Panamá Papers- um reflexo do modelo neoliberal | 3. O gabinete de advogados que trabalha para oligarcas, lavadores de dinheiro e ditadores – por  Ken Silverstein

Falareconomia1

Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

Panamá Papers – um reflexo do modelo neoliberal.

3. O gabinete de advogados que trabalha para oligarcas, lavadores de dinheiro e ditadores

Ken Silverstein

3 de Dezembro de 20

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Ilustrações de Ole Tillmann

Leia VICE NEWS: The Panama Papers: Massive Leak Reveals the Global Elite’s Secret Cash Havens

Um dos objectivos de uma dita empresa-fantasma ou empresa de fachada é que o dinheiro nela colocado não pode ser atribuído aos seus efectivos proprietários. Digamos, por exemplo, a empresa é propriedade de um ditador que quer financiar o terrorismo, subornar alguém ou roubar o Tesouro do seu país. A empresa de fachada é uma entidade falsa que lhe permite ter o dinheiro e movimentá-lo sob um nome falso, a de uma empresa fantasma sem que lhe seja aplicada a lei internacional ou sem que seja dado conhecimento às autoridades tributárias do seu país das suas actividades. Uma vez que o dinheiro está escondido como activos desta empresa que normalmente é criada por um advogado de confiança ou de compadrio num paraíso fiscal offshore para esconder a propriedade, o dinheiro pode depois ser gasto onde o seu titular o queira utilizar, mesmo para fins nefastos. Esta é a própria definição de lavagem de dinheiro em que se recebe o dinheiro sujo e limpa-se este dinheiro introduzindo-o legalmente no sistema através de empresas que são criadas com essa mesma finalidade. Também se diz lavagem de dinheiro pelo facto de o dinheiro sujo de Al Capone ser reciclado através das suas lavandarias, onde entrava como receita de “serviços não prestados” . Estas empresas fantasmas são também chamadas as “vias de fuga” pelos “ bancos vigaristas”

Às vezes, porém, os investigadores internacionais são capazes de seguir o trajecto percorrido pelo dinheiro. Tomemos o caso de Rami Makhlouf, o empresário mais rico e poderoso na Síria. Makhlouf é amplamente considerado como sendo o testa de ferro , o “bagman” -a pessoa que recolhe e controla os fundos desviados pelo presidente Bashar al Assad, que durante os últimos três anos contribuiu para a morte de mais de 200.000 cidadãos do seu país em guerra civil.

Por detrás de Assad, na Síria, há algumas pessoas mais que são tão odiadas quanto Makhlouf. Este é primo do presidente e irmão do chefe dos serviços de informação da Síria. Utilizando certas ligações , construiu uma rede de negócios que vai desde as telecomunicações à energia, da energia à banca, e ao longo do tempo terá acumulado uma fortuna estimada na casa dos milhares de milhões. Quando começou a revolta contra o regime no início de 2011, os manifestantes incendiaram uma empresa de telemóveis propriedade do seu filho e cantaram , “Makhlouf é um ladrão!”

Em 2006, a revista britânica The New Statemen escreveu que “nenhuma empresa estrangeira pode fazer negócios na Síria sem a aprovação e o envolvimento de Makhlouf”, e uma informação enviada em 2008 pela embaixada americana em Damasco e divulgada pelo WikiLeaks descrevia‑o como o “exemplo do que é a corrupção na Síria . ” Naquele mesmo ano, o Departamento do Tesouro dos EUA proibiu as empresas americanas de fazerem negócios com Makhlouf, dizendo que ele “tinha construído um império através da exploração das suas relações com membros do regime da Síria” e “usava os serviços secretos para intimidar os seus concorrentes nos negócios que lhe interessavam .”

Quando a guerra síria civil começou em 2011 e as forças de segurança estatais começaram a disparar contra oponentes de Assad, os EUA e a União Europeia puseram na sua lista Makhlouf como sendo um dos comparsas do regime de Assad cujos activos internacionais poderiam ser rastreados e apreendidos, porque, como o Departamento do Tesouro afirmou , ele tinha enriquecido subornando e “ajudando a corrupção pública das autoridades do regime sírio.”

Se Makhlouf era um ladrão de banco, o seu carro de fuga era uma empresa chamada Drex Technologies SA. Em Julho de 2012, o Departamento do Tesouro identificou Drex – uma entidade fictícia com uma morada nas Ilhas Virgens Britânicas – como o veículo empresarial que Makhlouf secretamente controlava e usava “para facilitar e gerir os seus activos financeiros internacionais.” Por outras lado, diz-se também que Makhlouf tinha ganho alguns milhões de dólares através de uma actividade secreta com um alto funcionário sírio retorcido. Ele não iria colocar esse dinheiro numa conta bancária em que esta poderia ser ligada à sua pessoa. Ao contrário, ele iria canalizar através de Drex tanto dinheiro quanto ele pudesse obter …

No final de Outubro, eu próprio obtive vários documentos sobre DREX com origem num escritório de negócios registado nas Ilhas Virgens Britânicas. Os registos revelam muito pouco, o nome de Makhlouf, por exemplo, não está em nenhum deles. Foi só porque a guerra civil síria tinha levado a investigações internacionais para tentar rastrear e congelar os bens de Makhlouf e outros bandidos do regime de Assad que o Tesouro dos Estados Unidos descobriu que ele controlava a empresa de nome DREX e era mesmo o seu proprietário e accionista. Nesse tempo o Departamento do Tesouro terá actuado demasiado tarde e Drex tinha desaparecido do registo das empresas sediadas nas ilhas Virgínias Britânicas. Por outras palavras, Drex Technologies SA foi um veículo que escondia as actividades financeiras obscuras de Makhlouf e antes de ter sido descoberto Makhlouf teve muito tempo para movimentar operações e activos de DREX para outras jurisdições offshore.

Em todo o mundo, há um grande número de empresas concorrentes, e muitas delas fazem o registo de empresas fantasmas tão obscuras como DREX .

Ainda aqui, quem é que torna estas entidades fantasmas possíveis ? Para exercerem actividades, as empresas de fachada, como Drex precisam de um agente registado, por vezes, um advogado, que apresenta os documentos necessários para a constituição da empresa e cuja morada serve normalmente como endereço da empresa fantasma. Este processo cria um tabique entre a empresa fantasma e o seu proprietário, especialmente se a empresa fictícia é registada num paraíso fiscal, onde as informações quanto à propriedade das empresas são protegidas por um muro impenetrável de leis e de regulamentos. No caso de Makhlouf- e pessoalmente descobri, no caso de vários outros empresários corruptos e gangsters internacionais igualmente- a organização que ajudou a criar a sua empresa de fachada e a protegê-la de escrutínio internacional era uma firma de advogados chamada Mossack Fonseca, que tinha servido como o agente que registou a empresa Drex, a 4 de Julho de 2000 até ao final de 2011.

Esta empresa foi fundada no Panamá em 1977 por Jurgen Mossack, de origem alemã, e por um homem do Panamá chamado Ramón Fonseca, vice-presidente do actual partido que governa o país, a que mais tarde se juntou um terceiro director, o advogado suíço Christoph Zollinger. Desde os anos 70 o escritório de advocacia tem alargado o espaço das suas operações e agora trabalha com escritórios situados em 44 países, incluindo Bahamas, Chipre, Hong Kong, Suíça, Brasil, Jersey, Luxemburgo, Ilhas Virgens Britânicas, e-talvez o mais preocupante -os EUA, ou mais especificamente os estados de Wyoming, Flórida e Nevada.

Mossack Fonseca, é claro, não está sozinho na criação de empresas de fachada utilizadas por criminosos de todo o mundo e também para a evasão fiscal. Por todo o mundo, há um grande número de empresas concorrentes, e muitas delas fazem o registo das empresas fantasmas que são tão opacas como a empresa Drex. Prova disso, inclui-se o caso de Viktor Bout, que, na década de 1990, vendia armas para os talibãs através de uma empresa fantasma registada em Delaware. Mais recentemente, em 2010, um homem chamado Khalid Ouazzani declarou-se culpado por utilizar uma firma sediada em Kansas City, Missouri, chamada Truman Used Auto Parts para movimentar dinheiro para a Al Qaeda.

A dispersão de novas contas e a investigação internacional apontavam para Mossack Fonseca como um dos maiores criadores à escala mundial de empresas de fachada criadas por todo o mundo, mas este tinha, pelo menos até agora, utilizado uma variedade de truques legais e contabilísticos que lhe terão permitido que ele e os seus clientes tenham escapado nas suas actividades aos radares das autoridades .

(A empresa recusa esta classificação e afirma num e-mail que “não há nenhum registo de tribunal ou documento governamental que tenha alguma vez identificado Mossack Fonseca como um criador de empresas ” fantasmas “. Qualquer coisa que ligue o nosso grupo a” actividade criminosa “ é infundada, na medida em que na verdade não fomos até agora notificados de nenhuma acusação quanto à existência de qualquer processo judicial … sobre isto… até agora. “)

Mas uma investigação feita desde há um ano revela que Mossack Fonseca-que o The Economist descreveu como um líder notável da indústria “de boca fechada” na finança offshore- serviu como o agente registado para as empresas de testa de ferro ligadas a uma série de gangsters notórios e de ladrões que, adicionalmente a Makhlouf, inclui associados de Muammar Kadhafi e de Robert Mugabe, bem como um multimilionário israelita que tem saqueado um dos países mais pobres da África e um oligarca de negócios chamado Lázaro Báez, que, segundo registos do tribunal dos EUA e de um procurador federal na Argentina, terá lavado dezenas de milhões de dólares através de uma rede de empresas de fachada, algumas delas registadas por Mossack Fonseca em Las Vegas.

(continua)

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