Panamá Papers- um reflexo do modelo neoliberal | 3. O gabinete de advogados que trabalha para oligarcas, lavadores de dinheiro e ditadores – por  Ken Silverstein IV

Falareconomia1

Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

Panamá Papers – um reflexo do modelo neoliberal.

3. O gabinete de advogados que trabalha para oligarcas, lavadores de dinheiro e ditadores

Ken Silverstein

(conclusão)

Este tipo de falsa separação é uma táctica utilizada por muitas grandes firmas semelhantes, porque permite que a empresa repudie qualquer conexão dos seus escritórios às autoridades locais, se a porcaria feita atinge o ventilador a partir de um ponto de vista legal. É uma espécie de actuação semelhante à forma como Walmart opera no Bangladesh, distanciando-se das fábricas sweatshops através de longas e complexas cadeias de abastecimento. (Tal como Walmart, Mossack Fonseca nunca é directamente processada pelas actividades das suas filiais.) “Estas são organismos perfeita e verticalmente integrados de cima para baixo até ao limite e até que um policia ou um investigador apareça”, diz Jack Blum, um especialista na lavagem de dinheiro. “Então estes organismos desintegram-se numa série de entidades desconectadas, e toda a gente jura que ninguém sabe nada sobre qualquer outra pessoa no sistema. É como um quebra-cabeça que está de propósito assim montado. De repente, cai por terra quando alguém começa a investigar.”

Na verdade, isso é exactamente como Mossack Fonseca respondeu quando questionado sobre as actividades obscuras a que estaria ligado em Las Vegas. Enquanto não há nenhuma maneira de saber exactamente quem está por trás da vasta maioria de empresas de fachada que a firma de advogados tem ajudado a criar, uma investigação criminal em curso na Argentina e um caso relacionado no Tribunal Distrital dos Estados Unidos de Nevada e envolvendo o oligarca Lázaro Báez oferecer uma ideia sobre tudo isto . Os registos da investigação e os judiciais alegam que Báez é o secreto proprietário de mais de 100 empresas fantasmas que Mossack Fonseca ajudou a estabelecer em Nevada. Todos elas geridas por Aldyne Ltd , uma empresa anónima que Mossack Fonseca registou nas Ilhas Seychelles, segundo a acusação. (Mossack Fonseca não tem sido acusado até à data nem Argentina nem no Nevada, mas um dos seus operadores em Las Vegas tem deposto no caso em análise e o tribunal distrital exigiu à Baez que entregasse os registos relacionados com as empresas de fachada utilizadas uma ordem relativamente à qual se recusou a cumprir totalmente).

Um antigo caixa do banco, Báez construiu um vasto império de negócios através dos contratos concedidos pelos seus amigos próximos, Cristina e Néstor Kirchner, presidentes atuais e anterior da Argentina, respectivamente, e os seus aliados políticos na sua província natal, de acordo com boletins noticiosos e com os investigadores. Báez foi destituído quando o seu patrão Néstor morreu, em 2010, a quem ele erigiu um mausoléu de três andares para abrigar os seus restos mortais. Os promotores de justiça alegam que as empresas fantasmas de Nevada faziam parte de uma rede que Báez utilizou para movimentar em offshores mais de $65 milhões em fundos desviados dos projectos das infra-estruturas pública.

As empresas ligadas a Báez em Nevada foram registadas por MF Corporate Services, cujo director assistente, Patricia Amunategui, foi convidada pela sede de Mossack Fonseca para servir como secretária de Aldyne Ltd., segundo uma fonte próxima do processo. Quando questionada sobre as actividades ilegais de empresas clientes do passado, a resposta de Mossack Fonseca era a de me lembrar um e-mail onde dizia que “os agentes registados não são passíveis de nenhuma ligação, qualquer que ela seja, com as transacções comerciais ou quaisquer outras relações feitas pelas empresas que registaram.” Pela sua parte, Amunategui – de origem chilena, trabalhou anteriormente como garçonete no casino e, com base na sua página do Facebook, pratica ioga, espiritismo, e caminhadas e admira o Dalai Lama, o Tea Party, e o antigo ditador chileno Augusto Pinochet – pretende que MF Corporate Services, “não tem, nem nunca teve qualquer tipo de relacionamento com Lázaro Báez.” Ela também afirma que também não tem nenhuma relação de trabalho com Mossack Fonseca-embora há alguns anos atrás tenha fornecido um testemunho disso que foi usado numa Universidade de Nevada, Las Vegas, onde se diz preto no branco que depois de ser graduada a partir do seu programa paralelo “conseguiu um excelente trabalho como o vice-presidente de Mossack Fonseca, uma firma internacional de advogados “. (Ela pretende agora que foi mal citada .) Amunategui era a pessoa que eu mais gostava de encontrar quando parti para Las Vegas no início de Novembro.

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“O seu carro está no espaço B-15”, disse-me a vigésima não sei quantas funcionária da Avis depois de ter aterrado no Aeroporto Internacional McCarran. “B como no bordel.”

A sua cara parecia completamente inexpressiva, o que não me assegurava se seria insultado ou se seria simplesmente divertido. Eu tinha trabalhado durante todo o dia desde que parti de Washington em dois voos de longo curso em classe económica, e chegados a este ponto já tanto se me dava, uma situação ou outra. Foi bom ter ido a Las Vegas, mesmo se o aeroporto tem como nome Pat McCarran, o viciado nos casinos, anti-semita, racista, simbolizado na figura do corrupto senador do Nevada em The Godfather: Part II .personagem que tem como base exactamente Pat Carran.

Nevada tornou-se o quartel-general para uma variedade de planeadores de esquemas de Ponzi, de empresários vigaristas, de manipuladores dos mercados bolsistas e obrigacionistas, de vigaristas de internet e de gente a viver da evasão fiscal.

Em 2001, o legislador de Nevada examinou um projecto de lei que iria encorajar as empresas a registarem-se no Estado de Nevada protegendo-as da obrigação de transparência e das responsabilidades legais. “Nós estamos a segurar num cartaz que diz: “’gente desonesta e artistas na arte de roubar sejam bem vindos aqui'” diz-nos o senador Dina Titus no decorrer de um debate sobre o projecto lei, cujos defensores argumentam que seria gin tónico em face às receitas extremamente necessárias.

Titus, que agora trabalha na Câmara dos Representantes dos EUA, em vez bizarramente andar a defender o “Sim” no projecto de lei, apresentava o seu cartaz devidamente exposto. No espaço de poucos anos Nevada tinha-se tornado o quartel-general para uma variedade de planeadores de esquemas de Ponzi, empresários vigaristas, manipuladores de mercados bolsistas, vigaristas na internet e também de gente a servir-se da evasão fiscal. Entre eles estava Donald McGhan, que em 2009 foi alvo de uma sentença de dez anos por ter andado a vigarizar investidores em quase US $ 100 milhões por meio de um empreendimento imobiliário fraudulento chamado Southwest Exchange e o comerciante de armas Mitchell Wade, que utilizou uma empresa fantasma registada no Nevada para canalizar um suborno para o então congressista Randy Cunningham. (Os dois foram condenados durante um almoço quando Cunningham apresentou um diagrama em papel timbrado do Congresso com a lista fatal das luvas que tinha recebido de Wade e em troca quais os contratos federais correspondentes que ele coordenou nessa base.)

O secretário do site do Estado de Nevada oferece uma série de razões para as empresas se registarem em Nevada , vangloriando-se da ausência de impostos sobre os lucros das empresas e a quase impossibilidade de furar o “véu empresarial”. Este tipo de regras ajudou a conceber cerca de 300.000 empresas activas para o Estado, uma por cada nove residentes, com uma receita líquida de US $ 133 milhões só em 2012. Uma grande parte da actividade é potencialmente criminosa e o subsecretário de Estado Scott Anderson disse no seu gabinete que tem tomado uma série de medidas para reprimir abusos, compreendo essa regra que proíbe estritamente qualquer um de criar uma empresa fantasma em Nevada para cometer um crime. “Com certeza, se alguém vai fazer alguma coisa ilegal”, admitiu Anderson, “eles provavelmente não o iriam divulgar.”

Um dia, durante a minha viagem eu entrevistei Cort Christie, à frente de Nevada Corporate Headquarters, um das mais prolíficas firmas de criação de empresas fantasma do Estado de Nevada. A sua empresa está localizada num enorme edifício de escritórios estéreis situado numa área chamada Spring Valley. Christie é um antigo membro da poderosa Registered Associação Agent (MF Corporate Services é um membro), politicamente bem implantada que “está a trabalhar para garantir o futuro do Estado como centro de integração de empresas na América”, segundo um site do grupo. Neste site adverte-se que ” se o ambiente enormemente favorável em vantagens fiscais para as empresas se perder então é também a reputação do próprio Estado de Nevada que será perdida também. Uma vez que a confiança do público for atingida esta não pode facilmente ser reparada .”

No ano passado, a NRAA tem feito lobby contra uma proposta do secretário de Estado, que teria reforçado as regras que desencorajam o sigilo empresarial . O projeto de lei, de que Christie me falou “teria refreado a ideia de que as pessoas podem vir aqui e esconderem-se”, foi massivamente rejeitado.

Na manhã do dia 04 de Novembro, passeei pela parte baixa do Casino Center Boulevard passando pelo coração da baixa de Las Vegas, até ao Golden Nugget e El Cortez (o casino original pertencia à cidade ) e à maior concentração de restaurantes na América que nos propõem jantares de carne assada a $ 9,99 por pessoa. Então virei pela Interstate 15 e em direcção ao sul de Henderson, um subúrbio onde os centros comerciais gigantescos dão lugar a uma mancha de casas de estilo dispersas.

MF Corporate Services está situada no complexo Professional Park Place, que abriga vários edifícios idênticos de um andar e com telhados vermelhos. Há apenas alguns carros no parque de estacionamento, e eu não vi ninguém sair. Um sinal de metal vermelho-e-branco MF Corporate Services, colocado sobre um conjunto de pedras e de cactos, sopra tristemente na brisa morna dessa altura.

Tanto quanto eu poderia dizer a partir de registos públicos e dos documentos judiciais, MF Corporate Services não faz nenhuma visita de trabalho puramente casual – a sua única finalidade parece ser a configuração de empresas fantasmas em Nevada para os clientes de Mossack Fonseca e a configuração remota nunca dissipa essa impressão. Amunategui comanda as operações do dia-a-dia, embora os documentos internos da empresa encontrados em registos do tribunal mostram que ela funciona estreitamente com empregados de Mossack Fonseca no Panamá, Como Leticia Montoya, a guardiã de registo para dezenas de empresas fantasmas ligadas a Lázaro Báez.

Montoya tem tido uma carreira bastante marcada, tendo anteriormente previamente registado ou servido como o director de referência para no mínimo seis empresas anónimas que estiveram envolvidas em grandes escândalos internacionais da corrupção. Entre estas está uma empresa panamiana fantasma de nome Nicstate, entre cujos proprietários beneficiários estará incluído o anterior presidente nicaraguense Arnoldo Alemán, “ o homem gordo”. A empresa Nicstate e outros veículos offshore foram utilizados para desviar quase $100 milhões de fundos do Estado para os seus próprios bolsos. Montoya ajudou igualmente a criar Mirror Development Inc.,, que a empresa alemã Siemens utilizou para canalizar subornos destinados às autoridades oficiais do governo da Argentina que a ajudaram a ganhar um contrato de mil milhões de dólares para produzir os cartões de identificação nacional da Argentina. Este era apenas uma componente de um esquema global criado por Siemens, que igualmente usou ligações entre empresas para subornar as autoridades dos governos no Bangladesh, Venezuela e no Iraque, onde os receptores incluíram Saddam Hussein.

Imaginei que a minha melhor possibilidade de falar com Amunategui seria se eu aparecesse inesperadamente, pois que neste caso evitaria fazer antecipadamente o pedido de me encontrar com ela. Quando bati na porta de vidro da MF Corporate Services, um homem segurando um pisa-papéis, sentado numa cadeira azul colocada no átrio do escritório, faz-me sinal. Um saco de lixo plástico branco cheio de documentos soltos estava colocado ao lado da porta, e um mapa emoldurado do mundo estava pendurado numa parede. Havia quatro relógios acima dele, mostrando o tempo em Las Vegas, Hong Kong, Suíça e Panamá.

O homem na cadeira – um serralheiro, virou-se – chamou por Amunategui quando pedi para falar com ela e ela aparece surgindo de um gabinete dos fundos . O seu rosto estava salpicado de sardas, e ela usava o cabelo castanho comprido num carrapito. Ela franziu a testa suavemente e recusou-se a falar quando eu lhe disse que era um jornalista interessado no trabalho feito por MF Corporate Services para Báez. “Dê-me o seu nome, e eu vou ver se o nosso advogado pode falar consigo “, disse ela, agitando um dedo no sentido negativo.

” O advogado de Mossack Fonseca?” perguntei . 

“Não, o advogado da minha empresa”, respondeu ela, referindo-se a MF Corporate Services. “São empresas separadas.”

Eu fiquei parado por momentos sob o brilho intenso das luzes do tecto, tentando desesperadamente descobrir uma maneira de manter a conversa. Havia tanta coisa que eu ainda queria saber, e Amunategui era a pessoa mais próxima com quem eu poderia falar e que estava actualmente muito ligada com Mossack Fonseca.

Eu quis-lhe perguntar sobre certas pessoas que tinham estado conectadas a empresas fantasma criadas por Mossack Fonseca para o governo dos EUA, aos registos judiciais, às investigações internacionais e ao meu ano de investigações: Billy Rautenbach, considerado o homem da mala para Robert Mugabe, o governante de longa data do Zimbabwe; Yulia Tymoshenko, uma ex-primeiro-ministra e oligarca ucraniana apelidada de “princesa do gás”; Beny Steinmetz, um multimilionário israelita que tinha alegadamente utilizado a firma Mossack Fonseca para a criação de uma empresa fantasma constituída nas Ilhas Virgens Britânicas para pagar um suborno para a esposa do ditador homicida da Guiné, onde Steinmetz procurou (e, posteriormente, conseguiu obter ) uma enorme concessão mineira . Eu quis mesmo perguntar-lhe se se sentia bem com a página do Facebook de Mossack Fonseca e do Twitter, que apresentam imagens de beneficiários sorridentes pelo apoio de caridade dado pela empresa e sobre os likes de Thomas Edison e Dr. Seuss (“Hoje você é você! Isto é a mais verdadeira das verdades! “).

Mas Amunategui não diria uma só palavra depois de tomar conhecimento das minhas coordenadas pessoais. Ela prometeu que iria passar para o seu advogado. Ela nem sequer se preocupou em me acompanhar até à porta, mas esquivou-se para o seu gabinete pessoal, sentou-se a uma secretária onde estavam alguns processos dispersos e pacotes de FedEx, e pegou no telefone. Eu podia ouvi-la a falar do corredor, e embora eu não consiga transcrever o que estava a dizer, ela estava a falar claramente de forma agitada, presumivelmente com o advogado da empresa acima mencionado (que eu não cheguei a conhecer).

A recusa de Amunategui em responder às minhas perguntas foi frustrante, mas não surpreendente. Quando se trabalha com Mossack Fonseca, há uma série de segredos sujos a guardar e, por isso, estar de boca fechada talvez seja a parte mais importante do seu trabalho.

Ken Silverstein, The Law Firm That Works with Oligarchs, Money Launderers, and Dictators. Texto disponível em :

http://www.vice.com/read/evil-llc-0000524-v21n12

Ken Silverstein é um reporter de  First Look Media

Panamá Papers- um reflexo do modelo neoliberal | 3. O gabinete de advogados que trabalha para oligarcas, lavadores de dinheiro e ditadores – por  Ken Silverstein III

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