CARTA DO RIO – 171 por Rachel Gutiérrez

Esta carta é mais difícil de escrever porque trata da desilusão e do desalento que a política brasileira provoca em quem deseja encontrar soluções e projetos que nos ajudem a vislumbrar dias melhores.

Como todos sabem, atravessamos uma das crises mais sérias da nossa História. E, por uma triste coincidência, até o número a que chegamos é significativo, pois 171, no nosso Código Penal é o do artigo sobre estelionato, o crime de “enganar outras pessoas para conseguir benefícios próprios” o que, na linguagem popular passou a qualificar  simplesmente o malandro,  o desonesto.  Nas últimas grandes manifestações em que o PT foi especialmente criticado, todos lembram que apareceram imensos bonecos infláveis representando Lula em roupa de presidiário e com dois números no peito: o 13 e o 171 ; 13 sendo o número eleitoral do Partido dos Trabalhadores.

No jornal O Globo de domingo, pudemos ler no artigo que o conhecido cineasta Cacá Diegues intitulou Uma história de amor, esta consternada constatação:

Lula deixou de ser ‘o cara’, o líder popular mais atualizado que o Brasil poderia ter tido, para se tornar chefe populista, como qualquer um dessa maldita tradição latino-americana.

E as palavras de Cacá me remeteram imediatamente a uma carta que escrevi em junho deste ano, a um amigo que, como tantos, continuava e talvez ainda continue acreditando que Lula foi o melhor presidente que já tivemos, que é um perseguido político e que só sua volta ao poder salvaria a esquerda e o Brasil.

Eis o que escrevi àquele querido amigo, com toda a sinceridade:

        Acreditei no projeto do PT e votei 4 vezes em Lula. Em Dilma, já não votei porque na primeira vez estava na Europa (e já desconfiava que ela seria apenas uma “presidente-tampão”) ; e quando ela quis se reeleger, votei contra – não propriamente em Aécio, em quem jamais acreditei! Se eu fosse francesa, por exemplo, sem acreditar em Chirac, tenho certeza de que teria votado nele para derrotar Le Pen, é claro!  Não me considero inimiga do PT, mas não acredito mais em seus representantes, salvo um ou outro. O mito Lula já não me convence. Além do mensalão e do petrolão, e de todas as outras denúncias e processos, de que mais precisamos para continuar iludidos?

Nem preciso dizer que a Carta de Antonio Palocci, fundador do PT, ex-ministro da Fazenda de Lula e ex-ministro chefe da Casa Civil, de Dilma Rousseff, publicada com estardalhaço na semana passada, faz a pergunta que tantos de nós muitas vezes já fizemos:

 Até quando vamos fingir acreditar na autoproclamação do ‘homem mais honesto do país’?

 E o que ainda não tinha sido dito ou perguntado por nenhum petista, pois eles se recusam a qualquer tipo de autocrítica, Palocci disse:

Afinal, somos um partido político sob a liderança de pessoas de carne e osso ou somos uma seita guiada por uma pretensa divindade?

 Os escândalos se sucedem. Na última semana tivemos o episódio tragicômico da apresentação, pelos advogados de defesa de Lula, de recibos muito provavelmente falsos de pagamentos do suposto aluguel de um apartamento vizinho ao do ex-presidente, em São Bernardo do Campo, que a Lava-Jato considera propriedade de Lula, resultante de propina da Odebrecht.

 Mentidos e desmentidos se atropelam nesse caso. A última revelação foi feita por Tatiana Silva Campos, a herdeira do antigo proprietário, que diz ter sempre sabido que “o apartamento era para Lula”.  E o que é mais grave:

Em 2013, comecei a estudar Direito, para poder entender melhor tudo que estava acontecendo, e também porque sempre que eu falava isso tudo para um advogado, ele dizia: ’deixa isso, você vai mexer com a máfia do PT? Pode correr risco de morte’. (Essa estarrecedora declaração foi veiculada pelo UOL Notícias na internet).

Volto ao artigo de Cacá Diegues porque nele encontrei eco do que sempre afirma, em sua luta incansável pela Educação, o nosso Senador Cristovam Buarque. Cacá admite que começou a desconfiar de seu “herói” quando leu uma declaração dele sobre se sentir melhor vestido de terno e gravata do que na época (muito curta, como muitos dizem) em que usava um macacão de operário.

… não era aceitável que um líder popular daquela envergadura avacalhasse tanto os valores simbólicos de sua origem. E, pior ainda, quando Lula começou a abrir o jogo de seu desprezo pela cultura, pelos livros e pelo conhecimento, como se devesse seu sucesso à ignorância a que tinha sido condenado por sua situação de classe. Um ressentimento agressivo, um rancor mal disfarçado em declarações de subestimação do estudo e da inteligência.

 E agora, para não trair a minha amiguinha Esperança, que pouco tem aparecido, preciso citar Fernando Gabeira, que no mesmo domingo e no mesmo jornal procurou divulgar, como em recente programa de televisão, as novas organizações formadas por jovens empenhados em pensar o Brasil para melhor compreendê-lo e tentar modificá-lo. Disse Gabeira:

A maioria das pessoas com quem falo está preocupada com a decadência do Brasil, querendo fazer algo para que o país não se derreta no pântano em que foi lançado. São jovens que chegam à política agora, em 2018, com uma grande compreensão de como as pessoas informadas podem influir no processo. Certamente estarão preparadas para concluir que o caminho de consolidar as conquistas será pela educação.

 E é com o mesmo otimismo de Gabeira que termino a minha Carta, que começou tão desalentada, citando-o mais esta vez:

O ano que entra é o começo de um novo ato. Um oásis potencial para nossos olhos, voltados hoje para a sujeira do passado e a mediocridade do presente.

 

 

 

 

 

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