EDITORIAL – No aniversário de Catarina Eufémia

Diário de Bordo - IIHá dias atrás, dizíamos que estes textos diários devem, em princípio constituir  um reflexo da opinião comum dos argonautas e não apenas ser a expressão daquilo que o editorialista de serviço pensa sobre a temática que está a abordar. O que é muito difícil e, por isso, o ideal seria, como acontece em muitas publicações respeitáveis, o editorial ser assinado e o seu conteúdo reflectir o que o signatário pensa sobre o tema em causa, assinando. Ao escrevermos esse editorial, sabíamos que ia ser necessário debater um tema complicado e que põe em causa a validade de dogmas partidários. E nem sequer questionamos a veracidade dos alicerces desses dogmas – apenas combatemos a sua ascensão à categoria de «verdades indiscutíveis».

Catarina Eufémia nasceu em 13 de Fevereiro de 1928.

Faria amanhã 89 anos se um biltre salazarista a não tem assassinado naquele Maio de 1954. Perante os insultos desse bandalho fardado com o uniforme de uma Guarda, que não era nem nacional nem republicana, mas um bando de mastins ao serviço de um regime ditatorial encabeçado por um ser tacanho, de um beato que queria moldar o País segundo o modelo que a aldeia onde nascera e o seminário onde estudara haviam transformado em paradigma.

Catarina falou pelas companheiras – queriam um aumento de dois escudos na jorna; foi respondendo sem temor às perguntas do tenente Carrajola que, subitamente, lhe disparou os três tiros que a mataram. Quem quer desculpar o criminoso, diz que a arma usada – uma FBP, pistola-metralhadora de concepção portuguesa, produzida na Fábrica de Braço de Prata (daí o seu nome), tinha um disparo automático de grande sensibilidade — ou seja.um toque no gatilho e logo uma rajada de 30 tiros esvaziava o carregador, É verdade-Mas também dispunha, mesmo no modelo mais antigo. de uma patilha de segurança… enfim, seja como for, Catarina foi assassinada  por responder  com desassombro às perguntas que o tenente lhe ia fazendo. Uma heroína.

O PCP faz questão em assegurar que Catarina era sua militante. Há quem garanta que não. Não nos interessa. Foi uma mulher de uma grande coragem que simboliza a resistência dos trabalhadores a um regime despótico. Ligá-la a um partido, tenha ou não existido esse vínculo, é retirar-lhe o estatuto de figura maior da Resistência. Há entre os 80 colaboradores deste blogue, numerosos pecepistas – temos sempre feito justiça à perseverança de uma organização que combateu a Ditadura, que sofreu perseguições inauditas e manteve durante 50 anos uma luta contra o Estado Novo. Muitos de nós não concordam com a forma como essa luta foi conduzida, que se tenha gasto recursos e se tenha queimado militantes para distribuir panfletos… Todos os partidos são criticáveis, não estamos perante dogmas inquestionáveis – para isso temos os credos religiosos. E a liberdade de defender a estratégia so PCP ou de qualquer outra organização de esquerda, existe igualmente entre nós.

José Casanova, membro do comité-central do PCP, homem inteligente e culto, publicou em 2014 uma coisa a que chamou antologia poética – poemas sobre Catarina Eufémia, Só o facto de ter falecido e não poder justificar o que fez, nos impede de criticar  com rigor e indignação o panfleto mal cozinhado, onde, de cambulhada, se mistura quem publicou os seus poemas em honra de Catarina em plena ditadura e correndo os riscos inerentes e sofrendo aa represálias correspondentes, misturados com quem, depois de 74 podia escrever livremente o que pensava.Amarra Catarina ao PCP, com o se a sua atitude heroica não tivesse valor se ela fosse apartidária ou de outro partido.

Quem escreve estas linhas convive com pecepistas há mais de meio-século. Conheceu heróis e cagarolas, inteligências de grande porte e imbecis – Hoje o ser pecepista é como ser sócio do Torriense. Não tira nem acrescenta nada a quem pertença ao clube, tenha ou n.o as quotas em dia. Estamos a debater a autoria do CANTAR ALENTEJANO : José Afonso ou Vicente Campinas. De há uns anos a esta parte, o poema que sempre foi atribuído ao Zeca, mercê de notícias surgidas sobretudo na internet, passou a ser considerado como obra de António Vicente Campinas .Há entre nós quem tenha privado com ambos. Talentos de dimensão diferente, mas com um traço comum – uma inquestionável honestidade. Nem o Zeca seria capaz de plagiar, nem o António deixaria que se servissem do seu nome para caluniar fosse quem fosse.

A Associação José Afonso e a Sociedade Portuguesa de Autores, devem esforçar-se por apurar a verdade até porque está em causa a atribuição de direitos de autoria. Fazemos um apelo aos amigos pecepistas, bloquistas, anarquistas, apartidários, que amarrem os mastins das suas legítimas convicções e deixem a verdade surgir.

Seja ela qual for.

 

 

 

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