De Montevidéu, fomos à nossa fronteira, singrando o pampa dos muitos verdes e dos largos horizontes. Sant’Ana do Livramento, tantos anos depois, parece menor, estranha, diferente. A casa que foi nossa está muito desfigurada. “O que eu sou hoje é terem vendido a casa”, diz o triste verso de Fernando Pessoa. Mesmo assim, felizes lembranças da infância me invadiram: as matinês intermináveis no Gran Cine América, de Rivera, o footing na Avenida Sarandi, muito apreciado pelas já adolescentes, os sorvetes e as mil hojas da Confeitaria City. E foi pura alegria termos podido rever queridos e calorosos amigos. Também a de termos ido almoçar no velho Clube Campestre, fundado pela Companhia Armour na década de 1920, belo patrimônio da cidade atualmente em boa fase de revitalização. Reencontrar os pagos teve, sim, muito encanto.
Depois, partimos para Porto Alegre, a caminho da Serra. Hospedamo-nos no centro, na parte histórica e, para nosso gáudio, muito perto da Casa de Cultura Mário Quintana, onde a alma do poeta tudo ilumina e perfuma. A Casa é o antigo Hotel Majestic, ( cuja construção foi iniciada em 1916, terminada em 1926 e complementada em 1933 ) que, depois de tombado pelo patrimônio histórico, tornou-se o local privilegiado que hoje abriga tanto o acervo do poeta quanto a Biblioteca Érico Veríssimo, a Discoteca Pública Natho Henn, as Galerias Xico Stockinger e Sotero Cosme, o teatro Bruno Kiefer e várias outras salas e espaços culturais.
Numa das entradas do andar térreo, em letras grandes, acolhem-nos alguns dos mais famosos versos do poeta:
O Mapa
Olho o Mapa da cidade
Como quem examinasse
A anatomia de um corpo…
(É nem que fosse o meu corpo!)
Sinto uma dor infinita
Das ruas de Porto Alegre
Onde jamais passarei…
Há tanta esquina esquisita,
Tanta nuança de paredes,
Há tanto moça bonita
Nas ruas que não andei
( E há uma rua encantada
Que nem em sonhos sonhei… )
Quando eu for, um dia desses,
Poeira ou folha levada
No vento da madrugada,
Serei um pouco do nada
Invisível, delicioso
Que faz com que o teu ar
Pareça mais um olhar,
Suave mistério amoroso,
Cidade de meu andar
( Deste já tão longo andar… )
E talvez de meu repouso.
Nos meus tempos de estudante, muitas vezes vi o poeta andarilho, em sua cordial simplicidade, conversando pelas esquinas ou nos cafés de Porto Alegre. Mas só dele me aproximei no Rio quando, nos anos oitenta do século passado, veio aqui receber um prêmio e lançar um livro. E desse breve encontro guardamos, minha irmã e eu, uma foto – com ele! – no momento do autógrafo.
Anos após sua morte, para a apresentação de um livro meu na grande Feira que Porto Alegre promove desde 1955, comovida com sua lembrança, aconteceu-me este poema: