FRATERNIZAR – Baptismo de crianças – INSISTIS EM QUERER “ISTO” PARA AS FILHAS, OS FILHOS?! – por MÁRIO DE OLIVEIRA

 

Baptizar as crianças recém-nascidas foi prática obrigatória nos séculos da Cristandade. Objecto, até, de pagamento de multas, caso os pais deixassem ultrapassar o curto prazo de oito dias que os párocos estabeleciam e controlavam. O registo de baptismo era, de resto, o único documento físico correspondente ao que hoje se chama “certidão de nascimento”. Este facto, aparentemente singelo e inócuo, diz bem, só por si, quanto os clérigos nas aldeias, vilas e cidades do Ocidente eram reis e senhores. De quanto poder dispunham. Um poder de vida e de morte sobre as populações. Controlavam-registavam a data do nascimento, do casamento e do falecimento. O cartório paroquial era um exclusivo dos clérigos católicos romanos. E isto é poder, obviamente, e que poder! Aliás, dizer igreja católica romana é e sempre será dizer poder monárquico absoluto. Cada pároco era/é em cada paróquia o papa em ponto pequeno, como o bispo era/é em cada diocese territorial o papa em ponto médio. Cada um no seu território era/é credor do temor e da reverência dos demais. Hoje, já não é bem assim, embora os clérigos e muitos autarcas do Estado laico continuem a pensar que sim e a agirem como tal. Para vergonha, pelo menos, dos autarcas que ainda o façam. Porque os clérigos que sempre se têm na conta de os mais exemplares, já nem capacidade de sentir vergonha têm. E esse é o seu mal, porque os torna inconvertíveis ao Humano.

Depois de tantos séculos a baptizar as crianças, as populações e respetivas mães-pais, acabaram por interiorizar, geração após geração, que baptizar as filhas, os filhos não só é bom, como é obrigatório. Quando, afinal, o baptismo de crianças – e também de adultos – realizado pelos clérigos católicos e pastores protestantes mais não é do que o abrir as portas das indefesas mentes das filhas, dos filhos ao Mal institucional que é todo o sistema cristão-eclesiástico católico e protestante. Basta ver que cada criança baptizada fica, a partir daí, propriedade da igreja que o administra. O dia do baptismo é o dia em que quem o recebe, renuncia à liberdade e à autonomia. Passa a ser um súbdito, mais, do pároco ou pastor, do bispo da diocese, do papa de Roma. Os pais continuam a ter de cuidar da sustentação delas, deles e do seu desenvolvimento, mas, em qualquer altura, a sua filha, o seu filho pode ser reclamado pelo seu senhor e dono, o pároco, o bispo, o papa, numa palavra, pela transnacional igreja católica.

Por isso, os seminários tridentinos não tiveram, até um passado recente, falta de candidatos. Tinham até excesso. E os conventos, ordens religiosas e congregações-institutos missionários masculinos e femininos, nunca tiveram falta de membros. Ter um filho sacerdote ou missionário, ter uma filha freira, de clausura que fosse, era/é visto pela própria família e pelos vizinhos como uma “bênção” e um invejável modo de vida. Aqueles hábitos das “irmãs”, dos “irmãos”, originalmente, sinal de pobreza e renúncia à vaidade, tornaram-se o cume da vaidade. Olhem só o papa de Roma e o bispo de cada diocese, quando vão de visita oficial e presidem em altares com tudo de corte imperial.

É só por isso que, em 1917, por exemplo, os clérigos de Ourém puderam pôr e dispor daquelas três crianças de 7, 8 e 10 anos, para realizarem o seu teatrinho das “aparições”. Os pais delas não tiveram como impedir semelhante uso e abuso clerical dos seus filhos baptizados. Não fossem baptizados e nada lhes teria acontecido. Tão pouco os pais da Lúcia puderam impedir que um dos seus campos fosse utilizado como palco para as programadas seis sessões do teatrinho. Não fossem baptizados e nada lhes teria acontecido. Os clérigos precisavam de um campo com uma carrasqueira ou azinheira para as seis encenações, e dispuseram daquele como bem entenderam. Só foi preciso marcar o dia e a hora de cada uma das sessões. E, quando os dois irmãos Francisco e Jacinta – agora santos canonizados, sem os respectivos familiares terem sido ouvidos nem achados, muito menos terem parte nos lucros que essas duas canonizações garantem à empresa católica romana – morrem em 1919 e 1920, respectivamente, sem que os clérigos que antes os utilizaram quisessem saber, logo o bispo da restaurada diocese de Leiria decide arrancar a sobrevivente Lúcia à própria mãe e faz dela freira à força até à morte.

Tudo isto perfaz, no seu conjunto, um pecado e um crime sem perdão, mas ninguém se atreve a agir em conformidade, porque estamos formatados pelos clérigos para vermos em tudo isto o sumo bem. Mas a verdade é que a própria mãe de Lúcia vê em tudo o que bispo e do cónego Formigão lhe fazem como a morte da sua filha aos 14 anos de idade. E a verdade é que nem à hora da sua morte a autorizam, como mãe, a poder ver a sua filha pela última vez. Nem sequer autorizam que ela, como sua mãe, possa, ao menos, ouvir a voz da filha pelo telefone! A filha tinha-lhe sido arrancada aos 14 anos e, desde então, estava morta para a família. Não a tivessem baptizado, poucos dias depois dela ter nascido e nada disto lhes teria acontecido. Nem a Lúcia, nem aos pais dela.

Perante factos destes, totalmente irrefutáveis, que mães, pais continuam, neste início do terceiro milénio, a querer isto (= o baptismo) para suas filhinhas, seus filhinhos? E tudo o que “isto” traz junto consigo – a catequese, a comunhão solene, o crisma, o casamento canónico e o funeral religioso? Escrevo “isto”, pronome demonstrativo neutro, e escrevo teologicamente bem. Pelo menos, à luz da Teologia de Jesus. Porque é assim que todos os seres humanos, filhas, filhos do Vento, do Sopro criador e libertador, como Jesus Nazaré, temos de classificar o tipo de baptismo qjue as igrejas criaram e tudo o mais que se lhe segue. É um tipo de baptismo que vem animado de um sopro que mata. Ao contrário do sopro de Jesus e dos seres humanos sem poder e sem aspirações de poder, que nos vivifica e ao mundo.

Por isso, em vez deste tipo de práticas absurdas, ousem práticas outras, plena e integralmente humanas. Saibam que como mães, pais, tendes o imperativo ético de defender os direitos das filhas, dos filhos. Antes de mais, o direito à liberdade de, a seu tempo, escolherem ao serviço de quê e de quem decidem colocar as suas capacidades em todos os dias do seu viver na história. Sereis criminosos se atentais contra este direito, em lugar de o defenderdes. Vossas filhas, vossos filhos agradecer-vos-ão. Entretanto, não deixeis de celebrar o natal ou nascimento de cada filha, cada filho. Convidai familiares, amigos, vizinhos para se alegrarem convosco e cada qual, no dia, hora e local anunciado por vós apareçam todos com o respectivo farnel para, juntos, festejarem e memorizarem este dia. Num alegre e compartilhado almoço-compromisso de que vos acompanharão activa e sabiamente na difícil Arte de os Educar, “puxar” por eles para que cresçam de dentro para fora também em sabedoria e em graça, não apenas em idade e em estatura. Eis. E tudo sem prendas. Sem Mercado. Apenas abraços, beijos e colos compartilhados.

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1 Comment

  1. Anda por aí tanto “ateusinho” a mandar batizar os filhos para parecer bem! Alguns até dizem que “é preciso ter alguma coisa em que acreditar”. Plenamente de acordo! Quem não acredita em si próprio porque não haverá de acreditar em homens que vestem uns fraldalhos berrantes e brincam com estátuas de pau?

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