LEMBRANDO MANUEL FERREIRA (1917-1994), PIONEIRO DOS ESTUDOS SOBRE LITERATURAS AFRICANAS DE EXPRESSÃO PORTUGUESA – por MANUEL SIMÕES

Comemorou-se há poucos dias o centenário do nascimento do escritor Manuel Ferreira (nasceu em Gândara dos Olivais – Leiria, em 17 de Julho de 1917), grande estudioso e pioneiro, em Portugal, dos estudos sobre as “literaturas africanas de expressão e de raiz linguística portuguesa”, às quais dedicou trabalhos fundamentais como Aventura Crioula, já em 1967 (prémio dos Encontros da Imprensa Cultural), ou No Reino de Caliban (3 vols. 1975-1985). Antes desta obra, conhecíamos mais ou menos os poetas Agostinho Neto ou António Jacinto (Angola), José Craveirinha e Noémia de Sousa (Moçambique), Alda do Espírito Santo (S. Tomé e Príncipe), Ovídio Martins e Daniel Filipe (Cabo Verde) e pouco mais. Mas justamente em 1975 Manuel Ferreira surpreendeu-nos com o 1º volume (Cabo Verde e Guiné-Bissau) de uma recolha aprofundada da poesia que se produziu nas ex-colónias portuguesas, com a indicação das origens e dos movimentos culturais na base de tal poesia, o que pressupõe um trabalho iniciado muitos anos atrás.

Manuel Ferreira  foi professor da Faculdade de Letras de Lisboa, onde promoveu a criação da cadeira de Literaturas africanas de expressão portuguesa; foi membro do Conselho Nacional da UNESCO, co-director do Instituto de Estudos Africanos, director e proprietário da revista África, órgão essencialmente virado para os países africanos de língua portuguesa, tendo «ainda em conta os demais países africanos e todas as áreas onde existem formas de cultura afro-negra».

Conhecedor da realidade africana, viveu em Cabo Verde, para onde foi mobilizado como militar, de 1941 a 1947, época em que se conheceram os frutos  do trabalho dos escritores ligados à revista Claridade, tendo aí participado no grupo da revista Certeza, de 1944. Viveu ainda seis anos nos territórios portugueses da Índia e mais dois em Angola, mas foi Cabo Verde o espaço que mais profundamente marcou a sua obra de ficção, tal como transparece nos contos de Morna (1948) e Morabeza (1958) ou nos romances Hora di Bai (1962) e Voz de Prisão (1971), e na consciência da autonomia progressiva do crioulo. No seu ensaio Que futuro para a língua portuguesa em África?, de 1988, Manuel Ferreira registava a aceleração do crioulo na Guiné e informava, em relação a Cabo Verde, que já em 1979, num seminário no Mindelo, se outorgava ao crioulo o estatuto de”língua primeira”, registando, como especialista desta área, a autêntica realidade linguística.

Lembrar Manuel Ferreira é, pois, um acto de reconhecimento da sua estatura de cidadão (foi também presidente da Associação Portuguesa de Escritores) e do seu profundo empenho na divulgação e estudo das literaturas africanas de expressão portuguesa, terminologia de transição, como se compreende, uma vez que estas literaturas já adquiriram um estatuto autónomo. E no âmbito da celebração do centenário do seu nascimento, registe-se aqui a exposição Manuel Ferreira: Capitão de Longo Curso no Museu José Malhoa das Caldas da Rainha; a conferência internacional que a Câmara Municipal de Leiria vai promover em Setembro próximo; e a sessão no CCB, em Lisboa, marcada para 16 de Dezembro, com o lançamento de uma biografia do escritor, de autoria de João B. Serra, com edição da “Rosa de Porcelana”, de Cabo Verde.

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