Selecção e tradução de Júlio Marques Mota
Sobre as mentiras emitidas pelas Instituições Internacionais, assumidas como verdades pelos governos nacionais e difundidas pelos seus media – uma pequena série de artigos
4.Este é o pior argumento que alguma vez foi usado acerca da divida
Matt O’Brien, Washington Post
O governo dos Estados Unidos tem US $ 13,9 milhões de milhões de dívida, e eu sinto-me bem.
Cada um de nós, americanos, é assim que se deve sentir. Isso porque, apesar do que Jim Grant nos diz na capa da revista Time, tal facto não significa que todo o homem, mulher ou criança tenha que pagar US $ 42.998.12 por isso mesmo. Tudo isto apenas significa que estamos cheios de divida que é regularmente renovada – o que continuaremos a fazer. O governo, afinal, é imortal. Ele não tem de pagar tudo o que deve como cada um de nós tem de o fazer, quando temos dívidas. O governo só tem que pagar de retorno os juros que deve, e assim os investidores manterão os empréstimos que lhe fazem e em boas condições.
E, como cada um de nós o poderia ter notado, é o que os investidores estão a fazer. O governo pode tomar de empréstimo a 10 anos a 1,77 por cento, a 20 anos a 2,16 por cento e a 30 anos a 2,58 por cento. Seria muito difícil para as pessoas obterem valores tão baixos. E é isso que faz com que o fatalismo de Grant sobre a dívida seja não apenas errado mas historicamente também o seja.
Pensemos nisso da seguinte maneira: A razão porque nos preocupamos com a dívida é porque os credores poderiam estar preocupados. Por outras palavras, se a dívida fosse muito grande relativamente à economia, os investidores poderiam exigir condições de empréstimos bem mais duras para compensar o facto de que esperávamos um risco um pouco maior. Reduzir a dívida, então, tem a ver com a redução das taxas de juro. De facto, essa era a lógica por trás do pacote de grande redução do défice nos tempos de Bill Clinton, em 1993. Mas isto é impossível quando as taxas de juros são já tão baixas quanto elas o poderiam ser, que é o que está agora a acontecer. Então, qual seria o problema de ter de cortar na dívida?
Fácil: o corte nas despesas do governo. Isso, mais do que a dívida, é o que realmente está a preocupar Grant. Podem-me dizer pelo facto de que a sua solução para o que ele acha que é muita tinta vermelha é … um grande, muito grande corte de impostos, uma ideia de corte nas gorduras da tributação? Na verdade, sim. “Estamos garantidamente certos “, questiona ele, de que “nós não queremos partilhar da ideia de cortes nas gorduras da tributação?” O que ele não diz, porém, é que se a todos nós forem cortados impostos no montante, digamos, de US $ 8 milhões de milhões ao longo de 10 anos – que é quanto o plano de Imposto de Ted Cruz custaria – então cada um de nós vai ter de se livrar de muitos dos serviços públicos prestados pela Administração para que o governo possa reduzir a dívida. Então, adeus Segurança Social, Medicare adeus, adeus Medicaid, Obamacare adeus, adeus e, provavelmente, até as senhas de refeição e os seguros de desemprego, também. (A dívida atual é de US $ 19 mil milhões, mas isto inclui as obrigações que nós compramos, como a Segurança Social).
Mas o problema é que a redução dos impostos para os ricos significa como contrapartida a redução nas despesas públicas para todos os outros, o que não é exatamente uma plataforma política popular. Basta tentar dizer às pessoas que não nos podemos permitir mais ter uma rede de Segurança Social porque – mais uma vez, olhando para o plano de Cruz – os 0,1 por cento dos mais ricos precisam de um corte de impostos de US $ 2,2 mil milhões. Sendo assim, Grant diz-nos que tudo isso iria ajudar a economia a longo prazo. Porque “a estabilidade da moeda e um orçamento equilibrado têm sido os dois lados da moeda que é a prosperidade americana”. mas nós não sabemos como.
Tudo bem, exceto que eles também não sabem como. Agora, não é fácil comparar a economia de hoje com a economia de há 100, 125, ou até mesmo de há 150 anos, mas a economista Christina Romer tem tentado dar-nos a sua própria medida do desemprego desde muito longa data. E se bem que esta medida nos conte uma história um pouco diferente da versão oficial – e mais precisa – dos números que temos agora, o fato mais importante é que o que eles nos dizem é consistente. Isso permite-nos fazer pelo menos algum tipo de comparação entre as diferentes épocas.
Especificamente, nós podemos olhar e ver como é que a economia funcionou entre o auge do laissez-faire em 1880 e 1933 – quando pequenos governos e o padrão ouro iam de mão em mão, – e como é que a economia tem funcionado no nosso período do pós-guerra, com governos e bancos centrais ambos ativistas. Há aqui uma ressalva final a fazer, apesar de tudo. Nós também precisamos de ajustar os números, como o fez o economista Brad DeLong para ver o que aconteceu com o desemprego não-agrícola.
A ideia é que estas são as pessoas que teriam sido atiradas para fora do mercado do trabalho quando a economia estivesse em fase recessiva. Os agricultores, por outro lado, poderiam ter sido um pouco protegidos dos altos e baixos do ciclo de negócios na medida em que, como assinala DeLong, “eles podem sempre encontrar um vaga de qualquer tipo onde possam trabalhar .” Então se queremos saber o quanto a economia fez pelas pessoas quando estas precisavam dela, não devemos deixar que o facto de que muito mais gente costumava trabalhar nos campos obscureça a imagem global.
E, como se pode ver abaixo, as coisas melhoraram muito no pós-guerra relativamente ao que elas eram no período do pré-New Deal. Tanto pior para o laissez-faire poder ter sido o caminho para a prosperidade de que fala Grant.
Agora, eu servi-me da média de 10 anos para suavizar um pouco, mas em todo o caso, a imagem é muito clara. O desemprego não-agrícola foi em média de 9,5 por cento durante a era de ouro libertária de 1880 a 1933, e tem estado numa média mais tolerável de 6,1 por cento desde 1946. É quase como termos o governo e o banco central a tentarem combater recessões e a fazer com que estas sejam menos frequentes e menos graves.
Portanto, não há razão para cortar a dívida de hoje, e não há razão para cortar nas funções públicas e na dimensão das mesmas para um valor pré-New Deal. Pelo menos por razões de ordem económica. E é por isso que o melhor que Grant pode fazer é tentar assustar as pessoas, apontando que a nossa dívida é em milhões de milhões – alguém sabe o que é um milhão de milhões?!? – Sem mencionar que a nossa economia está na casa dos muitos milhões de milhões, também.
Não é o governo que está em bancarrota. É sim o fatalismo de Jim Grant .
Matt O’Brien, Washington Post, This is the worst argument about the national debt you’ll ever find. Texto disponível em: