MENOS ESTADO SOCIAL, UMA ESCOLA MAIS DESIGUAL” – RELATÓRIO DO OBSERVATÓRIO DE POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO: CURRÍCULO E AVALIAÇÃO COM MENOSPREZO DA CIDADANIA por clara castilho

“No último ano letivo (2014-2015) assistiu-se no âmbito do Currículo, ao aprofundamento da sua manipulação política e contaminação ideológica, no sentido de que a Escola possa servir uma ideia de sociedade em que a economia é central e dominadora, se serve de muitos e serve a muito poucos, ocultando as desigualdades sociais atrás do conceito de “mérito” individual, e afastando-se da ideia de uma Escola para Todos, apostada numa formação integral básica, defendida pela Constituição e pela lei de Bases do Sistema Educativo, ao afirmarem o direito de todos não só ao acesso mas ao êxito escolar.

menos estado social V

As mudanças efetuadas nas disciplinas, nos conteúdos programáticos e nos recursos curriculares passam por uma redução do Currículo a um conjunto de Metas que estabelecem como obrigatória a prioridade de objetivos e temáticas politicamente selecionados, como é o caso da subtração de áreas da educação sexual, como as

doenças sexualmente transmissíveis e a contraceção, à revelia da própria comissão científica para a disciplina de Biologia. Isto é inaceitável e redutor, confinando a formação escolar num currículo nuclear que sobrevaloriza a Matemática e o Português, com carga horária reforçada, em detrimento de áreas de projeto e de formação pessoal e social que educam para a cidadania, no que é chamado retoricamente “redução da dispersão curricular e do reforço da carga horária nas disciplinas fundamentais” (Decreto-Lei n.º 139/2012 de 5 de julho, artigo 3º,

alínea d), aumentando o número total de horas em cada uma dessas disciplinas ao longo dos três ciclos do Ensino Básico, no contexto de “um aumento da autonomia das escolas na gestão do currículo” (idem). Tal desequilíbrio do currículo, na perspetiva de uma formação integral básica e obrigatória, desvaloriza as áreas das expressões e da formação cívica (casos de EVT, Formação Cívica e Educação Física e supressão da Área de Projeto, no 2.º e 3.º ciclo).

Estas medidas enquadram-se num conjunto mais vasto, articulado com a diminuição do número de professores, o aumento do número de alunos por turma e o financiamento de turmas no ensino privado em detrimento do público, que consubstancia uma “poupança” deliberada e espúria.

Esta situação criou uma pressão para a conformidade e para o ensino expositivo tradicional que abriu espaço para a ”criação temporária de grupos de homogeneidade relativa em disciplinas estruturantes” como foram os exemplos noticiados na Madeira, entre outros, criando turmas de nível.

Os Exames nacionais foram introduzidos no sistema de avaliação e seleção, no 4.º, 6º e 9º ano, nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática, numa escola empobrecida e centrada na competição individual, ignorando os avanços das ciências sociais e humanas quanto à importância crescente da avaliação contínua e aferida.

Trata-se de um retrocesso empobrecedor, que nega a riqueza do Conhecimento e impõe à Escola, e a todos os que nela vivem, a estreiteza das disciplinas “fortes”, lecionadas de forma não integrada, e a competição individual que nega o valor das competências coletivamente construídas.

As medidas legisladas, determinadas por uma “racionalidade orçamentária” são, na verdade, medidas reorientadoras da «agulha» e dão corpo a politicas ideologicamente conectadas com as preocupações neoliberais e da meritocracia e que se afastam da ideia de uma Escola para Todos como avanço civilizacional do coletivo.

… Investir em educação hoje, seculo XXI, deveria ser – e não é – a promoção e a colaboração de todos os parceiros educativos e institucionais para promoção do seu desenvolvimento, visando um ensino diferenciado capaz de desenvolver nos alunos o desejo por aprendizagens significativas e duradoiras por meio do trabalho autónomo, cooperativo e mediado pela tutoria docente em torno de projetos coletivos e não a reedição de ensinar a muitos como se foram um só.”

Todo o relatório em: http://www.ces.uc.pt/ficheiros2/files/RELATORIO_OP_EDU_2015.pdf

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