OS ESTADOS UNIDOS E O NEOCONSERVADORISMO – O TRIPLO JOGO DOS NEO-CONSERVADORES, por LAURENT GUYÉNOT – I

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Selecção de Júlio Marques Mota

Rede Voltaire

O triplo jogo dos Neo-conservadores

Laurent Guyénot, O triplo jogo dos neo-conservadores

Para bem atingir os seus sonhos megalómanos de domínio mundial, os neo- conservadores desenvolveram um triplo discurso, como mostra Laurent Guyénot neste ensaio: uma filosofia cínica da política elaborada pelo seu mestre pensador, Léo Strauss, para consumo interno; uma análise fria dos interesses estratégicos israelitas quando eles aconselham os dirigentes de Telavive; e uns alertas alarmistas face a perigos imaginários para a opinião pública dos EUA.

REDE VOLTAIRE | 1 DE MARÇO DE 2013

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O neo-conservadorismo, que é geralmente percebido como uma direita republicana extrema, é na realidade um movimento intelectual nascido no fim dos anos 1960 no seio da redacção da revista mensal Commentary, o órgão de imprensa do American Jewish Committee-(Comité Judaico Americano,NdT) – que substituiu o Contemporary Jewish Record em 1945. The Forward, o mais antigo quotidiano judeu americano, escreve num artigo de 2006: «Se há um movimento intelectual na América do qual os judeus podem reivindicar a invenção, é realmente o neo-conservadorismo. Este movimento horrorizará sem dúvida a maior parte dos judeus americanos, maioritariamente liberais (o liberal americano corresponde, grosso modo, ao sentido de Esquerdista europeu, mais do que esquerda, NdT). E portanto é um facto que enquanto filosofia política, o neo-conservadorismo nasceu entre os filhos dos imigrantes judeus e que ele é actualmente, o domínio particular dos netos destes imigrantes». [1O apologista do neo-conservadorismo Murray Friedman explica isto pelo sentido de beneficência inerente ao judaísmo, « a ideia que os judeus foram colocados sobre a terra para fazer um mundo melhor, talvez mesmo mais sagrado».  [2]

Do mesmo modo que se fala da «direita cristã» como uma força política nos Estados- Unidos, poderá, pois, falar-se dos neo-conservadores como representando a «direita judia». No entanto, esta caracterização é problemática por três razões.

Primeiro, os neo-conservadores não passam de um pequeno clã, embora tenham adquirido uma força considerável nos seio das organizações representativas da comunidade judia, nomeadamente a Conference of Presidents of Major American Jewish Organizations(Conferência de Presidentes das Principais Organizações Judaicas Americanas,NdT) . O jornalista Thomas Friedman do New York Times contabiliza vinte-e-cinco, a propósito das quais ele escreveu em 2003: «se os tivésseis exilado numa ilha deserta há um ano e meio atrás, a guerra do Iraque não teria acontecido». [3Os neo-conservadores compensam o seu pequeno número pela multiplicação dos seus Committees, Projects e outros think tanks redundantes, que lhes conferem uma espécie de ubiquidade, mas a sua filosofia permanece o apanágio de um pequeno número.

Em segundo lugar, os neo-conservadores da primeira geração vêm todos maioritariamente da esquerda, e alguns até da extrema esquerda trotskista como Irving Kristol, intelectual fétiche do neo-conservadorismo e um dos principais redactores da Commentary. Foi no final dos anos 60 que a redacção da Commentary começa a sua viragem à direita rompendo com a New Left pacifista – (Nova Esquerda), incarnada por George McGovern. Norman Podhoretz, o redactor em chefe da Commentary de 1960 até à sua reforma em 1995, foi um militante anti-Vietname até 1967, para tornar-se nos anos 70 um fervoroso advogado do aumento do orçamento da Defesa, levando a redacção na sua esteira. Nos anos 1980, ele opõe-se à política de “detente” no seu livro The Present Danger (O Perigo Actual,NdT). Ele manifesta-se pela invasão do Iraque nos anos 90, e de novo no início dos anos 2000. Em 2007, enquanto o seu filho John Podhoretz toma o testemunho como redactor em chefe da Commentary, ele clama pela urgência de um ataque americano contra o Irão.

Em terceiro lugar, contrariamente aos cristãos evangélicos com os quais eles se associam muitas vezes, os neo-conservadores não apregoam o seu judaísmo. Tenham ou não sido marxistas, eles são maioritariamente não-religiosos. A filosofia de que se reivindicam expressamente os mais influentes de entre eles (Norman Podhoretz e o seu filho John, Irving Kristol e o seu filho William, Donald Kagan e o seu filho Robert, Paul Wolfowitz, Abram Shulsky) é a de Leo Strauss, de modo que os neo-conservadores se definiram eles-mesmos, por vezes, como «straussianos». Strauss, nascido de uma família de judeus ortodoxos alemães, foi aluno e colaborador de Carl Schmitt, politólogo especialista de Thomas Hobbes, admirador de Mussolini, teórico de uma «teologia política» na qual o Estado se apropria dos atributos de Deus, e jurista renomado do Terceiro Reich. Após o incêndio do Reichstag em fevereiro de 1933, foi Schmitt que forneceu o quadro jurídico justificando a suspensão dos direitos e a instalação da ditadura. Foi também Schmitt que, em 1934, obteve pessoalmente da Rockefeller Foundation uma bolsa permitindo a Leo Strauss sair da Alemanha afim de estudar Thomas Hobbes em Londres, depois Paris, para por fim ensinar em Chicago. Esta filiação não é contestada pelos straussianos.

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Leo Strauss (1899-1973)

O pensamento de Leo Strauss é de análise delicada, porque ele exprime-se menos vezes em nome próprio e mas muito mais como comentador de autores clássicos. Além disso, tal como os seus discípulos Allan Bloom [4] ou Samuel Huntington, Strauss tem o cuidado de enroupar as suas ideias mais radicais em declarações de princípio humanistas. Seja como for três princípios fundamentais podem facilmente ser extraídos da sua filosofia política, pouco diferente da de Schmitt:

Primeiro, as nações tiram a sua força dos seus mitos, que são indispensáveis para o governo dos povos.

Segundo, os mitos nacionais não precisam ter relação
necessária com a realidade histórica: Estes são construções culturais que o Estado tem por dever de difundir.

Terceiro, para ser eficaz, todo o mito nacional deve ser fundado sobre uma distinção clara entre o bem e o mal, porque ele tira a sua força aglutinadora do ódio a um inimigo da nação. Como o admitem Abram Shulsky e Gary Schmitt [5], para Strauss, «o logro é a norma em política»  [6] — regra que eles aplicaram ao fabricar, no seio do Office of Special Plans (OSP)- (sigla para Gabinete de Planos Especiais, NdT), a mentira das armas de destruição maciça de Saddam Hussein (ver mais à frente). Na sua maturidade, Strauss foi um grande admirador de Maquiavel, que ele pensava ter interpretado melhor que ninguém. Nas suas Réflexions sur Machiavel-(Reflexões sobre Maquiavel)  [7], ele demarca-se dos intelectuais que tentam reabilitar o Florentino contra o senso comum que o toma por amoral. Ao contrário, Strauss aprecia a amoralidade absoluta de Maquiavel, na qual ele via a fonte do seu génio revolucionário: «Nós valorizamos a opinião corrente sobre Maquiavel, não apenas porque é completa mas, sobretudo, porque não levar esta opinião a sério nos impediria de fazer justiça àquilo que é verdadeiramente admirável em Maquiavel: o carácter intrépido do seu pensamento, a grandeza da sua visão e a subtileza graciosa do seu discurso». [8O pensamento de Maquiavel é tão puro e radical que as suas implicações últimas não poderiam ser expostas abertamente: «Maquiavel não pode ir até ao fim do percurso; a parte final do caminho deve ser feita pelo leitor que compreenderá o que foi omitido pelo autor». [9Strauss é o guia que permite aos espíritos eleitos (os seus alunos neo-conservadores) seguir a estrada até ao fim:

«Para descobrir a partir dos seus escritos o que ele considerava como a verdade é difícil, mas não é impossível». [10A verdade profunda de Maquiavel, que só o filósofo (straussiano) é capaz de encarar não é um sol ofuscante mas sim um buraco negro, um abismo que só o filósofo (straussiano) é capaz de contemplar sem se transformar em idiota: não tendo o universo que preocupar-se com a espécie humana e não sendo o individuo senão um insignificante grão de areia, não existindo nem bem nem mal, e sendo ridículo preocupar-se com a salvação da alma, mais do que da única realidade que pode levar à imortalidade: a nação. Maquiavel é pois o perfeito patriota, e o straussianismo é a forma pura do maquiavelismo, reservada aos eleitos.

Existem straussianos entre os arautos do imperialismo americano, mas é à causa de Israel que se devotam, prioritariamente, os neo-conservadores. O que os caracteriza não é tanto o judaísmo enquanto tradição religiosa, mas o sionismo enquanto causa nacional — uma causa que implica não somente a segurança de Israel, mas também a sua expansão a toda a Palestina, o Grande Israel. É bem evidente que, se o sionismo é sinónimo de patriotismo em Israel, já não poderá ser uma etiqueta muito aceitável para um movimento político nos Estados-Unidos, onde isso significaria uma lealdade a uma potência estrangeira. É por tal que os neo- conservadores não se reclamam como sionistas na cena política norte-americana. Mas também não o escondem entretanto. Elliott Abrams, conselheiro nacional de segurança adjunto na administração de Bush filho [11], escreveu no seu livro La Foi ou la Peur – (a Fé ou o Medo,NdT), acerca de

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«A Fé ou o Medo, como os judeus podem sobreviver numa América cristã», por Elliott Abrams (1997)

como podem os judeus sobreviver numa América cristã. [12Dificilmente se encontraria uma melhor definição do sionismo, cujo corolário é o apartheid praticado contra os não-judeus da Palestina, que o defendido na mesma altura por Douglas Feith nas suas Réflexions sur le libéralisme, la démocratie et le sionisme- (Reflexões sobre o liberalismo, a democracia e o sionismo, NdT), pronunciadas em Jerusalém: «Há no mundo um lugar para as nações não-étnicas e um outro lugar para as nações étnicas». [13]

(continua)

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[1] «If there is an intellectual movement in America to whose invention Jews can laysole claim, neoconservatism is it. It’s a thought one imagines most American Jews, overwhelmingly liberal, will find horrifying. And yet it is a fact that as a political philosophy, neoconservatism was born among the children of Jewish immigrants and is now largely the intellectual domain of those immigrants’ grandchildren.» in «The Neoconservstism Persuasion», por Gal Beckerman, The Forward, 6 de Janeiro de 2006.

[2] «The idea that Jews have been put on earth to make it a better, perhaps even a holy, place» in The Neoconservative Revolution: Jewish Intellectuals and the Shaping of Public Policy, por Murray Friedman, Cambridge University Press (2005).

[3] «If you had exiled them to a desert island a year and half ago, the Iraq war would not have happened.», Citado em «White man’s burden», por Ari Shavit, Haaretz, 3 de Abril de 2003.

[4The Closing of the American Mind: How Higher Education Has Failed Democracy and Impoverished the Souls of Today’s Students, (1988).

[5] «Leo Strauss and the World of Intelligence», por Abram Shulsky e Gary Schmitt (1999). (artigo descarregável)

[6] «Deception is the norm in political life»- (A mentira é a norma da vida política,NdT)

[7Thoughts on Machiavelli, por Leo Strauss, Free Press 1958.

[8] «We are in sympathy with the simple opinion about Machiavelli, not only because it is wholesome, but above all because a failure to take that opinion seriously prevents one from doing justice to what is truly admirable in Machiavelli: the intrepidity of his thought, the grandeur of his vision, and the graceful subtlety of his speech.»

[9] «Machiavelli does not go to the end of the road; the last part of the road must be travelled by the reader who understands what is omitted by the writer.»

[10] «To discover from his writings what he regarded as the truth is hard; it is not impossible.»

[11] «Elliott Abrams, le “gladiateur” converti à la “théopolitique”», por Thierry Meyssan, Rede Voltaire, 14 de Fevereiro de 2005. (Elliot Abrams, o “gladiador” convertido à “teo-política” )

[12Faith or Fear: How Jews Can Survive in a Christian America, por Elliott Abrams, Touchstone (1997): «Fora da terra de Israel, não pode aqui haver qualquer dúvida que os judeus, fieis à aliança entre Deus e Abraão, devem manter-se aparte do povo da nação onde vivem. É próprio da natureza do ser judeu estar separado – salvo em Israel – do resto da população» [[«Outside the land of Israel, there can be no doubt that Jews, faithful to the covenant between God and Abraham, are to stand apart from the nation in which they live. It is the very nature of being Jewish to be apart — except in Israel — from the rest of the population.»

[13] «There is a place in the world for non-ethnic nations and there is a place for ethnic nations.». Citado em «A Tragedy of Errors», por Michael Lind, The Nation, 23 de Fevereiro de 2004.

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Ver o original em:

http://www.voltairenet.org/article178109.html

 

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