A palavra Bancarrota escrita na parede de um prédio em Detroit, Michigan – por Kenneth Dyson III

Falareconomia1

Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

A palavra Bancarrota escrita na parede de um prédio em Detroit,, Michigan, 25 de Outubro de 2013

The word “Bankruptcy” is painted on the side of a building in Detroit, Michigan, October 25, 2013.

The Morality of Debt
A History of Financial Saints and Sinners
By Kenneth Dyson

(conclusão)

Moralidade e dívida

Em que medida e de que maneira é que a dívida é “coisa má”? Qual deve ser o comportamento adequado de credores e devedores? Qual é o equilíbrio adequado entre, por um lado, a estabilidade sistémica e a solidariedade colectiva e, por outro, o ter de se evitar o risco moral na gestão da dívida soberana? Quem são as vítimas inocentes e quem, no interesse da justiça, deve suportar a dor dos cortes orçamentais devidos ao ajustamento macroeconómico? Até onde devemos levar a viabilidade institucional e, se necessário, restringir a responsabilidade?

No coração de muitos destes temas está a forma como as relações credor-devedor formam uma díade. Não pode haver credores sem devedores da mesma forma que não podem haver estados “excedentes” sem estados “deficitários” na srelações comerciais internacionais. Em suma, embora a sua relação seja desigual, os credores precisam dos devedores. A ambiguidade moral e a falta de fáceis soluções políticas origina o problema de equilibrar as exigências dos credores de uma superior virtude e somente para os devedores que reconhecem e honram as suas dívidas.. Isto pode, , em princípio, ser enfrentado através de regras processuais que façam a ponte entre diferentes posições morais e superarem assim as diferenças de poder . Na sua ausência, há alto risco de agravamento, assédio, desespero e vitimização.

Um compromisso credível para tais regras processuais depende do reconhecimento dos credores que os ajustamentos não podem ser feitos somente pelos devedores. As dificuldades políticas estão em conseguir que cada um enfrente as implicações da dependência mútua e assimétrica entre as situações de credores e de devedores . A relação é característica do que se chama dilema do prisioneiro em que nenhum dos lados pode sair unilateralmente da situação sem causar sérios danos ao outro . A gestão deste dilema é mais fácil quando os requisitos institucionais existem e estão disponíveis para ajudar a sustentar um padrão estável e evolutivo de cooperação condicional. Tal como acontece com a zona euro, um conjunto de regras do jogo que incentivem a interacção repetida que induz a cooperação entre os intervenientes. No entanto, existem riscos. As elites na situação de credoras têm m interesse primordial em limitar a sua responsabilidade. Além disso, uma ou ambas as partes, quando confrontados com escolhas profundamente inaceitáveis, podem optar por exercer um jogo da galinha, em que o outro entra numa situação de bluff. E, o erro de cálculo pode ter custos elevados para todos.

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GERTRUD K. / FLICKR-  Germany’s Schuldenuhr, or debt clock. August 14, 2007 at 5:08 pm.

A política de relações credor-devedor são exacerbados por uma linguagem moralizante de “santos” e “pecadores”, que é ainda fortalecida, por um lado, com sentimentos de orgulho na virtude nacional, de um lado, e de vergonha, humilhação e ressentimento, pelo outro. Um vocabulário técnico esotérico e a existência de esforços para construir processos inclusivos de debate e de negociação não podem esconder a extensão de que a ideia de qualidade de crédito soberano e da sua solvabilidade expressam um mundo de simbolismo e de identidades, a que estão ligadas .poderosas idiossincrasias, assentes na sua própria história. .

Os avanços qualitativos em termos de pensamento sobre as relações entre credores e devedores e sobre a solvência soberana, depende então do fortalecimento da sua dimensão e da promoção das mudanças culturais por duas vias. .

Primeiro, a análise da qualidade de crédito soberano precisa ir para além de uma curta, utilitária visão financeira das contas públicas. Esta deve também examinar os resultados a mais longo prazo e as perspectivas de toda a sociedade. Esta visão mais expansiva envolve levar em conta as expectativas gerais no que diz respeito à governação, bem-estar social e qualidade ambiental. Um reexame crítico da qualidade de crédito soberano revela questões éticas sobre o funcionamento dos mercados e do poder financeiro, incluindo o valor social líquido de inovações financeiras, como os produtos derivados e a titularização.

Uma análise profunda sugere mudanças no funcionamento dos mercados financeiros, nas agências de notação de crédito, incluindo, a redução dos conflitos de interesses, o aumento da transparência e também para evitar a tomada excessiva de riscos através de instrumentos financeiros que questionável valor social a nível global. Uma opção é a de ligar as melhorias internas na governança com os mercados financeiros. Os exemplos incluem mudanças nas agências de notação de crédito e uma maior responsabilização dos gestores em termos de desempenho a longo prazo, nomeadamente através da mudança da concessão de bónus nas práticas bancárias. No entanto, os perús não votam para o dia de Acção de Graças, para parafrasear o provérbio britânico. A pressão externa dos supervisores e reguladores é exigida.

Em segundo lugar, é preciso que hajam correcções para a miopia política que frequentemente é tão prejudicial – e faz subir os custos- da dívida de crises. Os líderes políticos dos Estados credores têm grandes dificuldades em persuadir as suas elites políticas nacionais e o público em geral a fazerem sacrifícios a curto prazo para terem como contribuintes ganhos a longo prazo por evitarem o incumprimento da dívida e os riscos sistémicos que se lhe seguem. Esse problema é ainda maior quando se trata de estados resgatados, tais como a Grécia e Chipre, que são considerados estarem a sofrer de uma corrupção endémica e de terem capacidade de governação.

A dívida foi o preço pago para as alegrias de fazer parte de uma cultura de consumo hedonista.

Dentro da zona euro, o governo federal alemão hesitou sobre o resgate grego durante cerca de quatro meses a partir de Janeiro-Fevereiro de 2010, até depois das eleições. Os media alemães foram invadidos com imagens de gregos preguiçosos, corruptos e protegidos a usufruir de pensões desde muito mais cedo do que os alemães. Eles retrataram um sobredimensionado sector público grego de dimensão ainda nem sequer bem conhecidas. Estas imagens ignoram os empréstimos irresponsáveis concedidos ​​pelos bancos alemães e de outros países da EU à Grécia . No final, a hesitação alemã contribuiu para a existência de custos finais mais elevados do resgate da zona do euro e do FMI em Maio de 2010. A liderança política é uma decisão difícil quando se pretende reformular os argumentos em termos morais que rigorosamente são mais acusações de culpa do que outra coisa. À medida que a crise grega ganhou força em 2011-12, a liderança política alemã recorreu à dramatização da ameaça existencial para a zona euro e para a União Europeia, a fim de ultrapassar a profunda relutância das elites e da opinião pública em suportar com os custos de concessão de mais assistência financeira.

Uma melhor gestão das crises de dívida soberana, pensamos, iria ao centro do funcionamento das democracias liberais.

As práticas actuais destacam os riscos de desconexão entre, por um lado, a concorrência política interna e as escolhas eleitorais e, por outro, as políticas para restaurar a solvência soberana que são negociadas ou impostas internacionalmente. A desconexão é revelada no crescimento da alienação populares a partir de formas convencionais de política. Neste contexto, abre-se espaço para a mobilização política populista contra o diktat externo, beneficiando os partidos de extrema esquerda e de extrema direita. Foi esse fenómeno evidente nos resultados eleitorais da Frente Nacional nas eleições presidenciais francesas e nas legislativas de 2012, nas duas eleições de Syriza para as eleições gregas de 2012, e do Movimento de cinco estrelas nas eleições italianas de 2013.

O Imprudente, o Ineficiente , e o inocente

Os credores são propensos a serem vistos como “santos”, enquanto os devedores a serem vistos como “pecadores”. A virtude está ligada aos primeiros, (prudência, trabalho duro), e o vício (irresponsabilidade, preguiça) está ligado aos segundos. Este tipo de linguagem coloca em jogo a dignidade, a honra e o respeito mútuo. Ela coloca em jogo sentimentos tais como as emoções nobres, inclusive o ressentimento, a mágoa e a raiva. As dimensões emocionais e morais da dívida estão intimamente interligadas.

Para ser eficaz, a gestão das crises de dívida soberana tem que ser extremamente sensíveis a esta dimensão psicológica poderosa. Caso contrário, aqueles que estão no fim da cadeia dos punitivos ajustamentos mobilizar-se-ão para expressarem a sua indignação. A realização da credibilidade nos mercados de obrigações soberanas torna-se central na teoria macroeconómica dominante após os anos de 1970 : o que interessava para a solvência soberana era a gestão das expectativas dos mercados, um elemento fundamental do que era a psicologia do mercado financeiro. Os estados tinham que restaurar a sua credibilidade através do aumento dos impostos, das reduções no emprego e na redução dos salários do sector público e nos cortes dos benefícios sociais. Eles teriam que se alinhar pelas panaceias de corpos de tecnocratas não eleitos: bancos centrais, instituições financeiras internacionais e lobbies do mercado financeiro.

No entanto, a credibilidade no seu sentido mais apertado do termo, é apenas uma pequena parte de uma história política muito maior e muito mais complexa acerca de como é que os estados sustentam a sua reputação e poder.

. A política de qualidade de crédito soberano tem a ver com a capacidade de distinguir entre os contratos legais que governam as relações contratuais estabelecidas entre credores e devedores e o bem mais amplo e profundo contrato social que é suposto ser a base em que a assenta a governança. Os indicadores de perda de confiança dos credores são as taxas de juro mais elevadas sobre a dívida. Os indicadores de perda de confiança pública são o protesto social, os ganhos eleitorais para os partidos extremistas e a deriva centrista para assumir e defender posições extremistas.

Falar sobre credores e devedores sem falar sobre os julgamentos implícitos em termos de valor moral é muito difícil – mas é tempo de o começar a fazer.

Kenneth Dyson, Foreign Affairs, The Morality of Debt- A History of Financial Saints and Sinners, Outubro de 2015. Texto disponível em:

https://www.foreignaffairs.com/articles/2015-05-03/morality-debt

A palavra Bancarrota escrita na parede de um prédio em Detroit, Michigan – por Kenneth Dyson II

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