Portugal na Grande Guerra de 14/18 – por António Gomes Marques

Imagem1

I

Comecemos por, de forma muito resumida, falar das causas da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), o que nos obriga a recuar mais de um século, ou seja, a ir até às invasões napoleónicas. Ao fazê-lo, vamos ao encontro de um fenómeno hoje muito presente na Europa e que tem a ver com a derrocada de Napoleão e do seu império e as aspirações nacionalistas dos povos europeus que se seguiram, uns para conquistar a sua independência, caso das minorias eslavas da Europa Central, e outros para cimentar a sua identidade nacional.

A Alemanha, desejosa de disputar com a Inglaterra e a França os mercados africanos e também alguns territórios -voltaremos a esta questão quando falarmos de Portugal-, acordou um tratado com a Rússia e a Áustria, em 1872, a chamada Aliança dos Três Imperadores, aliança esta que não dura mais do que até 1878, por a Rússia ter concluído que a Áustria o que pretende é controlar os estados balcânicos, a cuja emancipação a Rússia é favorável. A Alemanha não desiste e, em 1882, chega a acordo com a Áustria e com a Itália, formando a Tríplice Aliança. Apesar desta aliança, a Itália virá a entrar na Guerra de 14-18 contra a Alemanha, dado não desistir de ter de volta os territórios que a Áustria lhe havia tirado

As grandes potências europeias, Inglaterra, França e Rússia, não podiam deixar de responder e, sem qualquer tratado formal de defesa comum, acordam, em 1908, um compromisso, registado na história como a Tripla Entente.

Naturalmente, a tensão aumenta e, como sempre acontece, a corrida aos armamentos segue-se e, quando o arquiduque e príncipe herdeiro austríaco, Francisco Fernando, e a sua mulher são assassinados por um estudante sérvio, em Sarajevo, na Bósnia, torna-se o motivo justificativo, para a Áustria responsabilizar a Sérvia pelo acontecimento e, um mês depois do atentado, em 28 de Julho de 1914, declarar guerra a este país balcânico.

Segundo Vitorino Magalhães Godinho, nenhum país estava verdadeiramente preparado para a guerra com excepção da Alemanha.

A Tríplice Aliança leva a Alemanha a juntar-se à Áustria e a declarar guerra à Rússia, apoiante da Sérvia como já vimos, mas contando com a neutralidade da Inglaterra, tendo em conta os acordos secretos assinados entre estas duas potências. Dois dias depois, em 3 de Agosto de 1914, declara também guerra à França.

A neutralidade da Bélgica não é respeitada pela Alemanha. Ao ver invadido e ocupado aquele país neutro, a Inglaterra entra na guerra contra a Alemanha e os seus aliados em 4 de Agosto do mesmo ano.

A França consegue parar o avanço das tropas alemãs e, assim, se dá início à guerra das trincheiras que vai durar até quase ao fim da guerra, ou seja, quando no teatro de guerra surgem os tanques, em 1917, primeiro muito vulneráveis por terem o depósito de combustível à frente, mas depois, no início de 1918, surgem os tanques blindados, com realce para os fabricados pela Renault. A guerra só viria a terminar realmente com a assinatura do armistício a 11 de Novembro de 1918.

Entretanto, a Turquia e a Bulgária juntam-se à Áustria e à Alemanha. Em Abril de 1917, os EUA entram na guerra ao lado dos países da Tripla Entente. A Rússia, no seguimento da Revolução de Outubro de 1917, assina a paz com a Alemanha.

Muito haveria a dizer sobre a I Guerra Mundial; no entanto, como o espaço que me é concedido não o permite, remeto o leitor para esta passagem que trata apenas de um dos teatros da guerra, que retiro do que escrevi para este mesmo blogue em «Em Viagem pela Turquia»:

«Na I Guerra Mundial, iniciada com a declaração de guerra da Áustria em 28 de Julho de 1914, a Turquia está contra os Aliados, colocando-se ao lado da Alemanha, assinando uma aliança secreta com este país logo em 2 de Agosto. Sob o comando alemão, bombardeia alvos russos em 29 de Outubro, o que leva a Rússia a declarar guerra ao Império Otomano em 2 de Novembro, no que é seguida pela Grã-Bretanha e pela França três dias depois.

(…) [remetemos] o leitor mais interessado na história desta Guerra para o livro de Norman Stone, «Primeira Guerra Mundial – Uma História Concisa», editada em português pela D. Quixote, numa tradução de Miguel Mata (Lx. Fevereiro de 2011). Na página 35 podemos ler: “Só sabemos verdadeiramente o que se passou em Berlim, em 1914, por causa do conteúdo de baús esquecidos em sótãos e de um documento extraordinário, o diário de Kurt Riezler, o secretário judeu de Bethmann-Hollweg. O diário inclui uma entrada devastadora referente ao dia 7 de Julho de 1914. À noite, o jovem senta-se com o chanceler von Bethmann-Holweg, de barba grisalha. Conversam e Riezler compreende, enquanto ouve, que está cara a cara com o destino. O argumento central é: «a Rússia não pára de crescer. Transformou-se num pesadelo». Os generais, conta Bethmann-Hollweg, dizem que tem de haver uma guerra antes que seja tarde demais. Se for agora, existem boas probabilidades de tudo correr pelo melhor.” Pensem agora os leitores como a acção estúpida e acidental dos jovens terroristas sérvios facilitou o desejo de guerra que os alemães tinham, constituindo o assassinato do arquiduque Francisco Fernando, herdeiro do trono, «o acidente inevitável» de que a Alemanha necessitava. O assassino, Gavrilo Princip, viria a dizer mais tarde que “os Alemães teriam encontrado outra desculpa”, como pode ler-se na obra que acabamos de citar (pág. 34).

Vejamos o que se diz na página 26 desta obra de Norman Stone: “Se o Império Otomano estava à beira da desintegração – e quase ninguém esperava que durasse —, então a rivalidade estaria mais perto de casa e envolveria ligações terrestres e exércitos. Para a Rússia, eram vitais o estreito entre o mar Negro e o mar de Mármara ou o Dardanelos, entre o Mármara e o Egeu: eram a traqueia da economia russa, por onde passavam 90% das exportações de cereais e chegava praticamente tudo o que mantinha em funcionamento as indústrias do Sul da Rússia. Durante a guerra contra a Itália, em 1911-1912, os Turcos tinham fechado o Dardanelos, provocando a paragem económica imediata do Sul da Rússia. Garantir a segurança do estreito era uma questão vital para a Rússia, e no princípio de 1914 as potências da Entente forçaram a Turquia a conceder um estatuto de quase autonomia às províncias parcialmente arménias da Anatólia Oriental. Este acontecimento (e o interesse anglo-francês paralelo nas províncias árabes) poderia ter decidido facilmente o fim do Império Otomano, dado que os Arménios, que eram cristãos, poderiam tornar-se instrumentos da Rússia. Mas antes da ratificação do tratado, a Turquia virou-se para Berlim.”»

Antes de encerrar este capítulo das causas da I Guerra Mundial, lembremos o que nos diz Eric Hobsbawm, na sua obra «A Era dos Extremos» (Editorial Presença, Lx. 1996, pág. 32): “Para os que cresceram antes de 1914, o contraste foi tão impressionante que muitos — inclusive a geração dos pais deste historiador, ou pelo menos dos seus membros da Europa Central — se recusaram a ver qualquer continuidade com o passado. «Paz» significava «antes de 1914»: depois disso veio algo que já não merecia esse nome. Era compreensível. Em 1914 não havia uma grande guerra há um século, quer dizer, uma guerra que envolvesse todas as grandes potências, ou mesmo a maioria delas, sendo os participantes mais importantes do jogo internacional da época as seis «grandes potências» europeias (Grã-Bretanha, França, Rússia, Áustria-Hungria, Prússia — após 1871 ampliada para Alemanha — e, depois de unificada, a Itália), os EUA e o Japão.”

II

Falemos agora da participação de Portugal. A sua entrada no conflito era contra a vontade de Inglaterra, o seu principal e mais antigo aliado, o que nos faz, também aqui, regressar ao século XIX para lembrar as pretensões da Alemanha a territórios africanos, disputando-os, e partilhando-os, com a Inglaterra e a França. Se Portugal entrasse na guerra ficaria com direito a assinar também a paz quando fosse chegado o momento, o que dificultaria as pretensões do império inglês (ou britânico, se quiserem) de dispor dos territórios portugueses em África —Angola, Moçambique, Cabo Verde e Guiné —, pretensão essa que fazia parte dos acordos secretos entre a Alemanha e a Inglaterra, o que os republicanos portugueses não ignoravam, conhecedores que eram das negociações entre a Alemanha e a Inglaterra, em 1898, para a partilha destes territórios portugueses, com base nas dificuldades financeiras e administrativas de Portugal, partilha essa que acabaria por ser impedida pela guerra Anglo-Boer. Se a partilha fosse efectivada, a Inglaterra pensava poder assim travar a vontade expansionista da Alemanha, ou seja, a Inglaterra é o mais antigo aliado de Portugal e não o esquece quando lhe convém, como hoje a Grã-Bretanha é europeia para o que lhe é conveniente. A reforçar o que acabo de escrever lembro a deslocação de Lorde Haldane, em representação do rei de Inglaterra, para fazer um acordo geral anglo-alemão, no qual se mostrou disponível para ceder Angola, parte do Congo, Zanzibar e Pemba, com o que a França não podia nem queria concordar e, por isso, foi sempre um sólido apoiante de Portugal e do seu regime republicano, que a França também tinha, assim como a Suíça, ou seja, os três países eram as únicas repúblicas na Europa. Diz Joel Serrão, no seu «Pequeno Dicionário de História de Portugal»: “A arrogância da Alemanha é tal que, em vésperas de deflagrar a guerra (1914), muitos dos seus jornais e revistas, garantiam sem rebuço que a transferência de Angola para propriedade da Alemanha seria apenas uma questão de semanas.”

Poderão levantar-se algumas dúvidas quanto à vontade dos governantes portugueses em entrar na guerra ao lado dos ingleses se nos recordarmos da posição do Partido Republicano aquando da crise do mapa cor-de-rosa; no entanto, a Inglaterra já tinha reconhecido a República — para o qual nunca será demais lembrar o trabalho invulgar do primeiro embaixador da República em Inglaterra, esse homem notável que foi Manuel Teixeira-Gomes, figura tão injustamente esquecida, não só como político mas também como excelente escritor— e, como muitos outros países apoiavam a República Portuguesa contra as pretensões da Alemanha e da Espanha em restaurar a monarquia em Portugal, integrando mesmo o país na coroa espanhola, o que faz cair por terra o argumento muito vezes invocado de que Portugal, ao entrar na guerra, pretendia legitimar o regime implantado em 5 de Outubro de 1910. Recordemos aqui também, o que é justo, que o primeiro país a reconhecer o novo regime foi o Brasil, logo seguido da Argentina, ainda em Outubro de 1910, tendo acontecido que o Presidente brasileiro estava em Portugal e, assim, pôde assistir ao desenrolar dos acontecimentos da Revolução Republicana.

Se é verdade que Portugal não estava oficialmente em guerra, no início desta, não podemos esquecer que os alemães tomaram a iniciativa de nos atacar primeiro na fronteira norte de Moçambique e depois na fronteira sul de Angola, onde as tropas portuguesas somaram derrota atrás de derrota, estimando-se em 21.000 o número de baixas (mortos, feridos e incapacitados) só em África no final do conflito.

Para além das razões relacionadas com África, que são reais, não podemos ignorar outras razões para os republicanos, em particular o Partido Democrático de Afonso Costa, que se prendiam com as divisões existentes entre os próprios republicanos, sendo o eclodir da guerra que vem salvar o periclitante governo de Afonso Costa. A onda de patriotismo que se seguiria à entrada oficial de Portugal no conflito poderia contribuir para a união do país.

Diz António José Telo, na sua obra «Primeira República I – Do Sonho à Realidade»: “Quais eram os grandes problemas internacionais do País, todos eles agravados pelos abalos dos primeiros anos da República? Essencialmente três. O perigo colonial, tanto o proveniente da Alemanha como da África do Sul, agravado pelo acordo de 1912-13; o perigo de uma intervenção espanhola, que já vinha de 1908, mas se agravou depois do 5 de Outubro; a perda do peso e importância relativa de Portugal no Ocidente europeu, tendo em conta o entendimento preferencial da Inglaterra com a Espanha. Qualquer destes três perigos era mortal, ou seja, se o pior sucedesse, traria consigo o fim do regime e, talvez, da independência nacional.” Um pouco mais à frente, escreve o mesmo historiador: “…, como muito bem referia Cunha Leal, a beligerância era necessária, não tanto para que Portugal fosse leal à Inglaterra, mas para que a Inglaterra não fosse desleal a Portugal.” (pág. 300)

Os submarinos alemães vieram em auxílio dos que defendiam, como Afonso Costa, a entrada de Portugal na guerra, ao provocarem grandes perdas dos navios mercantes da Entente, dificultando os necessários abastecimentos. Então, a Inglaterra pediu a Portugal para aprisionar todos os navios mercantes alemães que estivessem fundeados em portos portugueses, colocando-os ao serviço da causa da Entente, o que Portugal fez em Fevereiro de 1916, levando a Alemanha a declarar guerra a Portugal no mês seguinte.

As forças armadas, graças aos argumentos dos republicanos vincando a necessidade de defesa dos territórios ultramarinos e da Europa, conseguiram que muitos voluntários se alistassem para combater nos dois continentes.

O prolongamento da guerra e as dificuldades criadas na vida das populações facilitaram a propaganda dos adeptos da Alemanha e as forças reacionárias, sob o comando de Sidónio Pais, provocam uma revolução a 5 de Dezembro de 1917, colocando este no poder, ao fim de três dias, com o apoio de uma corrente política britânica, liderada pelo General Bernardiston, logo se apressando a reduzir as nossas forças expedicionárias em França, levando a que, em 9 de Abril de 1918, tivéssemos de suportar a ofensiva alemã, verdadeiramente esmagadora, com perdas elevadíssimas entre as forças portuguesas, tendo constituído o maior contributo para as baixas portuguesas no teatro europeu da guerra, estimadas em 15.000, entre mortos, feridos e declarados incapazes, explicando-se esta derrota, segundo Vitorino Magalhães Godinho, pela política de des-intervenção sidonista e pelos erros dos comandos, que nada fizeram para neutralizar a esmagadora superioridade numérica e de material que os Alemães puseram em campo; porque para o Exército germânico se tratava de compensar nesta frente alternativa o fracasso na frente do Somme-Amiens.”.

Portugal vai sofrer, como todas as outras nações europeias, da depressão económica, provocando desordem social e instabilidade política no seu território, mas encerrou a sua participação com grande dignidade participando na Conferência de Paz com pleno direito, concretizando assim os seus objectivos, apesar de só em 1919 lhe ser reconhecida de novo a posse de Quionga, terminando de vez com as pretensões da África do Sul, da Alemanha e da Inglaterra.

Portela (de Sacavém), 2016-03-08

Leituras recomendadas:

Godinho, Vitorino Magalhães (Org.), «Correspondência da Grande Guerra – Coronel Manuel Maia Magalhães», Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lx., Novembro de 2010;

Herman, Jacques, «Guia de História Universal», Edições 70, tradução de António Martinho Baptista, Lx, 1981;
Serrão, Joel, «Pequeno Dicionário de História de Portugal», Livraria Figueirinhas, Porto, s/d;
Stone, Norman, «Primeira Guerra Mundial – Uma História Concisa», Publicações D. Quixote, tradução de Miguel Mata, Lx., Fevereiro de 2011;
Telo, António José, «Primeira República I – Do Sonho à Realidade», Editorial Presença, Lx., 2010.

 

Leave a Reply