Talvez nas distopias escuras de Ursula K. Le Guin, nos contos de terror de Edgar Allan Poe ou nas cosmogénesis oníricas de H. P. Lovecraft pudéssemos encontrar um silêncio atafegante, mítico, medonho, carregado com o peso das consciências coletivas, da história, das crenças e dos anos como o que existe em Portugal (e dele nos países de língua portuguesa) a respeito das origens da língua e do contexto político e histórico em que emerge Portugal.
Antes do momento fundacional, primeiro caso de Independência baseada num ato político protagonista, que Herculano soube tão justamente ver, o que havia no solar matriz de Portugal? O que acontecia no contexto internacional Atlântico e arredor da política e interesses da Casa de Borgonha, afetando Galiza, Castela, Aquitânia, Normandia, o Império, o Papado…?
O que sucede entre a queda de Roma, os tempos da Monarquia Sueva, as disputas com os outros Godos, a chegada dos Árabes, a consolidação no Norte dos condados, poderes e feudos que deram lugar aos primeiros reinos cristãos, a Compostela e as expansões cara o Sul Peninsular?
Em que contexto social hierarquicamente estratificado nasce o novo Reino que o continua? O que acontece no período raiz de formação dessa Língua que já é de uso comum nessa comunidade matriz, quando Portugal emerge, já feito, à história?
O genial Eça de Queiroz, n’A Ilustre Casa de Ramires, foi capaz de sair fora do oceano de silêncio, empregando aquela ironia sua caraterística, apontando uma e outra vez naquele romance dentro do romance, que aquele descendente de casas nobiliárias remotíssimas entre as primeiras do Reino, era possuidor de uma Torre lá no Minho que era mais antiga do que o mesmo Reino.
Há indícios fascinantes, apontamentos abaladores, verdades incómodas nas ruínas e nos velhos pergaminhos, carregados com o mofo da história. Torres, nomes de família, topónimos, títulos, brasões, a própria história de Portugal e até a língua é – ó mistério de mistérios – mais antiga que os Reino.
Infelizmente são isso mistérios insondáveis, espaços cavernosos, húmidos e tenebrosos, cidades submersas, estirpes condenadas rodeados do silêncio popular, das advertências dos historiadores e as maldições dos políticos. Levantar aquelas lousas, pesquisar naquelas catacumbas e criptas pode desatar talvez horrores e sombras que a imaginação não limita.