A palavra Bancarrota escrita na parede de um prédio em Detroit, Michigan – por Kenneth Dyson II

Falareconomia1

Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

A palavra Bancarrota escrita na parede de um prédio em Detroit,, Michigan, 25 de Outubro de 2013

The word “Bankruptcy” is painted on the side of a building in Detroit, Michigan, October 25, 2013.

The Morality of Debt
A History of Financial Saints and Sinners
By Kenneth Dyson

 

(continuação)

A partir de meados do século XIX em diante, a emergente escola histórica e institucional alemã da economia assumiu uma visão muito diferente sobre a dívida pública da que era defendida por Montesquieu, Hume, Smith, e Jefferson. Eles comungavam da visão de que a dívida pública era uma parte integrante das economias nacionais. Os pensadores Karl Dietzel e Lorenz von Stein acreditavam que o Estado tinha um papel positivo a desempenhar para se alcançar a posição de equilíbrio na economia, sobretudo mediante o financiamento de investimentos para a melhoria de produtividade em infra-estruturas e na prestação de serviços públicos. Dietzel, por exemplo, argumentava que, “uma nação é tanto mais rica e a sua economia nacional é muito mais florescimento e de mais rápidos progressos tanto quanto maior for a proporção de pagamentos de juros devidos por títulos do governo nos gastos totais do governo “. E, por sua vez, Stein destacou o papel da dívida pública como um seguro colectivo, sobretudo em ajudar a terem-se receitas para a velhice e, promovendo assim a integração social e política. No entanto, ele estava igualmente consciente que a dívida pública poderia levar politicamente a abusos se utilizada para financiar mais o consumo corrente do que os investimentos que tivessem efeitos de melhoria da produtividade. Assim, Stein defendia a existência de uma cláusula de salvaguarda constitucional contra esta má utilização, uma forma de “regra de ouro” nas finanças públicas mais tarde inscrita na Lei Fundamental da República Federal da Alemanha.

A crença na utilidade da dívida parecia triunfar sobre as ideias de Montesquieu, Hume, Smith e da aversão de Jefferson. Os níveis de dívida pública para mais de 100 por cento do PIB estavam longe de ser excepcionais no séculos XIX e XX. A economia política mudou profundamente quando novas forças sociais entraram na arena política. A dívida pública cresceu com a transformação radical da tecnologia, da escala e das exigências da guerra. As novas tecnologias de comunicação permitiram a existência e mobilidade de créditos a nível internacional. E a concentrada estrutura dos mercados financeiros tornou as contas públicas mais vulneráveis face às grandes crises bancárias.

Em holandês e alemão, a palavra Schuld significa simultaneamente dívida e culpa. Uma combinação linguística semelhante é encontrada na palavra hebraica Chayav.

A vulnerabilidade só cresceu com as novas tecnologias de criação de crédito do sector privado. Além disso, a secularização da sociedade corroeu o apego às crenças religiosas e populares sobre a dívida. Esta evolução era acompanhada por uma nova crença na gestão científica das finanças públicas, incluindo a engenharia financeira criativa. Estes factores combinados facilitaram o surgimento de novas ideologias, menos restritivas quanto à utilização da dívida. Foram-se assim os dias em que, intelectualmente, o papel dominante da prudência ou da sabedoria prática no raciocínio sobre o comportamento virtuoso privado e público actuavam como inibição da criação de dívida.

Uma parte importante dessa revolução foi o facto de se ter uma concepção cada vez mais abstracta do dinheiro. O escritor alemão Johann Wolfgang von Goethe deu uma dramática expressão ao afrouxamento do sentido da culpa que estava associado à criação e utilização crescente de dinheiro desmonetarizado, ou seja, do papel moeda Em Faust, Parte 2 , Mefistófeles aconselha o Imperador romano :

Um tal papel, em vez do ouro verdadeiro, é prático: nós sabemos exactamente o que temos … Mas os homens sábios, quando estudaram isto , colocaram a infinita confiança no que é infinito.”

No final do século XX, o afrouxamento do sentido de constrangimento e de culpa ligado à dívida tomou uma forma radicalmente nova. Os consumidores e os investidores poderiam fazer uso do dinheiro electrónico. A idade da ciber-finança reformula as atitudes em face da utilização do crédito: “O dinheiro agora não tem limites”, escreve o economista Satyajit Das em Extreme Money “, capaz de infinita multiplicação e completamente irreal.” E também criou um sentimento generalizado de confusão, mal-estar, e alarme sobre as implicações do comportamento dos bancos e de como os bancos centrais gerem o dinheiro, como por exemplo com a flexibilização quantitativa.

As implicações da redução da prudência tornou-sed cada vez mais importante e grave com o enorme crescimento na escala de activos financeiros; com o volume, complexidade e opacidade das instituições financeiras que gerem estes activos; e com a proliferação de instrumentos de crédito cada vez mais exóticos, como a titularização e as obrigações de dívida garantidas ou colateralizadas, os famosos CDO’s. Os modelos científicos utilizados induzem a ilusão de que os riscos de crédito passaram a estar melhor controlados. E a facilidade de criação de crédito permitiu a hubris a uma escala historicamente completa nova e sem precedentes.

As mudanças nas atitudes em relação à dívida e ao risco estiveram também ligadas aos novos discursos sobre o direito social. As expectativas dos consumidores de padrões de vida cada vez mais altos eram alimentadas por empréstimos bancários mais facilmente concedidos e prontamente disponíveis, os booms subsequentes nos mercados da construção e do imobiliário assim como a expansão dos sectores de venda a retalho, da publicidade moderna e do marketing. O status social e a identidade tornaram-se intimamente A identificação com a boa vida significa ser capaz de poder viver para lá da compreensão tradicional das necessidades básicas. A dívida era o preço a pagar para as alegrias de ser uma parte da cultura de consumo hedonista. A sua negação tinha o potencial para desenvolver um profundo sentimento de perda, desespero, de protesto social e de motins.

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A relief of Frugality on the Česká Spořitelna building, Czech Republic.

O discurso do século XX ilustrou as profundas ambiguidades morais associadas à dívida – e as dificuldades associadas na elaboração e na utilização do poder do Estado. Por um lado, o direito social, a sociedade de mercado, a cultura do consumo hedonista, e os economistas neo-keynesianos sugerem que a velha ideia de prudência tinha sido completamente destronada. Por outro lado, a noção de que o Estado pode e deve ser visto como “o agregado familiar em larga escala” manteve-se presente na imaginação popular. O retrato dos dirigentes políticos e dos partido como irresponsáveis ​​na gestão das finanças públicas, como responsáveis pela dívida pública excessiva e como em conluio com os banqueiros superpoderosos convidava à sua punição eleitoral. Os factos sugerem que o alinhamento com a redução da dívida atrai um largo apoio público. Apesar das ideias macroeconómicas dos neo-keynesiana e do moderno consumidor, financeiro, das culturas da promoção, os Estados ocupam ainda o mundo político em que as crenças populares sobre a dívida mantêm uma forte influência sobre a ideia de como os líderes se comportam. O problema mais prático advém do paradoxo de que, embora os eleitores queiram acção política e governamental para fazer face à dívida total, poucos deles estão dispostos a aceitar as consequências que daí resultam.

Kenneth Dyson, Foreign Affairs, The Morality of Debt- A History of Financial Saints and Sinners, Outubro de 2015. Texto disponível em:  https://www.foreignaffairs.com/articles/2015-05-03/morality-debt

 

A palavra Bancarrota escrita na parede de um prédio em Detroit, Michigan – por Kenneth Dyson I

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