Panamá Papers – um reflexo do modelo neoliberal | Uma nota sobre os Panamá Papers – por Júlio Marques Mota

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Texto de Júlio Marques Mota

Uma nota sobre os Panamá Papers
Aos argonautas que nos vão lendo

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Vista da Cidade do Panamá

Uma nota sobre os Panamá Papers

Organizámos uma série sobre os Panamá Papers. A situação do Brasil levou à sua interrupção para podermos acompanhar de perto a situação neste país. Voltamos pois a este tema, retomando para o efeito a introdução já antes publicada para a seguir se dar então sequência aos Panamá Papers. A esta série daremos agora o título Panamá Papers- um reflexo do modelo neoliberal. Esta série será concluída com o texto Como Ganhar Milhões a Vender a Guerra, de Ken Silverstein, onde se mostra à evidência o sub-mundo que gera afinal os Panamá Papers com a diferença que por detrás deste sub-mundo político estão milhões de mortos.

Coimbra 2 de Maio de 2016

Júlio Marques Mota

 

Em 2009 um grupo de docentes responsáveis pela disciplina de Economia Internacional na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra levou a cabo um debate sobre Paraísos Fiscais com participação de economistas nacionais e estrangeiros. Para esse debate os organizadores realizaram uma brochura que talvez valha apenas rever agora, 7 anos depois deste colóquio.

Tratou-se de uma debate inserido numa Iniciativa mais ampla de debates que durou 5 anos e que eram planificados anualmente, no início de cada ano lectivo. Neste caso, o curioso é que este debate se realizou exactamente na véspera do G-20 ou do G-00, como queiram, em Londres e sob o mesmo tema.

Deste debate quero aqui apenas salientar um pequeno apontamento ocorrido com um dos participantes, o recentemente falecido José Silva Lopes, um homem sempre disponível para ajudar os mais novos, sempre condescendente com as suas falhas mas sempre exigente nas suas análises. Quando por nós convidado, respondeu-nos que nos conhecia de longa data, que lhe custava muito dizer que não aceitava o convite mas que do assunto não percebia nada! Respondemos-lhe que nós também não e que mesmo assim organizámos esta iniciativa. Não sabíamos, queríamos saber e num homem como ele não esperávamos uma atitude diferente .

Já me convenceram, disse ele sentindo-se uma certa alegria na voz. Contem então comigo, afirmou. E foi assim que contámos com a sua presença. No dia do colóquio almoçámos na Cozinha Portuguesa com Bernard Bouzon, da Attac e John Christensen da Tax Justice Network. O almoço, devido às minhas muitíssimas falhas em inglês falado levaram a que eu me encarregasse de ficar mais próximo de Bernard Bouzon, da Attac, enquanto Silva Lopes e Luis Peres, este um dos organizadores, se encarregavam de falar com Christensen. Jean de Maillard, um dos mais importantes juristas contra a corrupção em França que veio via Porto, chegou mais tarde, com o tempo para almoçar à pressa e partirmos para a Faculdade. Ficou ao lado de Bouzon e fiz eu as honras da casa. Falava francês.

Desse almoço ainda tenho presente a imagem de uma conversa muito animada com que Silva Lopes discutia acaloradamente com o inglês, entrecortado por vezes pelo meu colega Luis Peres Lopes. Para ele o debate, a via para o conhecimento do que eram os países fiscais, começava talvez aí. Mais tarde, pediu-me toda a documentação apresentada nas conferências e nos debates. Depois, dias depois, ouvi-o falar na televisão sobre a sua estada em Coimbra, das coisas terríveis que por cá aprendeu. E era um espanto a simplicidade com que o dizia. No fundo, um homem a não esquecer e que nunca o esqueci. O “banqueiro vermelho” terá reforçado aqui a sua costela à esquerda, penso eu.

programa

Dos tempos de então é talvez com um pouco de orgulho por aquilo que uma equipa de apenas três docentes conseguiu levar a cabo que vos apresento o programa realizado, uma iniciativa que apesar de subsidiada pela FCT, contou com o silêncio de muita gente, quer do vista institucional, aqui com exclusão do Prof. Doutor José Reis, quer do ponto de vista dos media que, apesar de sucessivamente instados para cobrirem o acontecimento, nada fizeram, nada disseram. Nomes como Jean de Maillard, como Attac, como Tax Justice Network, nada diziam pois aos nossos jornalistas. E pelos vistos o tema também não. Dos tempos de então é o que tenho aqui a relembrar. E dos tempos de hoje é com uma certa amargura que relembro este debate porque está tudo na mesma, 7 anos depois de estarmos na mais profunda crise de que se tem memória quer pela extensão quer pela duração. Talvez os Panamá papers sejam uma grande pedrada no charco, talvez as vagas da crise ampliem o efeito desta enorme pedrada no charco, talvez, ou talvez fique tudo na mesma, o que me parece mais provável.

Da brochura de então, onde se fala na linha de um certo Obama ao texto da Bloomberg sobre os Estados Unidos como o maior paraíso fiscal, é todo um arco de tempo, de história, de inacções, de corrupções, que temos vivido e contra o qual pouco se tem lutado, porque politicamente parece uma realidade distante para que as pessoas se movimentem mas agora que o sentem bem na pele, que a esquerda não perca mais uma oportunidade de colocar os paraísos fiscais na sua agenda política.

Devo aqui sublinhar um pequeno detalhe. Programada a mais de 9 meses de distância não se trata de pura coincidência a realização da iniciativa, porque do nosso ponto de vista trata-se de uma corrupção endógena ao sistema, não tanto às pessoas. A ocasião faz o ladrão, diz o ditado popular. O homem é também e sobretudo um produto das circunstâncias, terá dito Marx em O 18 de Brumário, creio. Ora o neoliberalismo é exactamente isso que realizou: levou ao extremo limite as circunstâncias, pela desregulação total dos mercados, financeiros, comerciais, de serviços, de investimentos directos, numa concorrência feroz, que permitiram à escala planetária a corrupção a que se assiste hoje. A lembrar um dos textos desta pequena série, diremos que o sistema se tornou uma verdadeira fábrica de muitos Topaze, a célebre personagem imaginada à quase 100 anos por Marcel Pagnol. É neste contexto que se pode claramente afirmar que, cinismo dos cinismos, mesmo as Instâncias Internacionais defendiam a optimização fiscal. Hoje mais prudentes falam em planeamento fiscal!

Não se tendo tocado no sistema, fazendo remendos e de fraca qualidade aqui e acolá, como é o exemplo dos acordos com a Suíça, natural é portanto que 6 anos depois esteja tudo na mesma e que a leitura de tudo isto seja a negação da Democracia, seja a de afirmar que os políticos são todos uns corruptos, os Topaze de Pagnol! É pois neste contexto que concebemos em conjunto a referida iniciativa sobre os Paraísos Fiscais, com a ideia de que é todo o sistema que deve ser mudado e não apenas o sistema financeiro, o que de resto seria impossível. Não deixemos que se passe a pensar que o problema é o que se passa com os Panamá Papers. Não, o problema é o sistema que gera os múltiplos Panamá Papers.

E é tudo.

Coimbra, 18 de Abril de 2016

Júlio Marques Mota

Desta série de textos sobre o tema Paraísos Fiscais constam entre outros:

1.Texto de Zero Hedge, “Fuga sem precedentes” expõe os criminosos negócios financeiros de algumas das pessoas mais ricas do mundo

2.Chems Eddine CHITOUR, A corrupção planetária : um não- acontecimento

3.Xavier Théry, Panamá Papers

4.Jesse Drucker, Bloomberg Businessweek, O novo paraíso fiscal mais pretendido no Mundo é os Estados Unidos

5.Jen de Dieu MOSSINGUE Panamá papers,

6.Maria Tadeo, Bloomberg, A Espanha política num impasse alimentado agora pelo Panamá Papers com a saída de Storia

7. Ken Silverstein, Relembrando os velhos fantasmas, Ferdinand Marcos, “Baby Doc” Duvalier e Pinochet, a propósito dos Panamá Papers .

Outros se seguirão.

E boa leitura dos textos que vos iremos oferecendo neste blog.

Júlio Marques Mota

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