AO REDOR DO LAROUCO (10) – XICO PÓPÓ, por RUI ROSADO VIEIRA

XICO PÓPÓ

Os domingos eram, na aldeia, dias de descanso obrigatório, escrupulosamente cumprido por todos seus habitantes. Não que tal fosse determinado por lei governamental ou norma de um qualquer contrato de trabalho, mas porque assim se encontrava estabelecido por tradição multisecular.

Manhã cedo, era ver, cada um em suas casas, cuidando da aparência, vestindo as peças de roupa em melhor estado, lavando as socas sujas de lama e bosta, tudo apressadamente, porque em breve o sino avisaria que era hora da missa se iniciar e o padre não esperava por ninguém.

As dificuldades de movimentos e a excitação no interior das casas eram, contudo, maiores quando a área das habitações se reduzia e o número de seus moradores aumentava.

Serra do Larouco - IV

Tal era o que acontecia na pequena e escura residência que albergava os treze membros da família de Xico Pópó, cujo chefe acabara, naquele dia, por chegar atrasado à igreja e, por isso, tivera de ficar em pé, e assistir à celebração da missa à entrada da porta.

Aquele dever religioso não constituía, porém, o único acontecimento importante do dia. Todos os domingos, terminada a liturgia, os crentes reuniam-se no exterior do templo para participar na assembleia que, presidida pelo regedor, havia de decidir sobre a administração da aldeia e do seu termo.

A localização dos intervenientes na assembleia não era aleatória. As mulheres alinhavam-se paralelas ao riacho que corria junto ao muro que cercava o lado direito do adro. Os homens agrupavam-se frente àquelas. Entre os dois grupos, em ponto proeminente do terreno, de chapéu na cabeça, camisa branca e casaco, relógio no bolso do colete, preso por luzidia corrente, de papel e lápis na mão – o regedor.

O assunto principal a tratar na reunião daquela manhã soalheira de domingo, era o arranjo dos caminhos que circundavam a aldeia, danificados pela invernia e pela passagem do gado. Tal função era obrigatória para todos agricultores proprietários de muares, gado vacum e carros de bois.

O regedor iria nomear os homens que se encarregariam de limpar as valetas e tapar os buracos dos caminhos no próximo sábado ou, em alternativa, no sábado ou segunda-feira seguintes, para os que faltassem à primeira convocatória. Lembrando os procedimentos habituais para tal trabalho, sem esquecer de referir que quem se furtasse a cumprir tal obrigação seria sujeito à coima prevista.

Terminada a missa, a área exterior ao adro destinada às reuniões do povo, onde o regedor já ocupava o seu lugar, começava a preencher-se. Homens e mulheres encaminharam-se como determinava a tradição para os seus respetivos espaços.

O presidente do conclave, após observar atentamente a assistência, concluiu que podia dar início à reunião, a qual, tendo em conta o conhecimento prévio que todos tinham sobre o seu conteúdo, se limitava a pronunciar os nomes dos que haviam de comparecer ao trabalho, na tarde do sábado seguinte.

De papel na mão, em voz alta, empertigado pela função que ali desempenhava, o regedor, em tom apropriado à importância do ato, começou a desfiar os nomes: “José Toupo, João da Eira, Joaquim Gralhas, Manuel Carroça, António da Venda, João da Luísa, Manuel Pernas, José da Ribeira, e (quase a findar), Xico Pópó…”

O representante da autoridade preparava-se para anunciar o nome seguinte quando, de repente, fortes gargalhadas, provenientes, primeiro de uma parte da assistência e, de seguida, da generalidade dos presentes, o impediram de continuar.

Rapidamente se soube o porquê de tanta risada. Xico Pópó, ainda em casa, na pressa de se vestir, enfiara as calças ao contrário.

Tia Brásia, observadora atenta, fora a primeira a aperceber-se da ridícula situação. Não se conteve e gritou para que a assembleia ouvisse: “Pópó, então não vês que trazes os quilhões no cú!”.

Serra do Larouco - V

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