A GALIZA COMO TAREFA – Somos filhos de Zeca Afonso – Ernesto V. Souza

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Galiza foi amada, reconhecida como parte e reivindicada uma e outra vez, na obra e vida do grande José Afonso. Visitada, percorrida, deixou nele e nas gentes da Galiza profundos relacionamentos pessoais e carinhos.

Na sua obra poética e musical podemos achar claras pegadas da Galiza, das suas tradições folclóricas e musicais e rastos do profundo lirismo e humor compartilhado presente na literatura culta e popular.

Afonso tinha uma capacidade de comunicação com as pessoas e os auditórios muito grande, símbolo da luta democrática contra a ditadura, a sua obra era já conhecida entre os músicos galegos, muito ativos a todo nível na década de sessenta e setenta. Ele teve a possibilidade, desde 1972, por obra de Benedito, de ter as portas abertas para cantar na Galiza. Benedito Garcia Vilar, grande amigo do Zeca, estava daquela no topo da sua popularidade, como um dos fundadores do grupo galego Voces Ceibes que entre 1968 e 1974, com a sua música de intervenção, combateu a ditadura franquista com as suas letras e atuações.

Foi nessa primeira gira na Galiza, provavelmente em Santiago de Compostela a 10 de Maio de 1972 (ou mesmo antes, no Ateneu de Ourense, o dia 8, e em Lugo no Círculo das artes o dia 9) que José Afonso cantou pela primeira vez num espetáculo a sua ‘Grândola, vila morena’.

Desconhecido ao início desse percorrido, a sua voz e presença ficou já depois e sempre como referente admirado. Como destacava há uns anos Paulo Esperança:

A relaçom do Zeca com a Galiza teceu-se através de fortes amizades geradas ao redor da chamada música de intervençom. Benedito ou Bibiano fôrom algumhas das pessoas que acompanhárom o Zeca nas viagens e concertos em que participou na Galiza. Num deles, em Compostela, perto do lugar que em Maio foi baptizado ‘Parque José Afonso’, foi cantada pola primeira vez a mais conhecida música do cantor português: ‘Grándola, vila morena’, utilizada como senha para o golpe militar do 25 de Abril anos mais tarde. Foi precisamente Bibiano quem apresentou o Xico de Carinho ao Zeca num recital em Paris, em 1971.

Para o Xico, que chegou a visitar o Zeca em duas ocasions na vila em que residiu nos últimos anos da sua vida, Azeitão, as amizades dérom passo a umha grande «identificaçom com a cultura e o idioma galego» que o Zeca tentava explicar no seu país: «Há umha grande confusom em Portugal sobre a Galiza. Estou farto de explicar por todo o lado que a Galiza nom é Espanha». Esta identificaçom levaria-o a compor umha das mais belas melodias do seu repertório: ‘Achega-te a nim, Maruxa’, tirada do cancioneiro limiao. Em Agosto de 1985, no parque de Castrelos de Vigo, realizou-se o concerto-recital ‘Galiza ao José Afonso’, umha das mais emotivas homenagens que recebeu o cantor português, já gravemente doente na altura.

 

Quando a sua saúde piorou, os amigos galegos, que sabiam da sua delicada situação económica, decidiram realizar atos para arrecadar fundos. No Auditório de Castrelos viguês teve lugar o 31 de agosto de 1985 um ato de homenagem no que se juntaram quase vinte mil pessoas, num concerto homenagem que durou mais de doce horas. O resultado desta gala que rematava com o Grândola Vila Morena, prévia atuação do grupo de maior resonancia da época -‘ Fujam Os Ventos’ -,  foi recolhido num álbum, ‘Galiza a Jose Afonso’, publicado por Edições do Cumio, com benefícios destinados a Aja (Associação José Afonso).

Em 10 de Maio de 2009, o “Parque José Afonso” foi inaugurado junto ao “Auditorio de Galicia”, em Santiago de Compostela. A iniciativa partira outra vez do seu amigo Benedito. Situa-se junto do complexo Burgo das Nações, onde atualmente se concentram várias residências universitárias e onde Zeca Afonso cantara nessa sua primeira digressão pela Galiza.

As suas músicas e letras circularam amplamente pela Galiza embalando nelas três gerações. Fotografias, recortes da imprensa, cartazes, velhos vinil, recordações que vão se publicando atesouram-se de José Afonso na Galiza e foram muitas as viagens da gente a Portugal na procura da sua música. Não é de admirar a sua constante presença em músicos, poetas, escritores da Galiza. A sua figura musical aumentou de modo considerável com o passo dos anos, deixando um legado que transcende hoje a sua faceta mais política e de trovador para o converter, com Rosalia de Castro, numa das vozes incorporadas, pelos seus versos e músicas no acervo popular.

O Zeca na Galiza, foi todo um exemplo a seguir, fazendo música de qualidade com raiz na cultura da terra, e com conteúdo comprometido com a realidade político-social. E não apenas, na nossa cultura, nomeadamente na música galega e na cultura musical continua presente o ‘triângulo mágico’ estabelecido por ele: África, Portugal, Galiza.

Somos filhos de… Zeca Afonso, é impressionante o impacto da sua obra e figura não apenas em boa parte das principais vozes musicais da Galiza, quanto também no imaginário coletivo:

 

 

 

 

 

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