PIENSA Y ACTÚA – BASTA JÁ! A ESQUERDA DIZ NÃO AO PROCESSO INDEPENDENTISTA, por ARMANDO FERNÁNDEZ STEINKO – selecção e tradução de FRANCISCO TAVARES

¡Basta ya!: La izquierda dice NO al procés 7

Armando Fernández Steinko

Piensa y Actúa, 20 de Setembro de 2017

A esquerda nacionalista, mas também uma parte da esquerda do conjunto de Espanha, juntaram-se ao roteiro desenhado pelo independentismo catalão. Isto inclui a aceitação de uma série de premissas ideológicas, políticas e culturais. Nós consideramos que muitas destas premissas estão completamente afastadas dos valores e dos objetivos de justiça, solidariedade e multiculturalidade pelos quais temos vindo a lutar durante muitos anos.

Não é uma mera questão ideológica. Se não conseguirmos isolar o independentismo, a agenda nacional vai engolir, em pouco tempo, a agenda anti-neoliberal em toda a Espanha e as forças conservadoras vão recuperar a hegemonia a norte e sul do Ebro. É altamente provável, além disso, que esta dinâmica contagie outras regiões da Europa substituindo as políticas territoriais de índole solidária, que a esquerda está a tentar pôr em marcha em toda a Europa para encurralar o neoliberalismo, por outras baseadas na exacerbação e na competição nacional e territorial.

Sempre estivemos e continuaremos a estar a favor do direito à autodeterminação das nações oprimidas, e sempre apoiámos os processos de descolonização que ponham fim à subjugação de uma nação por outra. Apoiamos uma ordem em que os conflitos sejam solucionados seguindo o princípio de justiça e de solidariedade com as partes mais débeis, e apostamos por uma sociedade em que as culturas e as identidades coexistam de forma harmoniosa e inclusiva. Desde logo estamos conscientes da importância que têm as identidades coletivas para qualquer projeto e que a sua construção é uma tarefa política que foi descuidada, deixando aos nacionalistas de um e de outro sinal o campo livre para fazê-lo ao seu gosto. Mas consideramos um grave erro antepor as tomadas de posição identitárias à análise racional da realidade. A história europeia do século XX está cheia de exemplos e a esquerda não pode ignorá-los em circunstância alguma.

Temos um profundo desacordo com o processo independentista porque a Catalunha não tem nada a ver com uma nação colonizada ou oprimida. Trata-se da região mais desenvolvida e rica do Estado, tem um elevado nível de autogoverno e outros territórios e culturas sofreram, pelo menos, as mesmas arbitrariedades durante a ditadura de Franco. Consideramos que o discurso supremacista dos protagonistas do processo está muito próximo, para lá do seu verniz progressista, do discurso de setores da direita europeia em relação aos países do sul da Europa de que desejam desvincular-se para poderem cancelar qualquer forma de solidariedade territorial: não é por acaso que a sua utopia seja converter a Catalunha “na Finlândia do Mediterrâneo”. O processo independentista procura gerar um choque de identidades semelhante ao “choque de civilizações”, o que recusamos, pois ambos abordam os problemas complexos manipulando os instintos primários das classes mais desfavorecidas. Recusamos a tergiversação da história, assim como a utilização de autores como Marx, Engels, Lenin ou Trotzky para legitimar um projeto antisolidário destinado a dividir as classes populares espanholas. Mas sobretudo recusamos retórica do “direito a decidir” baseado numa visão formal e tendenciosa da participação pois não reconhece o resultado das urnas, não assegura a presença igualitária de todas as opiniões nos meios de comunicação de massas, obriga muitas pessoas a optar artificialmente por uma das suas duas identidades, exclui esse direito aos não residentes na Catalunha apesar de que as suas vidas seriam seriamente afetadas pelo resultado da consulta e porque os seus impulsionadores não têm o pedigree democrático suficiente: o golpe de estado institucional de 6 de setembro é um exemplo que deveria fazer pensar a todos aqueles de boa vontade. Além disso, parece-nos um ato de grande irresponsabilidade banalizar o fenómeno estatal, namoriscar com a destruição do estado espanhol em pleno neoliberalismo e identificar o período constitucional de 1978 com o regime franquista. Como cidadãos implicados durante muitos anos na luta pela democracia, a justiça social e por uma ordem económica solidária e ambientalmente sustentável, sentimo-nos profundamente ofendidos quando se vincula a nossa oposição ao independentismo com a direita espanhola e com o “espanholismo” como se Espanha se reduzisse ao regime de 1939 e como se a esquerda independentista não estivesse a subordinar a questão social à questão nacional. Ao fazê-lo, ignoram o significado que a palavra “Espanha” teve durante décadas para os antifascistas de todo o mundo, fogem do significado da Segunda República para todos os democratas espanhóis, tiram aos não catalães o direito a uma identidade inclusiva e tergiversam a história para limpá-la de realidades incómodas.

Os que queremos para o nosso país de países um regime republicano baseado na solidariedade territorial, o multilinguismo e a justiça social que trabalha em prol de uma ordem mundial justa e pacífica, em que todos os países e regiões tenham uma oportunidade para se desenvolverem, não podemos assistir calados a este despropósito, não podemos continuar a subordinar o nosso projeto ao guião independentista e colocar em perigo tudo aquilo por que temos lutado: basta já! O processo independentista não é o roteiro da esquerda!

Este é um apelo a todas as pessoas para que abracem a causa da justiça, a solidariedade e a multiculturalidade, para que revejam a sua relação com o nacionalismo em todas as suas variantes e mostrem publicamente a sua oposição ao roteiro independentista que o exalta e alimenta. É também um apelo para que participem na construção de uma nova identidade federal e partilhada inspirada nas grandes tradições democráticas e republicanas; um apelo a que não se deixem enganar pela retórica democrática dos protagonistas do “procés” e anteponham a racionalidade aos sentimentos nestas horas de tensão. Se não o fizermos arriscamos a vermo-nos arrastados por uma dinâmica na qual os argumentos nacionais e identitários terão conseguido colonizar o discurso político durante gerações em detrimento dos valores de justiça e de solidariedade, os únicos que podem trazer soluções estáveis aos problemas que vive o mundo, a Europa e o nosso país de países.

1 Comment

  1. Vá chorar junto ao túmulo de Franco. Todos somos Hispânicos mas nenhum, nem ninguém é espanhol. O reino de Castela não tem direito a ter colónias. Todas as Nacionalidades existentes na Península Hispânica têm o direito à sua Independência Nacional e, como assim, de ver-se representadas na Assembleia-Geral da ONU. O tempo da colonização já passou e tem de acabar por muito que isso custe aos neoliberais que vivem dos benefícios do capital financeiro. Se Portugal – e muito bem – não podia ter colónias qual a razão para que Castela possa tê-las. CLV

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