CONTOS & CRÓNICAS – FILHOS – de CARLOS RENI DA SILVA MELO

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         Ao nascerem os filhos, contraem os pais uma dívida, pesando, a partir de então, sobre os seus ombros, a responsabilidade de protegê-los até o momento em que tiverem condições de proverem a sim próprios. Como os pássaros constroem seus ninhos, alimentam seus filhotes e os ensinam a bater asas até que possam fazê-lo por si mesmo, para então deixá-los seguir livremente o curso de seus destinos, assim também o ser humano tem que amparar, guiar e ensinar os seus filhos a lutarem pela vida e enfrentarem as vicissitudes, até a hora em que, sozinhos, tenham condições de digna sobrevivência. Esta é uma lei natural e, por conseguinte, estabelecida pelo Criador.

       Teus filhos vêm através de ti, mas não são teus. Pertencem ao livre espírito, que neles habita. Moram na mansão do amanhã, que ainda não podes visitar. Não é lícito escolheres o rumo, pois serão senhores dos seus destinos. Não seja sombra sobre eles, pois suas origens divina lhes permitirá decidir sobre si mesmos. Dê-lhes amor, ensinando sempre o caminho do bem e deixando manifestar amplamente todos os seus dons. Observa que a planta vigorosa é a que altaneira cresce, soerguendo-se entre outras, resistindo à fúria dos ventos e à inclemência das tormentas.

         Não deves, contudo, abrir mão da autoridade paterna enquanto estiver sob o teu teto, contando que tenhas convicção de que estás com a razão, porque mesmo a criança da mais tenra idade possui um elevado senso de Justiça. Não será impunemente que contra ela se praticarão arbitrariedades, vez que seu espírito retém as experiências vividas. Assim, não cometas os erros do abuso de autoridade que despersonaliza os filhos, nem os da complacência excessiva, que os pode tornar pusilânimes. Seja tolerante, mas que saibam o limite da tua paciência, e, sobretudo, não cometas o engano de repreendê-los a toda a hora, dando-lhes poucas ordens, mas que sejam justas e obedecidas. Em qualquer organização social, bondade e firmeza são os dois mais importantes predicados de quem deseja manter firme o governo do lar. Da mesma forma que o adulto, deve a criança sentir quando se afasta do reto caminho do bem. Nisto consiste, igualmente, o trabalho dos pais que, para bem efetivá-lo, devem estar atentos, sobremaneira, às companhias dos seus rebentos, desde muito jovens, informando-se com quem saem, quem são seus colegas/amigos, filhos de quem, onde irão e a que horas voltarão, não permitindo que pernoitem fora, até que cheguem a uma idade que, concretamente, saibam o que estão fazendo, sob pena de, mais tarde, responderem essas questões para um Juiz de Direito.

           A maior herança que se pode legar a um filho é ensiná-lo a fortificar o caráter e, de tal forma, que o torne inquebrantável diante da adversidade, com a autoconfiança de quem tem consciência da sua capacidade. Independentemente do luxo, conforto, dinheiro e qualquer outro bem decorrente da vida mundana, deve a pessoa saber que um ideal nada tem a ver com objetivos de tal natureza, nem se mescla com propósitos dessa espécie. O caráter não é algo que se forme repentinamente, mas um penoso processo que se desenvolve lentamente, através de persistente e cuidadoso trabalho, dia após dia, luta após luta, vitória após vitória. Na verdade, estará se formando durante toda a vida, embora seja na adolescência que assume fundamental importância. Ele é o grande tesouro, o grande capital que o indivíduo chega a possuir, porque os bens materiais podem ser transitórios, mas a evolução pessoal se conserva. Esse é o maior investimento que alguém pode fazer: em si mesmo, no caráter, na saúde, bem-estar, felicidade, harmonia, no amor e na fé. As pessoas é que têm valor, não os objetos, destituídos de sentido sem elas, mas o mundo ainda não compreendeu bem isso e inverteu a ordem dos valores. Não convém, portanto, conceder tudo de maneira fácil aos filhos, mas, sim, ensiná-los a lutar e a trabalhar por merecer, preparando-os para enfrentar as dificuldades, estimulando-os a transpor os obstáculos. Sempre que possível, convém deixar que façam as coisas por si mesmos, para que desenvolvam a iniciativa, a fim de que se acostumem, desde cedo, a obter pequenas vitórias por esforços próprio, até que possam compreender que sem disciplina, esforço e tenacidade, pouco é possível conseguir.         

         Enganam-se os que julgam que seus filhos são  propriedades. Os que forem parentes espirituais, sempre serão e estarão nos corações deles, mesmo eu vivendo à distância. Os que não forem, nunca o serão, mesmo que habitem sob o mesmo teto. Quantos casos conhecemos em que os filhos, embora criados com todo o amor e sacrifícios por parte dos pais que, além de renunciarem a muitas coisas em prol deles, acabam “virando o cocho”, como se diz aqui, no Sul do Brasil, acusando aos seus progenitores, valendo-se de falácias, de mistificações e todo um arsenal que objetiva a denegrir àquele que lhe deu a vida. Talvez tenham sido inimigos em vidas pretéritas, pois que ninguém entende o ódio que destilam contra pessoas que, em alguns casos, são velhas, doentes e que precisam é da proteção deles que, quando eles foram crianças, fizeram isso, preservando-os.

              O amor é a verdadeira linguagem entre pais e filhos. O desenvolvimento espiritual deve acompanhar o intelectual, ou o mundo será sempre uma sucessão de crises. 

1 Comment

  1. Uma douta aula lecionada pelo meu nobre Amigo Carlos Reni. Quanto nos ensina com suas sapientes palavras e experiência de vida que tem. Obrigado prezado mestre, pelo privilégio de poder desfrutar de sua nobre amizade.
    Forte abraço.

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