A Criação de Moeda, Banca e Crises: uma outra perspectiva
Uma nova série sobre questões de Economia
4. Contribuições para uma outra perspetiva da crise
(CONTINUAÇÃO)
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5º Dia de diálogo
II.1.2 Questões de base – Criação-Destruição de moeda
2.a. A criação de moeda-dívida (criação “ex nihilo”)
Para bem compreender como é que a moeda é ” criada”, imaginemos inicialmente que não há banco central e que existe um só banco comercial.
Um cliente, uma empresa X solicita um crédito de 10 000 unidades aa este banco único que aceita conceder o crédito tendo em conta as garantias de reembolso, de capital e de juros, que lhe apresenta a empresa X.
Ao aceitar este contrato, o banco limita-se a creditar do montante emprestado a conta à vista (no passivo do banco, ao lado das outras dívidas do banco) da empresa X, em troca da garantia de reembolso nos prazos previstos no contrato, como crédito (com este colocado no ativo do banco).
Acontece o mesmo se o industrial ou o comerciante receber em pagamento (dos seus clientes) o reconhecimentos de dívida sob a forma de letras, por exemplo, pois com ela pode obter uma contrapartida monetária imediata descontando-a junto do seu banco . Esta operação de desconto equivale à concessão de um empréstimo realizada pelo seu banco sobre uma soma que lhe será entregue no prazo indicado no referido título de dívida.
O número 10.000 à direita, no passivo do banco, é a moeda criada, que diríamos criada do nada, por pura inscrição bancária, também chamada moeda negativa.
O número 10.000 à esquerda, no ativo do banco, é a contrapartida (a garantia) da moeda, é a contrapartida da moeda negativa também chamada positiva, a ter existência real no banco quando for recebido o respetivo pagamento. Dita também moeda positiva, que ao ser recebida anula a moeda negativa. Diz-se positiva porque corresponde à contrapartida da criação de valor correspondente na economia real.
Esta dupla inscrição e em simultâneo de um mesmo montante no ativo e no passivo do balanço do banco constituiu pois o ato através do qual o banco cria moeda. Diremos pois que uma das suas funções de base é a produção de moeda escritural. De facto, há um crescimento da massa monetária detida pelos agentes não financeiros, que se traduz pelo acréscimo de D. Repare-se que o acréscimo dessa massa monetária não resulta de nenhuma transferência de recursos entre agentes mas representa uma capacidade de despesa adicional para a empresa X sem que ninguém esteja a renunciar ao poder de compra de seja o que for. Daqui se conclui que são pois os créditos que geram os depósitos e não o inverso.
Esta operação de crédito ou de desconto gera uma criação monetária de 10.000 € dado que os meios de pagamento à disposição de X aumentaram sem que nenhum outro agente constate paralelamente qualquer diminuição da sua capacidade de despesa. Há criação de moeda unicamente porque uma instituição monetária autorizada interveio para transformar um crédito em meio de pagamento, aumentando pois o poder de compra sobre a economia.
Esta operação mostra igualmente a dupla natureza da moeda escritural: é ao mesmo tempo uma dívida para o banco (inscrito no passivo) e um crédito para o beneficiário, que o vai registar no ativo do seu balanço.
Dado que este poder de criação se traduz num simples jogo de duplos registos contabilísticos, este poder aparece por conseguinte como teoricamente ilimitado. O banco pode criar tanta moeda quanta ele deseje dado que todo e qualquer crédito aumenta os recursos de um mesmo montante. É a expansão do seu ativo que provoca a do seu passivo.
As operações entre agentes não – financeiros e os bancos fazem assim variar a massa monetária
Porque a concessão de um crédito corresponde ao nascimento de um crédito suplementar sobre o setor não bancário, um banco cria moeda quando adquire ativos não monetários aos agentes não – financeiros
Através desta dupla escrita, deste duplo registo contabilístico, o equilíbrio contabilístico é sistematicamente respeitado: o valor destes ativos reais ou financeiros figura ao ativo do banco e o valor da moeda criada no passivo.
Simetricamente, o reembolso de um crédito ou a revenda de um ativo real ou financeiro traduz-se por um regresso da moeda ao seu lugar de origem, o banco, anulando-se portanto a moeda negativa criada. O crédito desaparece do ativo do banco e uma conta do passivo é debitada de um montante equivalente. Este duplo apagamento no balanço bancário corresponde por conseguinte a uma destruição monetária.
2.b) síntese da criação destruição de moeda por um banco
Há criação monetária por um banco quando:
– Há uma compra de um ativo: desconto de letras, compra de ações ou de obrigações públicas ou privadas, ou de bens imobiliários (ativos reais).
– Há a concessão de um crédito: crédito ao consumo, crédito ao investimento, crédito na aquisição de imobiliário, crédito de tesouraria, autorização de crédito a descoberto.
– Quando há aquisição de divisas: Que haja conversão ou não (uma divisa estrangeira é um título de crédito sobre o estrangeiro).
Há destruição monetária aquando da venda de um ativo, um reembolso de um crédito, de uma retirada de divisas
Há destruição monetária aquando da venda de um ativo, de um reembolso de crédito, de uma venda de divisas.
II. 3 Duas redes de banca comercial e ausência de banco central
Compliquemos ligeiramente a situação anterior com um sistema monetário composto de duas redes de bancos comerciais A e B
3.1. Fuga dos depósitos e desenvolvimento equilibrado
Seja um sistema monetário composto de duas redes de bancos comerciais A e B cujas partes de mercado são respetivamente de 10% e 90%.
Imaginemos que as redes bancárias A e B atribuem cada uma 100 de créditos novos.
Os beneficiários dos créditos de 100 atribuídos por A, vão gastar o seu depósitos à vista junto dos seus fornecedores que são repartidos de acordo com as partes de mercado respetivas, ou seja, 10 unidades voltam sob a forma de depósitos em A e 90 fogem na forma de depósitos para B.
A utilização pelos beneficiários dos créditos atribuídos por B traduz-se de maneira idêntica mas ao contrário pelo facto de ter um regresso de depósitos de 90 em B e uma fuga de 10 para A.
Tem-se por conseguinte os balanços intermédios seguintes:
Tabela III) Movimentos no Balanço intermédio do banco A e B
Balanço intermédio do banco A | Balanço intermédio do banco B | ||
Ativo | Passivo | Ativo | Passivo |
Crédito: 100 | Depósitos à vista : 20 (10 Provêm da rede de clientes do banco A e 10 Provêm da rede de clientes do banco B |
Crédito: 100 | Depósitos à vista: 180 (90 Provêm de clientes da mesma rede do banco B e 90 Provêm da rede de clientes do banco B |
Colocando em conjunto a posição contabilística das duas redes bancárias mostra-se que:
Tabela IV) Movimentos no Balanço intermédio do banco A e B
Balanço intermédio do banco A | Balanço intermédio do banco B | ||
Ativo | Passivo | Ativo | Passivo |
Dívida do banco B: 10 | Dívida ao banco B: 90 | Dívida do banco A: 10 | Dívida ao banco: 10 |
Os bancos podem então proceder a uma compensação.
O banco A deve 90 ao banco B que lhe deve 10. Permanece uma dívida líquida de A para com B de 80.
Tabela V) Movimentos no Balanço intermédio do banco A e B
Balanço intermédio do banco A | Balanço intermédio do banco B | ||
Ativo | Passivo | Ativo | Passivo |
Crédito: 100 | Depósitos à vista: 20
Divida ao banco ao B: 80 |
Crédito: 100
Divida do banco A: 80 |
Depósitos à vista: 180 |
Uma rede bancária pode conceder de maneira autónoma mais créditos (sem estar a fazer apelo ao refinanciamento interbancário) se a sua parte de mercado sobre os depósitos for importante. É por conseguinte estratégico para um banco procurar conquistar (ou manter) partes de mercado sobre os depósitos.
As fugas fora de cada rede bancária compensam-se perfeitamente se a relação dos créditos novos é igual à relação das partes de mercado de depósitos. Nesta hipótese não estaria em causa nenhuma operação de refinanciamento pois “todos os bancos andam ao mesmo passo” como disse Keynes). Esta condição é dita “de desenvolvimento equilibrado”.
(continua)
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