GIRO DO HORIZONTE – NAKBA – por Pedro de Pezarat Correia

 

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Nakba é o termo com que os árabes e, em particular os palestinianos, referem o acontecimento sobre o qual, na semana finda, se completaram 68 anos. Foi a declaração unilateral, pela comunidade judaica da Palestina, do Estado de Israel, em Maio de 1948. Nakba significa, em árabe, catástrofe e é uma catástrofe que os palestinianos assinalam.

Mas a efeméride incluiu outra data funesta para a Palestina e que está na origem da tragédia que os palestinianos sofrem desde há 100 anos. Fazia no dia 17 exatamente um século que foi assinado o Acordo Sykes-Picot, ministros dos Negócios Estrangeiros (MNE) britânico e francês que, em pleno decurso da Primeira Guerra Mundial (IGM), definiam o destino do espólio do Império Otomano no Médio Oriente, que já era então previsível. A França ficaria com a Síria e o Líbano, o Reino Unido (RU) com a Jordânia e o Iraque, situações que depois do fim da guerra, em 1918, a recém-criada Sociedade das Nações (SDN) viria a confirmar, sob regimes de mandatos. À Palestina só em 1920 seria atribuído esse estatuto conferido ao RU.

A Palestina era, então, nas fronteiras atuais, um território onde conviviam uma comunidade árabe muçulmana de +/– 1.200.000 pessoas e uma comunidade judaica de +/– 50.000 pessoas também maioritariamente árabes, vivendo em colonatos e em Jerusalém, e uma minoria de origem europeia concentrada na cidade de Tel Avive.

Os mandatos da SDN deveriam ser transitórios para independências, mas a França e o RU foram protelando as transições que só viriam a consumar-se depois da Segunda Guerra Mundial (IIGM). Londres tratou sempre a Palestina como um caso especial, por pressão do forte lobby judaico no RU. Procurava captar a simpatia dos judeus na Europa, incentivando o êxodo para a Palestina, a “terra prometida”, acolhendo o projeto sionista de Theodor Herzl, de 1888, do “Lar Judaico na Palestina”, ao mesmo tempo que tentava cativar os árabes com a promessa da independência.

Em Outubro de 1920, quando a comunidade judaica já atingia cerca de 300.000 habitantes, foi assinado o Acordo de Paz de Sèvres que formalizava o fim do Império Otomano e Londres assumiu o mandato para a Palestina. Incluía a “Declaração Balfour”, nome com que passou à história a carta do então MNE britânico Arthur James Balfour dirigida ao líder da comunidade judaica no RU, Barão de Rothschild, favorável ao Lar Judaico na Palestina. A declaração definia um plano de partilha do território, Estado Judaico a N, Estado Árabe a S, Jerusalém cidade livre sob administração internacional. Era um projeto leonino favorável aos judeus que, apesar da migração maciça, ainda não chegavam a ¼ dos muçulmanos mas recebiam metade do território e ficavam com regiões estratégicas dominantes, nomeadamente a bacia do rio Jordão que lhes conferia o controlo dos escassos recursos aquíferos.

Os árabes rejeitaram o Plano Balfour.

Nos anos que se seguiram manteve-se um impasse enquanto crescia a tensão e aumentava a imigração e judeus europeus, incentivada pela subida dos nazis ao poder na Alemanha e a perseguição aos judeus que viria a verificar-se, aí e em países ocupados na IIGM. Finda a guerra a ONU aprovou novo plano para a Palestina, ainda mais leonino para os judeus e que os árabes, mais uma vez, recusaram. Grupos radicais judaicos desencadearam uma campanha terrorista contra os ingleses e contra os muçulmanos e, em Maio de 1948, consumava-se a catástrofe, a Nakba. Os ingleses abandonaram a Palestina, os árabes palestinos e dos Estados vizinhos recusaram a declaração do Estado Judaico, estalava a primeira Guerra Israelo-Árabe. Aqui se iniciou uma dinâmica que nunca mais deixou de se agravar, até hoje: expansão de Israel, inviabilização do Estado Palestino, aumento dos refugiados palestinos para os países vizinhos, cobertura absoluta do ocidente a Israel. O conflito israelo-árabe tornou-se guerra permanente em que alguns picos de crise, como as guerras dos Seis Dias em 1967, de Yon Kipour em 1973, as intifadas, as guerras em Gaza ou no Líbano, sempre reforçam aquela dinâmica: mais territórios ocupados, mais colonatos israelitas, mais refugiados, mais guetos. A atitude da ONU, dos EUA, da UE, tem sido de uma sistemática hipocrisia, lavrando sucessivas resoluções, condenações, imposições, que Israel pura e sistematicamente ignora. A arrogância com que Israel despreza as resoluções da ONU é um insulto. Entretanto os aspetos fundamentais continuam esquecidos: Jerusalém, colonatos, refugiados, água. Só uma questão preocupa o Ocidente, o direito à existência do estado de Israel e à sua segurança. Mas silencia o direito à existência do Estado da Palestina e à sua segurança. Impune.

Israel está a tornar-se um Estado de regime de apartheid, com todos os contornos do que vigorou na África do Sul. Teremos oportunidade de voltar a este tema. Israel é a única potência nuclear da região, clandestina porque não se assume como tal, furtando-se ao controlo e fiscalização e aos ditames do Tratado de Não-Proliferação, mas permite-se ditar quem pode (ele próprio) e quem não pode (os Estados árabes) dispor da arma nuclear.

Israel goza de um estatuto de exceção no sistema internacional. Porque o Ocidente sofre, ainda, do complexo de culpa pelas perseguições a que os judeus foram sujeitos durante séculos e, em especial, pelo holocausto que os vitimou na IIGM. Os europeus estão a saldar as contas com os seus complexos de culpa à custa dos palestinos, que nunca tiveram nada a ver com as perseguições cem com o holocausto.

Os palestinos têm razões de sobra para não permitirem que a Nakba caia no esquecimento.

23 Maio 2016

 

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