Foi no dia 6 de Dezembro de 1925 que a notícia da prisão de Alves dos Reis foi tema de conversa em tertúlias de cafés e por outros locais, os chamados “mentideiros”. Presidia aos destinos da República um dos mais insignes intelectuais portugueses – o escritor Manuel Teixeira Gomes, colaborador da Seara Nova, autor de obras como Sabina Freire, que seria substituído dias depois por Bernardino Machado.
Quem foi Alves dos Reis?
Artur Virgílio Alves Reis, (Lisboa 3 de Setembro de 1898 – 9 de Julho de 1955). Nasceu numa família pobre – o pai fora dono de uma agência funerária que faliu. Iniciou o curso de Engenharia, mas nem completou o primeiro ano. Casou com Maria Luísa Jacobetty de Azevedo, pertencente a uma família rica que não gostava de Artur. Em 1916, com 18 anos, foi para Angola munido de um diploma de Oxford, atribuído pela Polytechnique School of Engineering – instituto que não existia. O diploma, feito por Artur, sem os recursos que a informática põe hoje ao dispor dos utilizadores, exigiu grande perícia e engenho. A carta de curso, dotava-o com competências que abrangiam quase todas as áreas da Engenharia –Arranjou colocação como responsável pela rede pública de esgotos e tornou-se íntimo da alta sociedade luandense. Com as boas relações que tinha com gente influente, lançou-se numa operação de grande envergadura- com um cheque sem cobertura comprou a maioria das acções da Companhia de Caminhos de Ferro de Angola. A sua habilidade e a rapidez com que aprendia eram reais – encontrou um parque pejado de locomotivas e de carruagens avariadas e pôs a funcionar o que era considerado sucata.
Em 1922 voltou a Lisboa rico e com uma aura de prestígio. Comprou a representante de uma marca americana de automóveis. Seguiu-se o caso Ambaca – passou cheques sem cobertura e adquiriu a empresa usando o activo de tesouraria para cobrir a sua desfalcada conta. 100 mil dólares de lucro!. Com o que ganhou, comprou a Companhia Mineira do Sul de Angola. Em 1924 um revés; foi preso no Porto – desfalque e acusação de tráfico de armas.
Quando, quase dois meses depois, saiu da Cadeia da Relação trazia uma ideia de uma grande ousadia.– o plano assentava numa ideia muito simples – o problema dos falsificadores de notas, mesmo o dos mais sofisticados, era conseguir um produto final sem falhas – rigor das chapas de impressão, qualidade do papel e das tintas, numeração sequencial… Mais tarde ou mais cedo as notas falsas eram descobertas por haver falha num ou mais destes items – mas, e se as notas falsas fossem… verdadeiras? E montou um esquema de grande eficácia e operacionalidade com vários cúmplices, gente qualificada e competente. Basta dizer que entre os elementos do grupo havia um financeiro holandês – Karel Marang, um espião alemão, o irmão do embaixador português na Haia… falsificando assinaturas da administração do banco emissor de moeda, usando influências de Cônsules, conseguiu a validação de um contrato fictício: encomendou em nome do Banco de Portugal à empresa britânica Waterlow & Sons Limited uma emissão de 200 mil notas de 500 escudos, usando uma chapa com a efígie de Vasco da Gama.
Em Fevereiro de 1925 foi recebida a primeira entrega. E as notas Vasco da Gama começaram a circular. Alves dos Reis ficava com 25% do valor das notas – o restante era para as despesas da operação, incluindo subornos, e para pagar aos cúmplices. Mesmo assim, as importâncias que arrecadava eram fabulosas. Em Junho de 1925, comprava o Banco de Angola e Metrópole (falsificando documentos até obter um alvará legítimo), comprou quintas, uma frota de táxis, palacetes, automóveis, jóias para a mulher. Tentou comprar o Diário de Notícias… No fundo, Artur estava a tentar aplicar o golpe da Ambaca a uma escala gigantesca – o último passo previsto era a compra do Banco de Portugal. Controlando o Banco, poderia apagar os vestígios da operação fraudulenta e evitar assim o perigo de uma investigação futura. Ainda adquiriu dez mil acções do Banco; mas eram precisas 45 mil para assegurar a maioria do capital.
Embora corressem rumores de que havia notas falsas em circulação, os peritos não detectaram qualquer irregularidade. Mas os boatos não cessavam e os jornalistas começaram a investigar. E em 5 de Dezembro de 1925, O Século levantou o véu que cobria da quase inacreditável burla. E tudo foi deslindado. No dia seguinte, Alves dos Reis foi preso, bem como a maioria dos seus cúmplices – os bens confiscados. Até 8 de Maio de 1930, data do início do julgamento, esteve preso. Não perdeu tempo e, falsificando documentos na prisão, conseguiu convencer um juiz de instrução de que a administração do Banco de Portugal estava implicada na fraudulenta operação. Foi condenado a 20 anos – 8 de prisão e 12 de degredo. Saiu em liberdade em Maio de 1945. Tinha uma imaginação mais fértil do que os protagonistas dos escândalos financeiros dos nossos dias. Talvez as suas burlas fossem consideradas operações de engenharia financeira…