Selecção e tradução de Júlio Marques Mota
A economia da Brexit: em que lado devemos acreditar?
Iain Begg, The Economics Of Brexit: Which Side Should We Believe?
Social Europe, 11 de Maio de 2016
Duas posições recentes sobre a economia de Brexit, uma do Tesouro e uma outra de um novo grupo que se chama Economists for Brexit, chegam a conclusões diametralmente opostas. Adicione-se a isto um conjunto de argumentos e de contra-argumentos, muitos dos quais aparecem como sendo previsões aparentemente firmes, mas em que subtis diferenças tornam as comparações directas muito difíceis. Os eleitores são assim levados a ficarem confundidos e a interrogarem-se sobre em quem é que deverão acreditar.
O estudo do Tesouro pode ser interpretado como sendo a representação do ponto de vista do governo. George Osborne, Ministro de Economia, citado na longa análise feita pelos seus subordinados quanto ao impacto a longo prazo provável se a Grã-Bretanha abandonar a UE, diz-nos que o agregado familiar médio poderia ficar pior em cerca de £4,300. Este valor é o ponto médio de uma escala de estimativas baseadas, por sua vez, em três cenários diferentes sobre como as relações comerciais do Reino Unido evoluiriam depois de um Brexit. A projecção subjacente é que o PIB seria 6,2 por cento mais baixo e o valor acima referido seria obtido dividindo essa perda do PIB pelo número de agregados familiares.
O chanceler é contradito categoricamente pelo novo grupo de economistas que defendem a saída e este grupo considera que “Brexit conduzirá a um resultado económico melhor do que o que seria alcançado se a Grã-Bretanha permanecesse na UE”. Não fornecem o mesmo tipo de valor que o chanceler, mas um de seus membros, Patrick Minford, refere no novo documento uma análise precedente publicada em 2015 na qual os seus autores “identificaram 3.2-3.7 por cento do PIB de custos resultantes ” da continuação na UE. Igualmente apontam ainda os efeitos negativos a mais longo prazo potencialmente muito dramáticos sobre o PIB do Reino Unido, resultando do que referem como tendo por base a ameaça de aparecimento de compromissos sobre pensões para os quais não há meios de financiamento em muitos países do núcleo da UE .
Para compreender como é que tais respostas diferentes podem ser entendidas como tão ostensivamente opostas para a mesma pergunta, é importante olhar para ambas as metodologias utilizadas e para a natureza das afirmações feitas. É rotineiro para os economistas utilizarem modelos sofisticados para gerarem projecções quanto aos desenvolvimentos futuros na economia. Normalmente, estes modelos assentam numa gama de hipóteses sobre o que aconteceria na ausência de qualquer mudança do que está em discussão. Este ‘contrafacto ‘ é utilizado como o valor de referência contra o qual se avalia como é que a mudança irá afectar a economia.
No exercício do Tesouro, o foco principal está na determinação de como é que o comércio conduz ao aumento do PIB e aqui utilizou-se uma técnica frequentemente manuseada pelos economistas para esta finalidade – o modelo ‘gravitacional’ – que começa a partir da proposição empiricamente fundamentada que o comércio será mais intenso entre países geograficamente próximos uns dos outros. Os principais pressupostos são que o Reino Unido mantém o seu acesso aos mercados extracomunitários, mas diminuiu o acesso à UE, que há uma redução do investimento directo estrangeiro no Reino Unido e que há uma diminuição das pressões concorrenciais que resultam num crescimento mais lento da produtividade do Reino Unido. Estas hipóteses são consideradas como pressupostos razoáveis.
Os três cenários examinados pelo Tesouro são:
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o que se tornou conhecido como sendo o modelo Noruega/EEA , apesar deste modelo ter sido rejeitado pelo primeiro ministro, em que o Reino Unido mantém na sua maior parte o acesso ao mercado único europeu
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o modelo do comércio bilateral em que um acordo comercial entre o Reino Unido e restante UE é negociado, como é o caso hoje entre a UE e a Turquia e com o Canadá
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o modelo da Organização Mundial do Comércio em que o Reino Unido tem o mesmo acesso ao mercado da UE que outros membros de Organização Mundial de Comércio, uma consequência seria a de tarifas em algumas das exportações britânicas
De acordo com as projecções do Tesouro, o PIB do Reino Unido seria mais baixo do que estaria de outra maneira em 2030 sob todos estes cenários mas menos sob o primeiro modelo e mais na variante da OMC. Em cada caso apresentam uma escala, reflectindo as diferentes hipóteses quanto à intensidade dos efeitos sobre os principais resultados, tais como a produtividade. Em todos os casos, porque o PIB é mais baixo, há um efeito negativo nas finanças públicas, o que significa que as finanças públicas se degradam muito mais do que o ganho do Reino Unido em não ter que pagar para o orçamento da UE.
A abordagem feita pelos oito “Brexeconomistas” é a de determinarem uma escala dos efeitos sobre as perspectivas económicas da economia britânica, incluindo a regulação, o regime de comércio, a imigração, a posição da City de Londres e as finanças públicas. A parte desta análise que é mais directamente comparável com as projecções do Tesouro está num capítulo em que se usa o modelo das “expectativas racionais” da universidade de Liverpool para avaliar os efeitos de Brexit. Neste tipo de modelo assume-se que os actores económicos se adaptam rapidamente ao novo ambiente e, consequentemente, podem rapidamente explorar novas oportunidades. As hipóteses chave são que os preços caem, beneficiando consumidores, que há um ganho enorme resultante de uma mais baixa regulação e também há um ganho imediato nas finanças públicas já que não se tem que contribuir para o orçamento da UE.
As questões levantam-se igualmente sobre os números que estão a ser citados e como “são trabalhados”. Nas projecções do Tesouro, o valor central obtido, o da perda de £4,300 está a ser criticado ao ser por unidade família, quando isto não é uma medida dos rendimentos das famílias e por implicar (embora nunca se diga realmente) que as pessoas estarão em piores condições. É mais comum a referência ao PIB per capita, mas apesar do que alguns críticos discutiram – veja-se, por exemplo, a interrogação divertida de Andrew Neil a um ministro – não há nada intrinsecamente errado na utilização de agregados familiares. Claramente, embora, os últimos resultados conduzam a um valor de referência mais alto pela simples razão aritmética que a perda agregada está dividida por um número menor: o valor equivalente para o PIB per capita é de £1,800.
Porque a ‘perda’ projectada pelo Tesouro é relativa ao que teria acontecido e em que o PIB seria esperado subir de 2 por cento ao ano, levando a que este seja mais alto de 30 por cento em 2030, o efeito de Brexit seria no melhor dos casos, que este em 2030 tenha aumentado apenas de 27 por no melhor dos casos e de apenas 20 por cento na pior das hipóteses.
Da mesma forma, o ganho de 4% previsto pelos economistas de Brexit significaria impulsionar o crescimento do PIB para 34 por cento até 2030. No entanto, os economistas fornecem apenas indicações de valor limitado para justificar as suas pretensões, algumas das quais dependem mais de afirmações do que de dados concretos. Por exemplo, embora se reconheça que poderia haver ameaças à preeminência da City quanto aos serviços financeiros, eles rapidamente descartam-nos quando a própria City tem repetidamente sublinhado esses riscos. O relatório também afirma que a desregulamentação que se seguirá ao Brexit é modelizada como ‘uma queda na taxa de seguro nacional dos empregadores de 2% ‘. Mesmo quando se reconhece que algumas formas de regulação irão mudar, não há explicação porque é que deveria ser de um valor desse montante.
Em resumo, ambos os relatórios são apenas tão bons quanto o são os seus pressupostos e os eleitores devem perguntar-se se estes «são pressupostos credíveis». Os do Tesouro estão largamente em consonância com outras avaliações; os do ‘Brexeconomists’ irão talvez fazer levantar um pouco mais as sobrancelhas. Mesmo assim, o valor realçado pelo Chanceler de uma perda de £4.300 é enganadoramente preciso.
A frase de abertura no texto dos Economistas em defesa do Brexit diz-nos que ‘muita afirmação económica sem sentido tem sido dita até agora no debate sobre Brexit’. É verdade, mas a má notícia é que muito mais se irá continuar a dizer até 23 de junho.
Iain Begg, Social Europe, The Economics Of Brexit: Which Side Should We Believe? Texto disponível em:
https://www.socialeurope.eu/2016/05/economics-brexit-side-believe/
This article originally appeared on UK in a Changing Europe