com a sua redução das decisões sobre a própria aplicação das normas e a sua ênfase no estado de direito é o fim do Direito e conduzirá a um tipo especial da tirania [13]. Um ponto especial é que Schmitt destaca o papel da homogeneidade no que chama de “democracia” mas isto é actualmente a democracia parlamentar: “a democracia, então, exige uma primeira homogeneidade e uma segunda – se a necessidade ainda se coloca – a eliminação ou erradicação da heterogeneidade” [14]. Este ponto foi discutido desenvolvidamente por Chantal Mouffe [15].

Mas, foi em nome das regras e das normas pré-estabelecidas que Jean-Claude Juncker, o presidente da Comissão Europeia e um dos oponentes principais ao governo de Syriza atacou o governo grego recentemente eleito. Mesmo mais importante, a importância posta sobre a homogeneidade é uma característica da economia neoclássica [16]. Há aqui um certo tipo da congruência entre o que Schmitt “chama de democracia parlamentar” e o quadro mental da economia neoliberal. Actualmente, podemos ver uma enorme literatura centrar-se sobre normas e regras contra a discrição, começando com o texto famoso de Kydland e de Prescott [17]. A importância das normas e das regras tem-se tornado num dos pontos mais centrais na macroeconomia e particularmente na economia monetária [18]. Contudo, é conhecido que para que as regras e as normas se tenham tornado um dos pontos a única forma de tomar uma decisão implicariam um mundo probabilística perfeito. Esta é, naturalmente, uma dos pressupostos da economia neoliberal e da econometria [19]. Isto conduziu a uma “naturalização” da economia enquanto ciência [20], um processo que frequentemente é encabeçado por interesses baseados sobre o que é pensado como uma via “não-contestável”. Esta viragem probabilística tem sido encaixada na economia neoliberal pelo famoso texto de Robert Lucas ‘ de 1976 [21]. Em grande parte, isto foi largamente integrado na governança actual das democracias liberais “modernas” [22].

Isto tem sido, por vezes, violentamente debatido [23], quando um ou outro economista acentua as várias deficiências do mundo probabilístico [24], do problema levantado pelo dinheiro endógeno [25], ou na política. As regras como a única maneira de governar têm sido criticadas com base na psicologia aplicada [26].

Como resultado, o papel da discrição é agora cada vez mais sublinhado. Mas a discrição não pode ser apenas “jurídica ” ou ela funcionará na argumentação de Schmitt. A discrição tem que ser legítima. Levantando a introdução da legitimidade leva-nos mais uma vez para a questão da soberania, como foi descrito no século XVI por Jean Bodin [27]. A soberania não pode ser tecnicamente limitada mesmo se há algumas limitações técnicas em toda a acção governamental [28]. É por esta razão que nós poderíamos encontrar muito mais no chamado plano “secreto” de Varoufakis do que apenas uma tentativa técnica de contornar acções previstas pelo Banco Central Europeu. O plano de Varoufakis era realmente, mesmo se ele próprio não compreendeu completamente a sua dimensão, uma tentativa de recuperar a soberania de Grécia contra a tirania do Eurogrupo. Era então uma luta política e muito mais, portanto, do que apenas uma questão técnica ou económica. O próprio significado do “plano B” era pois o esforço para recuperar a soberania. Este era o contexto real em que o dito “plano B” de Varoufakis foi esboçado.

(continua)

[1] Barro J., « The I.M.F. Is Telling Europe the Euro Doesn’t Work », The New York Times, July 14th, 2015, http://www.nytimes.com/2015/07/15/upshot/the-imf-is-telling-europe-the-euro-doesnt-work.html?_r=1&abt=0002&abg=0

[2] Weeks J., « A specte is Haunting Europe », July 31st, 2015,https://www.opendemocracy.net/can-europe-make-it/john-weeks/spectre-is-haunting-europe-—-spectre-of-democracy

[3] Komileva L., « Another Bailout Won’t Keep Greece in the Eurozone », in Foreign Policy, August 12th, 2015, http://foreignpolicy.com/2015/08/12/another-bailout-wont-keep-grreec-in-the-Eurozone-2&utm_medium=social&utm_source=twitter.com&utm_campaign=buffe

[4] http://www.lepoint.fr/economie/grece-le-plan-d-aide-ne-marchera-pas-affirme-yanis-varoufakis-12-08-2015-1956351_28.php

[5] Evans-Pritchard A., « European ‘alliance of national liberation fronts’ emerges to avenge Greek defeat », The Telegraph, 29 July 2015,http://www.telegraph.co.uk/finance/economics/11768134/European-allince-of-national-liberation-fronts-emerges-to-avenge-Greek-defeat.html

[6] http://russeurope.hypotheses.org/4148

[7] Bibow J., « Euro Union – Quo Vadis? », July 2nd, 2015,http://www.socialeurope.eu/2015/07/euro-union-quo-vadis/

[8] Bellamy R., “‘Dethroning Politics’: Liberalism, Constitutionalism and Democracy in the Thought of F. A. Hayek”, British Journal of Political Science, 24, 1994, pp 419-441

[9] Balakrishnan G., The Ennemy: An intellectual portait of Carl Schmitt, Verso, London, 2002; Scheuerman W.E., « Down on Law: The complicated legacy of the authoritarian jurist Carl Schmitt », Boston Review, vol. XXVI, n° 2, April-May 2001.

[10] Schmitt C., Légalité, Légitimité, Translated from German by W. Gueydan de Roussel, Librairie générale de Droit et Jurisprudence, Paris, 1936; German edition 1932

[11] Idem, p. 73-54.

[12] Idem, pp. 78-79.

[13] Schmitt C., The Crisis of Parliamentary Democracy, translaed by Ellen Kennedy, MIT Press, Cambridge, MA, 1985.

[14] Idem, p.9.

[15] Mouffe C., « Carl Schmitt and the Paradox of Liberal Democracy » in Mouffe C. (eds),The Callenge of Carl Schmit, London, Verso, 1999, pp. 38-53.

[16] Sapir J., Les trous noirs de la science économique, Paris, Albin Michel, 2000; Sapir J,K Ekonomitcheskoj teorii neodnorodnyh sistem – opyt issledovanija decentralizovannoj ekonomiki (Economic Theory of Heterogenous Systems – An Essay on decentralized economies) Higher School of Economics Press, Moscow, 2001

[17] Kydland Finn E. and Edward C. Prescott, “Rules rather than discretion: The inconsistency of optimal plans, Journal of Political Economy, 85(3) (June 1977), p. 473-490 http://www.sfu.ca/~kkasa/prescott_77.pdf

[18] Stiglitz, J.E., “The Role of State in Financial Markets”, Proceedings of the World Bank Annual Conference on Development Economics 1993, World ban, Washington D.C., 1994, pp. 19-52. Taylor J.B., « Discretion versus Policy Rules in Practice », Carnegie-Rochester Conference Series on Public Policies, vol 39, 1993, pp. 195-214, North Holland.

[19] Haavelmo T, « The Probability Approach in Economics », Econometrica, 12, 1944, pp.1-118, p.48.

[20] Le Gall P., « Les représentations du monde et les pensées analogiques des économètres : un siècle de modélisation en perspective », Revue d’histoire des sciences humaines, 1, N° 6, 2002, p. 39-64

[21] Lucas R.E., “Econometric Policy Evaluation: a Critique” in K. Bruner et A. Meltzer, ed., The Phillips Curve and Labor Markets, Carnegie-Rochester Conferences Series in Public Policy, vol. 1, Amsterdam: North-Holland, 1976, pp. 19-46.

[22] Rose Nikolas, « Governing « advanced » liberal democracies », Andrew BARRY, “ Lines of communication and space of rule”, Pat O’MALLEY “Risk and responsibility”, in A. Barry, N. Rose and al., Foucault and Political reason. Liberalism, neoliberalism and rationalities of government, UCL Press, London, 1996, pp. 37-65, 123-42, 189-207.

[23] Van Lear W., « A Review of The Rules versus Discretion Debate in Monetary Theory », Eastern Economic Journal, vol. 26, n°1, 2000, pp. 29-39.

[24] Davidson P., Economics for a Civilized Economy, Armonk, M.E. Sharpe, 1996.

[25] Davidson P., Post Keynesian Macroeconomics Theory, Cheltenham, Edward Elgar, 1994. Wray L.R., Understanding Modern Money, Cheltenham, Edward Elgar, 1998.

[26] Kahneman, Daniel, and Amos Tversky, “Judgment under Uncertainty: Heuristics and Biases.”

Science, 1974, pp. 1124-31.

[27] Bodin J., Les Six Livres de la République, (1575), Librairie générale française, Paris, Le livre de poche, LP17, n° 4619. Classiques de la philosophie, 1993

[28] Goyard-Fabre S., Jean Bodin et le Droit de la République, Paris, PUF, 1989

 

Ver o original em: http://russeurope.hypotheses.org/4289

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