NO CORAÇÃO DAS TREVAS, AS GRANDES INSTITUIÇÕES INTERNACIONAIS, E NÓS À PROCURA DA LUZ AO FUNDO DO TÚNEL COMO SAÍDA PARA A CRISE? IMPOSSÍVEL – 2. DE ONDE VEIO O DINHEIRO, PARA ONDE FOI O DINHEIRO, por JÖRG ROCHOLL e AXEL STAHMER – I

th

Uma série sobre o caminho da agonia do capitalismo

mapagrecia6

Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

ESMT logoDe onde veio o dinheiro, para onde foi o dinheiro

JÖRG ROCHOLL, ESMT; AXEL STAHMER, ESMT, Berlim, Where did the greek bailout money go?

ESMT white paper, WP-16-02

 

  1. Nota introdutária.

Neste artigo analisa-se o fluxo de dinheiro relativamente aos fundos dos diferentes resgates gregos e concentramo-nos em duas questões-chave. Em primeiro lugar, de onde é que veio o dinheiro? Em segundo lugar, para onde é que foi o dinheiro? Finalmente, o artigo discute os resultados num contexto mais vasto e procura-se daí obter implicações em termos de políticas.

A Figura 1 apresenta os principais resultados e mostra que somente € 9,7 mil milhões, ou seja, menos de 5% do montante total de € 215,9 mil milhões distribuídos no 1º e 2º programa de resgate não foram utilizados para pagamentos relacionados com a dívida e as recapitalizações bancárias e, assim, contribuíram directamente para o orçamento grego. Em contraste, € 139,2 mil milhões[1] ou seja mais de 64% foram utilizados para reembolsar os pagamentos da dívida e de juros a liquidar. Além disso, € 37,3 mil milhões, ou seja 17%, foram utilizados para recapitalizar os bancos gregos, enquanto os restantes € 29,7 mil milhões, ou 14%, correspondiam a incentivos para os investidores se empenharem no Private Sector Involvement (PSI), ocorrido em Março 2012[2].

Figura 1: a utilização de fundos no 1º e 2º Programa de Ajustamento Económico e a unidade de medida é em [€milhares de milhões]

foiodinheiro2. Introdução

A questão sobre como tratar a dívida do governo grego tem resultado em grandes discussões entre os decisores políticos, académicos, especialistas financeiros e o público em geral, pelo menos, desde a eclosão da crise da dívida do governo grego no início de 2010. Isso é válido em especial para a questão acima levantada, a de onde veio o dinheiro que foi destinado aos resgates gregos. A análise desta questão resultou em estimativas muito diferentes e calculadas por diferentes pessoas e instituições. Os valores relatados para a parte dos fundos dos programas de primeiro e segundo resgate grego que foram para os credores cobrem uma escala que vai de 33% a quase 100%. Mas qual é o valor correto?

Uma resposta correta a esta pergunta é de importância crucial no debate sobre como encontrar a melhor receita para combater esta crise, bem como para melhor combater as crises da dívida pública no futuro. O objetivo deste trabalho é, assim, o de querer lançar uma luz sobre os números exatos e proporcionar a transparência sobre toda esta situação de forma descritiva. Este estudo centra-se exclusivamente sobre os pacotes de resgate orçamental, conforme estabelecidos pelos parlamentos e pelas instituições europeias e internacionais e ignora outros tipos de mecanismos intensamente discutidos, TARGET II/ELA. O estudo propõe-se ser também um convite aberto aos colegas investigadores e ao público para verificar criticamente os gráficos muito detalhados e, portanto, pretende criar uma base sustentável e comummente aceite para posteriores discussões.

A discussão neste trabalho está relacionada, mas não é equivalente à questão de como é que o défice primário grego acumulado após o ajustamento que foi devido ao apoio das instituições financeiras no valor de € 16,3 mil milhões foi financiado nos anos 2010-2014[3],[4]. Esta análise inclui uma série de pagamentos não analisados neste artigo tais como as receitas geradas com as privatizações, as operações de financiamento de curto prazo via T-Bills e mercado Repo, pagamentos causados pelo programa de mercados de valores mobiliários (SMP) e pelo acordo sobre ativos financeiros líquidos (ANFA), que é um programa do BCE, pelas contribuições para os programas europeus do Fundo Monetário Internacional (FMI), bem como pela gestão de reservas de dinheiro e atrasos de pagamentos. Além disso, os programas de primeiro e segundo resgate não cobrem completamente o período de 2010-2014.

3. De onde é que veio o dinheiro?

Os fundos de resgate grego compreendem três programas de ajustamento económico. O primeiro programa iniciado em Maio de 2010 foi planeado para funcionar até Junho de 2013. Em Março de 2012, terminou prematuramente quando foi substituído pelo segundo programa. O segundo programa foi inicialmente planeado para ser finalizado até ao final de 2014, mas foi prorrogado até Junho de 2015. A quinta revisão do segundo programa não pode ser concluída e, assim, o programa parou antes de todos os fundos planeados poderem ser entregues[5]. Portanto, o governo grego pediu um novo programa em Julho 2015[6]. O terceiro programa é programado para ser executado a partir de Agosto de 2015 até Maio de 2018[7].

3.1. O primeiro programa

O primeiro programa teve um volume inicial previsto de € 110 mil milhões. A Figura 2 mostra que € 80 mil milhões foram fornecidos pela União Europeia (UE) sob a forma de empréstimos bilaterais através de Greek Loan Facility (GLF)) e de € 30 mil milhões que foram a contribuição do FMI através do Stand-by Arrangement (SBA)[8]. O montante global do programa foi reduzido por € 2,7 mil milhões, uma vez que a Eslováquia não participou e a Irlanda e Portugal decidiram pedir assistência financeira, levando assim ao montante de € 107,3 mil milhões para serem entregues ao governo grego[9]. O volume desembolsado ascendeu a € 73 mil milhões com € 52,9 mil milhões a serem provenientes da União Europeia e € 20,1 mil milhões sendo do FMI [10]. Isto deixou € 34,3 mil milhões do primeiro programa por entregar, que são € 24,4 mil milhões da UE e € 9,9 mil milhões do FMI.

foiodinheiro - II3.2. O Segundo programa

O segundo programa é composto por um volume total de € 172,6 mil milhões. A Figura 3 apresenta a composição do volume total, que é a soma de € 34,3 mil milhões não desembolsados desde o primeiro pacote de resgate, € 130,1 mil milhões de novos fundos e um empréstimo do FMI adicional de € 8,2 mil milhões a ser desembolsado após 2014[11]. A quantidade de resgate total de € 164,4 mil milhões, representando o pacote de resgate líquido do empréstimo adicional do FMI é frequentemente mencionado em diferentes fontes públicas. A contribuição total do FMI de € 28 mil milhões é composta de € 9,9 mil milhões em fundos não desembolsados, de € 9,9 mil milhões de novos fundos e de um empréstimo adicional de €8,2 mil milhões[12]. Os pagamentos vindos do SBA foram cancelados e todos os novos fundos são distribuídos na base do programa do FMI, Extended Fund Facility (FEP). A UE comprometeu-se a disponibilizar um valor adicional de € 120,3 mil milhões para além dos € 24,4 mil milhões do primeiro programa ainda não desembolsados, comprometendo-se a um total de €144,7 mil milhões[13]. Os pagamentos dos países europeus foram feitos através do recém criado FEEF[14]. O volume desembolsado ascendeu a € 153,8 mil milhões, € 141,8 mil milhões decorrentes da UE e € 11,9 mil milhões do FMI[15]. Isto deixa € 18,8 mil milhões não desembolsada em comparação com o montante total de € 172,6 mil milhões inicialmente previstos. Além disso, o Fundo de Estabilidade Financeira Helénico (HFSF) pagou € 10,9 mil milhões para o FEEF em Fevereiro de 2015, o que reduz os fundos desembolsados totais de € 141,8 mil milhões para €130,9 mil milhões[16].

foiodinheiro - III

 

Em combinação, os dois programas, primeiro e segundo, ascenderam a € 226,8 mil milhões em fundos desembolsados e € 215,9 mil milhões líquidos do reembolso HFSF, € 73 mil milhões do primeiro programa e €153,8 (€ 142,9 mil milhões líquidos) do segundo programa, deixando um total por entregar de € 18,8 mil milhões[17]. Em suma, o FMI desembolsou € 32 mil milhões e a UE € 194,8 mil milhões (€ 183,9 mil milhões líquidos), como se mostra com a figura 4.

foiodinheiro - IV

3.3. O terceiro programa

Em Julho de 2015, o governo grego solicitou oficialmente uma nova assistência financeira. Depois de aprovada pelos governos nacionais, o Conselho de administração do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) aprovou o Memorando de Entendimento (MoU), em Agosto de 2015[18]. O terceiro programa incluiu um volume de € 86 mil milhões, todos eles a serem disponibilizados através do MEE, qui substitui o FEEF [19].

Os pagamentos estão sujeitos a objetivos definidos no MoU e incluem a desregulamentação, as reformas e medidas para as privatizações. Até ao final de 2015, a primeira parcela no valor de € 26 mil milhões de títulos de dívida pública de longo prazo será disponibilizada e € 9,1 mil milhões foram imediatamente entregues. Deste total € 10 mil milhões serão distribuídos através de notas MEE com uma maturidade média de 32,5 anos destinados à recapitalização / resolução dos bancos e um adicional de € 16 mil milhões através de empréstimos do MEE com uma maturidade média de 32.34 anos. Dos 10 € mil milhões para a recapitalização bancária, € 5,4 mil milhões foram utilizados e as restantes notas emitidas pelo MEE foram canceladas, reduzindo o valor da primeira parcela desembolsada para € 21,4 mil milhões[20]. O programa está sujeito ao cumprimento da agenda de privatizações ((Asset Development Programme ADP) of understanding for a three-year ESM programme (2015), como exposto no MOU, e a execução destas privatizações está a cargo da entidade responsável pelas privatizações, Hellenic Republic Asset Development Fund (HRADF)[21]. As privatizações são esperadas gerarem um valor de €6.4 mil milhões com a venda de ativos na posse do governo grego, o que inclui principalmente aeroportos, portos, petróleo, gás e companhias de águas[22] [23]

(continua)

________

[1] Destes, €9.1 mil milhões são reeembolsos ao FMI

[2] Os juros adicionais acumulados de 4,9 mil milhões são parte do PSI já contabilizados nos pagamentos gerais de juros a cargo do governo..

[3] Dados acumulados a partir do Hellenic Statistical Authority (2014a), Informação da imprensa local e da Hellenic Statistical Authority (2015a).

[4] O défice primário noutras fontes pode incluir o suporte das instituições financeiras. Os dados sobre os défices e excedentes de diferentes fontes podem variar dependendo da utilização do sistema ESA 95 ou do sistema ESA 10 e dos métodos de cálculo do FMI.

[5] Comissão Europeia, Economic and Financial Affairs, Greece. Financial assistance to Greece

[6] Os detalhes do pedido formulado pode ser lido no documento oficial da Comissão Europeia, Directorate-General for Economic and Financial Affairs (2015). Greece – request for stability support in the form of an ESM loan.

[7] Uma analise detalhada é disponibilizada pela Comissão Europeia no seu site.

[8] Comissão Europeia, Directorate-General for Economic and Financial Affairs (2012). The Second Economic Adjustment Programme for Greece, Occasional Papers 94, 5.

[9] Comissão Europeia, Directorate-General for Economic and Financial Affairs (2011). The Economic Adjustment Programme for Greece, 5th ed., Occasional Papers 87, 5.

[10] Comissão Europeia, Directorate-General for Economic and Financial Affairs (2014). The Second Economic Adjustment Programme for Greece, 4th ed., Occasional Papers 192, 69.

[11] 11 (2013) European Financial Stability Facility, 18.

[12] O quadro total dos reembolsos está disponível em Fundo Monetário Internacional  (2014). Greece, IMF country report 14/151, 55.

[13] Comissão Europeia, Financial assistance to Greece

[14] Comissão Europeia, The Second Economic Adjustment Programme for Greece, 5.

[15] A different rounding in the original documents of the IMF and EU leads to €153.8 billion as the sum of EU and IMF payments.

[16] European Financial Stability Facility, Lending operations, Greece. EFSF programme for Greece (expired).

[17] Comissão Europeia, The Second Economic Adjustment Programme for Greece, 69.

[18] Comissão Europeia, na base do MEE, Memorandum de Entendimento para um programa do MEE para três anos (2015).

[19] Eurogroupo (2015). Eurogroup statement on the ESM programme for Greece, 2.

[20] European Stability Mechanism, Financial assistance. ESM programme for Greece.

[21] Comissão Europeia, na base do MEE. Memorando. De Entendimento para um propgrama MEE para três anos.

[22] Comissão Europeia, Memorando de Entendimento para um programa de três anos.

[23] Lista completa em:  The European Commission, on behalf of the European Stability Mechanism. Memorandum of understanding for a three-year ESM programme.

________

Leia a introdução de Júlio Marques Mota a este trabalho de Jörg Rocholl e Alex Stahmer, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, clicando em:

NO CORAÇÃO DAS TREVAS, AS GRANDES INSTITUIÇÕES INTERNACIONAIS, E NÓS À PROCURA DA LUZ AO FUNDO DO TÚNEL COMO SAÍDA PARA A CRISE? IMPOSSÍVEL – 2. DE ONDE VEIO O DINHEIRO, PARA ONDE FOI O DINHEIRO, por JÖRG ROCHOLL e AXEL STAHMER – a introdução de JÚLIO MARQUES MOTA

Leave a Reply