Selecção e tradução de Júlio Marques Mota
BCE: uma taxa negativa, para fazer o quê?

Romaric Godin, BCE: un taux négatif, pour quoi faire ?
La Tribune, 9 de Dezembro de 2015
(conclusão)
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O fim “do multiplicador monetário”
A transmissão pelas taxas é suficiente? Em todo caso, o primeiro balanço da QE e da utilização das taxas negativas parece mostrar, de acordo com Jézabel Coupey-Soubeyran, economista na universidade Paris I, que “o multiplicador monetário deixou de ser uma ideia pertinente.” Este “multiplicador”, que durante muito tempo tem sido um elemento chave nos bancos centrais, explica em teoria que o aumento da moeda de base conduz ao aumento da massa monetária em circulação, e depois a um aumento da inflação. Ora, constata Jézabel Coupey-Soubeyran, “o aumento da moeda de base já não se transmite realmente à massa monetária. E que, se esta última aumentar, isso não conduz um aumento da inflação, porque a massa monetária vai sobretudo alimentar bolhas financeiras mais do que passar a alimentar a economia real.” É por conseguinte todo o problema do BCE: como fazer “saltar o ferrolho” dos bancos para transmitir a sua QE ao resto da economia? Ainda não encontrou a chave do enigma.
Os clientes taxados?
Pior, uma vez o mecanismo clarificado, os perigos da taxa negativa aparecem mais claramente. Primeiro, porque se trata de uma taxa. Ora, recorda Jézabel Coupey-Soubeyran, “logo que um banco for atingido por uma taxa, a questão do reporte sobre a clientela é posta.” Observa-se este fenómeno na Suíça hoje e, para Frederik Ducrozet, a taxa negativa é, em si mesma, “contraproducente” para o crédito “ podendo conduzir a aumentos de taxas sobre os novos empréstimos bancários em certos países.” De momento, não obstante, esta “taxa” permanece ainda sustentável para os bancos europeus. Mas se o crédito não aumentar novamente, por conseguinte se a rentabilidade dos bancos permanecer sob pressão, a transmissão da taxa aos clientes é possível.
Efeitos secundários…
Confrontado a reservas taxadas, o banco pode ser tentado a reduzir as suas reservas, por conseguinte, a reembolsar os empréstimos feitos ao BCE sem estar a aceitar nova moeda de base. Neste caso, a política de taxa negativa seria também contraproducente, porque a redução dos balanços não incitaria os bancos a emprestar mais, bem pelo contrário, porque nesse caso as taxas subiriam. O ponto mais perigoso seria que os bancos decidam trocar as suas reservas em notas de banco. De acordo com Peter Stella, um economista que se exprimiu em Financial Times em 2012, é a única maneira de transformar os excedentes de reservas junto do banco central em moeda para a economia real. “Os bancos devem trocá-las contra notas físicas e seguidamente emprestar estes notas aos clientes”, explica. O método é possível de ser praticado na zona euro? É pouco provável, porque o armazenamento do dinheiro líquido custa caro e é arriscado. Na Suíça e na Suécia, onde as taxas de depósitos são ainda mais negativas (- 0,75% e -1,1% respectivamente), esta preferência pelo dinheiro físico não foi constatada em grande escala.
O efeito cambial
Trata-se de pesar sobre a divisa para favorecer a retoma da inflação. Ainda aqui, a transmissão faz-se pelas taxas. Fazendo reduzir a remuneração dos rendimentos em euros, a baixa da taxa de depósito conduz a desencorajar os mercados de investirem nesta divisa. Vendem por conseguinte euros para comprar títulos com rendimentos mais fortes noutras zonas monetárias como, por exemplo, os Estados Unidos, onde se espera um aumento das taxas. Incentiva-se assim, pelas taxas, a vender euros e comprar dólares. Por conseguinte a fazer recuar o euro face ao dólar e, assim, aumentar o preço das importações tornando ao mesmo tempo as exportações mais baratas no exterior . Isto conduziu à uma forte depreciação do euro desde há um ano. Mas a martingale poderia ser abanada, doravante, o euro tendo subido após o anúncio de quinta-feira dado que os mercados tinham integrado uma baixa da taxa de depósito para – 0,40%.
Insuficiência destas medidas
Vê-se, por conseguinte, a baixa da taxa de depósito não pode incentivar senão indirectamente o crédito. É isto que explica o sucesso extremamente mitigado das acções do BCE até agora. Na realidade, falta sempre o essencial a esta estratégia de Mario Draghi: a construção “de uma necessidade contrair empréstimos ” por parte das empresas. Reduzir as taxas é um elemento indispensável, mas não é suficiente. Por outras palavras, falta a construção de uma procura forte, suficiente e duradoura para levar as empresas a investir para além das suas necessidades “imediatas” de renovação de capacidades de produção que, nos países periféricos, foram reduzidas fortemente. Para isso, existem vários métodos, infelizmente pouco possíveis na zona euro: relançamento da economia via orçamentos publicos, “helicopter money” ou distribuição de dinheiro aos agentes económicos directamente ou ainda uma acção conjugada e massiva do BEI e o BCE. Sem tais acções, as medidas do BCE arriscam-se a ficarem perdidas nas areias bancárias. E a inflação permanecerá desesperadamente fraca.
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