EDITORIAL: DOUTORES

Imagem2Cada vez mais os jovens que concluem um curso superior deparam com dificuldade em encontrar no mercado de trabalho um lugar onde possam usar os conhecimentos adquiridos na Universidade- -Diz-se que  o problema não é exclusivo do nosso  país – no Japão, por exemplo, parece que o mercado de trabalho está saturado de gente com formação superior e que não é fácil encontrar uma ocupação onde se possa aplicar a formação recebida, mas a mentalidade japonesa é diferente da prevalecente na generalidade dos países – um licenciado, seja em que área for, não se sente afectado por andar a limpar ruas ou por estar a servir cafés ~ a universidade proporcionou-lhe um a educação, inculcou-lhe o hábito, o método de aprender e isso valoriza-o como ser humano, Ser «almeida» ou criado de bar em nada o afecta.

É uma maneira sábia de encarar as coisas.

Porém, o jovem português, ao obter o canudo metálico que contém o seu diploma, quer, sobretudo nos meios mais pequenos, ser tratado por «senhor doutor» – e não dá jeito aos clientes do café pedirem um galão e um queque  a um doutor. Não é um exclusivo português – no Brasil ou em Itália, doutor não tem a ver com a graduação universitária, mas com o estatuto social. Tal como no Brasil um coronel não é necessariamente um militar com esse posto que antecede o generalato. Interessante que, neste aspecto, se verificou um retrocesso – a literatura do século XIX, diz-nos que esse hábito não u, doutor era alguém que tivesse defendido dissertação de doutoramento ou, na acepção popular, um médico. Aliás, na Península de língua castelhana.um doctor é um clínico. Diz-se que corre em Bruxelas um dito – «em Portugal, se adoeceres, não vás ao doutor – arriscas-te a ser tratado por um economista» Mas Eça de Queirós, João de Deus, Guerra Junqueiro, todos eles formados em Coimbra com o grau de bacharéis (equivalente à actual licenciatura e mestrado), não antepunham qualquer título ao nome.

Diz-se que o hábito tem cerca de cem anos – Sidónio Pais prometeu um aumento aos quadros superiores do Estado, aumento que o Orçamento não comportou. O Presidente-Rei substituiu a melhoria salarial por um privilégio social – o Dr, abreviado, reservando a versão em extenso aos verdadeiros doutores. Mas o que era destinado aos empregados do Estado, tornou-se extensivo aos licenciados. O que às vezes causa embaraços. Um amigo e colaborador deste blogue, deixou, como é de uso, o cartão de crédito na recepção do hotel (no Luxemburgo). Formado em Letras, o cartão antecede-lhe o nome do protocolar Dr. Foi acordado a meio da noite pela recepção, que lhe exigia que fosse acudir a um hóspede que se sentia mal. Tentou explicar que não era médico e, pensando que ele se estava a furtar a um dever profissional, o recepcionista quase lhe recitou o juramento de Hipócrates.

Esquecendo este aspecto anedótico, temos de introduzir reformas no Ensino que permitam que um jovem que tem vocação e formação específicas para ser engenheiro químico, não se veja forçado a servir cafés ou a engraxar sapatos – não porque lhe caiam os parentes na lama, mas porque podemos estar a malbaratar recursos , a frustrar expectativas e a privar o País de receber contributos valiosos – entre esses criados ou engraxadores quem nos diz que não perdemos um génio? Somos pobres demais para correr esse risco.

2 Comments

  1. Excelente abordagem aos DRS.

    Qto adorei esta tacada .

    Fui emigrante na Africa do Sul antes da descolonização onde vivi apenas dois anos .

    ODR.não tinha cabimento nem no ensino .

    Parabéns pela postagem ….

    Maria

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