Selecção e tradução de Júlio Marques Mota
10. Compreender a finança – De que mercados financeiros temos nós necessidade?
Finance Watch, Dezembro de 2014
(CONTINUAÇÃO)
…
PARTE 2: O debate e a posição de Finance Watch
Desmistificar as afirmações do lóbi financeiro
Os lóbis do sector financeiro exerceram enormes pressões – com sucesso de resto – para limitar o alcance das legislações que afectam os seus interesses. Estas pressões apoiam-se sobre um grande número de mitos, entre os quais alguns que visam criar um clima de medo no mundo político, insistindo sobre o facto que qualquer reforma seria prejudicial a uma economia já fragilizada. Eis as respostas de Finance Watch a alguns destes mitos.
Que diz o lóbi bancário: “Os mercados são eficazes por natureza. Qualquer intervenção externa deve ser limitada ao mínimo”
Este mito assenta sobre a hipótese de eficácia dos mercados (HEM), uma teoria que supõe que os participantes ao mercado são ‘optimizadores racionais’, que a distribuição do capital será óptima porque o mecanismo de formação dos preços é perfeito e que os actores são perfeitamente racionais. Qualquer intervenção externa (governos, reguladores) teria por conseguinte um impacto negativo directo sobre a capacidade dos mercados em servirem o seu objectivo.
A crença na eficácia dos mercados dominou a abordagem regulamentar durante os 30 últimos anos. As regulamentações têm assim sistematicamente favorecido a concorrência criando regras do jogo idênticas para todos os atores, o princípio subjacente era de que a concorrência entre interesses privados criaria mercados mais eficazes pondo-o ao serviço da sociedade.
Numerosas análises da crise financeira no entanto demonstraram que os atores do mercado dão a prioridade à optimização do lucro a curto prazo apostando sobre a evolução das cotações, mais do que a uma estratégia de investimento a longo prazo baseada na análise dos rendimentos futuros do activo subjacente.
Os actores do mercado não agem por conseguinte como ‘optimizadores racionais’ à procura de um preço que reflectiria o valor fundamental dos activos. Pelo contrário – e isto é conhecido dos profissionais – os actores do mercado também são influenciados por comportamentos humanos irracionais (medo, avidez, etc.) e muito poucas pessoas se podem opor à tentação de tirar lucro de uma simples mudança de preços, ainda que este preço não reflicta o valor real do título.
Os factos mostram além disso que o sector financeiro tem-se tornado menos eficaz nos últimos anos. De acordo com um estudo recente, o custo unitário da mediação financeira (aproximadamente, o valor dos activos financeiros ligada à parte de PIB produzida pelo sector financeiro) é mais elevado hoje do que o era nos anos 1990 – ou por outras palavras, a produção de um euro de activo financeiro custa mais caro hoje que então o. E isto apesar das inovações e da eficácia autoproclamada dos financiamentos pelo mercado, tal como tudo isso foi afirmado com descaramento durante todo este período.
Que diz o lóbi financeiro: “O Trading de alta frequência aumenta a liquidez”
O THF aumenta os volumes trocados – não a liquidez!
As estratégias do THF estão ligadas quer a um acompanhamento das tendências de mercado – que geram por conseguinte volumes enormes mas secam a liquidez dos mercados – quer a estratégias autoproclamadas “criadoras de liquidez” tendentes a colher as reduções de despesas concedidas pelas bolsas aos actores que geram volumes importantes. Este tipo de estratégia não cria liquidez mas impede os investidores de procederem a importantes transacções: assim, quando um investidor procura executar uma ordem e em que esta ordem é localizada por um actor do THF, este anuncia um preço; mas no momento em que o investidor confirma a transacção, o actor do THF muito provavelmente já terá anulado a sua oferta – com efeito, a maior parte das ordens passadas pelo THF imediatamente é anulada. O THF “bombeia” por conseguinte a liquidez aos mercados praticando uma concorrência desleal para com os investidores reais e ameaça assim a equidade, a ordem e a integridade dos mercados financeiros.
Que diz o lóbi financeiro: “A financeirização da economia é boa para o crescimento”
A ancoragem da finança nos países ditos desenvolvidos reforçou-se profundamente durante as últimas décadas, e nomeadamente desde o período de desregulamentação começado nos anos 1980. Mas uma tal financeirização da economia é boa para o crescimento? O Fundo Monetário Internacional (FMI) escrevia recentemente isto: “A nossa análise demonstra que haver “demasiada finança” no sentido de além de certo nível de desenvolvimento da finança, os impactos positivos sobre o crescimento económico diminuem, enquanto os custos em termos de volatilidade económica e financeira aumentam.” Quando o relação entre dívida privada e PIB se torna demasiado grande, mais finança induz a que haja menos crescimento, um efeito que os investigadores do FMI chamaram “o efeito deletério do desenvolvimento da finança”.
Extrait de la BD de Finance Watch « Bâle 3 : le retour du Régulateur »
Ainda que o sobre-desenvolvimento do sector financeiro seja geralmente um peso para a economia, certos tipos de créditos contribuem para o crescimento. Assim, o crédito bancário às empresas não-financeiras contribui para o crescimento económico. Este tipo de crédito é mais produtivo que o crédito às empresas financeiras ou ao sector imobiliário. O problema é que os maiores bancos europeus se concentram hoje principalmente sobre estas mesmas actividades que são menos produtivas, e também e sobretudo sobre actividades para além do crédito como o negócio de títulos financeiros (trading) ou o comportamento de mercado (market making). Finance Watch organizou uma conferência em Novembro de 2014 intitulada “Que finança para que crescimento?”. A ata desta conferência bem como o processo de informação realizado para a ocasião estão disponíveis aqui.
(continua)
_______
Leia a Parte IV deste texto da ONG Finance Watch, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, acedendo ao link seguinte:
________
Ver o original em:
http://www.finance-watch.org/informer/comprendre-la-finance/1142-comprendre-finance-3?lang=fr