Selecção e tradução de Júlio Marques Mota
Sobre as mentiras emitidas pelas Instituições Internacionais, assumidas como verdades pelos governos nacionais e difundidas pelos seus media – uma pequena série de artigos
2. A louca razão pela qual podemos estar outra vez confrontados com uma tremenda crise na Grécia
Matt O’Brien April 20
(Simon Dawson/Bloomberg News)
Às vezes é difícil dizer se a história se está a repetir como tragédia ou como farsa.
Afinal a Grécia teve muito de ambas nestes últimos oito anos. A sua economia contraiu-se tanto quanto a dos Estados Unidos durante a Grande Depressão, em resultado disso o governo entrou em colapso de forma repetida e já vai no terceiro resgate — sem o qual seria forçada a sair da zona euro. Quão más é que estão as coisas? O Primeiro-ministro grego Alexis Tsipras limitou-se a alardear o facto de que a taxa de desemprego do país caiu de 26,5% para 24,9% e que houve um mês no ano passado em que a produção industrial da Grécia cresceu mais do que qualquer outro na Europa.
Quando a vida nem sequer limões nos dá, só nos resta ir apanhar amoras silvestres.
A Grécia pode até nem ser capaz de isso fazer, apesar de tudo, se começar outra vez a lutar contra as condições do resgate. Isso traria de volta o medo de que possa não continuar na zona euro e, consequentemente, traria de volta o incentivo para as pessoas tirarem todos os seus euros dos bancos do país antes que possam ser convertidos em dracmas que não valeriam nem de longe nem de perto o mesmo. A sua já de si desapontante recuperação económica passaria ao absolutamente nada.
E isto leva-nos às más notícias. A Grécia, na verdade, armou uma zaragata com o Fundo Monetário Internacional por causa do “resgate”, sobre o qual ambos, conjuntamente com a Comissão Europeia, concordaram em concordar no ano passado. Mas —e é aqui que é difícil distinguir a tragédia da farsa — não é pela razão que à primeira vista se pode pensar. É o FMI que quer que a Grécia faça menos austeridade enquanto a Grécia quer fazer mais austeridade desde que os cortes não atinjam os pobres. Por outras palavras, o branco é preto, o topo é o fundo, e cães e gatos convivem pacificamente.
Mas voltemos um pouco atrás. Em primeiro lugar, como é que a Grécia aqui chegou? Fácil: o seu governo gastou demasiado durante o boom e os seus credores forçaram-no a cortar demasiado quando rebentou a crise sem lhe dar qualquer hipótese de crescimento. Isso significa que a Grécia não só tem uma montanha de dívidas para pagar, mas também que é menos capaz de as pagar já que a sua economia tem uma dimensão muito menor do que antes, cerca de 25 por cento menor no total. É assim que se chega a uma dívida de 179% do produto interno bruto.
Agora, o pequeno segredo sórdido da Europa, que não é bem um segredo, é que a Grécia nunca irá pagar tudo o que deve. Seria necessário muito mais inflação para que isso acontecesse, o que não é possível enquanto fizer parte da zona euro. Mas os políticos, é claro, não podem dizer tal coisa. Em vez disso, recorrem a um bom par de mentiras: que a Grécia pode pagar e vai pagar a sua dívida. E é aqui que as coisas se tornam complicadas. Para manter esta ficção, a Grécia precisou de um resgate a seguir a outro para poder pagar o que deve hoje, e teve de fazer um orçamento de austeridade a seguir a outro para poder pagar o que deve amanhã — ou pelo menos dizerem isso com algo parecido com uma cara séria.
A questão, então, é saber quão crível é esta segunda parte. O FMI não acha de todo que isso seja crível. Pense nisto: supõe-se que a Grécia force grandes subidas de impostos e grandes cortes na despesa que, excluindo os juros da dívida, permitam conseguir um excedente primário de 3,5 por cento do produto interno bruto até 2018 — e manter-se então nesta situação de excedente primário durante décadas. Mas o problema é que, como os economistas Barry Eichengreen e Ugo Panniza salientaram, dificilmente um país consegue fazer isso durante 10 anos, muito menos 20 ou 30. Seria necessário, como afirmou a Directora-Geral do FMI, Christine Lagarde, um esforço “heróico” para conseguir isso nos anos mais próximos, mas é “altamente irrealista” pensar que se pudesse “manter por décadas”.
Eis a maneira mais fácil de pensar sobre o que está a acontecer. Há três partes nestas conversações do resgate e três conjuntos de prioridades totalmente diferentes. As preocupações da Grécia são, por esta ordem: 1) conseguir um perdão parcial da dívida; 2) evitar que quaisquer cortes atinjam as pessoas mais pobres e 3) fazer com que o excedente que é suposto realizar seja o menor possível. A ideia cínica (ou sensata?) é que uma vez que os credores nunca lhe perdoarão nada da sua dívida, o melhor será então focar-se em minimizar os cortes das pensões, que são sempre penosas, ao invés de focar-se nas metas do orçamento que podem sempre falhar.
O FMI, entretanto, está centrado no seguinte: 1) procurar que o excedente que é suposto a Grécia atingir seja tão “realista” quanto possível, 2) conseguir alguma redução da dívida e 3) tanto quanto não estiver em contradição com o primeiro objectivo, evitar os cortes que sejam desnecessariamente regressivos. O que acontece simplesmente é que o FMI está cansado de sancionar acordos que sabe que não irão funcionar, como no caso do primeiro resgate grego como quase toda a gente admitiu. Isso significa que os cortes de hoje devem ser mantidos a nível razoável e a dívida de hoje também, de modo que as de amanhã também o sejam. E embora ninguém queira pôr nem mesmo esta pequena carga sobre os pobres, o que ajudaria muito, diz o FMI, é um programa que funcione e uma economia a crescer.
Depois, há a Comissão Europeia, que é basicamente a Alemanha . O seu objectivo é: 1) não haver nenhum perdão da dívida da Grécia 2) manter o suposto excedente primário da Grécia tão elevado quanto possível e 3) evitar que os cortes atinjam os mais vulneráveis. Na sua opinião, já fizeram muito para reduzir a carga da dívida da Grécia – o que é mais importante do que o nível da dívida – por estarem a refinanciá-la a taxas baixíssimas e por concederem a Atenas décadas em vez de anos para pagar. Ir mais longe, reduzindo o valor nominal da dívida, seria, dizem, excessivo. Os seus eleitores revoltar-se-iam. O mesmo supostamente aconteceria se permitissem à Grécia ter um excedente primário menor. Isso poria a nu a fantasia de que poderá alguma vez pagar o que deve. Mas, ao mesmo tempo, a Alemanha não tem um grande problema por a Grécia aplicar a austeridade ao jeito do que gosta, contanto que seja o montante de austeridade que lhe é determinado.
Poderíamos ser levados a pensar que a Grécia e o FMI seriam aqui aliados. Afinal,. ambos querem maior alívio da dívida e da austeridade. Mas não é o que acontece. Acredite-se ou não, a Grécia na verdade está a denunciar o FMI por dizer que só deveria procurar atingir um excedente primário de 1,5 por cento em vez dos 3,5 por cento do PIB em 2018. Porquê? Bem, a discordância resume-se a isto: o FMI pensa que os aumentos de impostos propostos pela Grécia vão longe de mais enquanto os cortes nas pensões são insuficientes. Assim, embora queira que a Grécia reduza a austeridade em geral, pretende que a Grécia faça mais do “tipo” de austeridade que a Grécia não quer fazer. E Atenas, pelo seu lado, prefere manter o que considera serem os danos sociais a um nível mínimo, mais do que preservar danos económicos. Daqui resulta que a Grécia está a alinhar com quem quer mais cortes, mas que não querem nunca cortar no montante da dívida. Pelo menos vão deixar a Grécia espartilhar o défice da forma que quiser.
No segundo pior caso, isto faria o FMI afastar-se do acordo e o acordo desmoronar-se-ia. Mas, ainda pior do que isso é o que vai realmente a acontecer. Vão todos acordar com algum tipo de embuste e então, quando não funcionar, negociarão um novo acordo daqui a alguns anos. A este ritmo, todavia, poderão passar outros 8 a 10 anos antes de que a economia de Grécia retorne ao nível de 2008.
Basta que nos façam chorar até nos fazerem rir ou rir até chorar.
Greece’s main public sector union is staging a strike over planned pension reforms as lenders review the release of a key bailout installment. (Reuters)