UM MILITAR DA 1.ª REPÚBLICA NA LUTA PELA DEMOCRACIA – MANUEL ANTÓNIO VIEIRA (1874 – 1951) – por RUI ROSADO VIEIRA – I

Ano 2017

Foto da capa: Soldados da 1ª Companhia do Batalhão Nº 2 da G.N.R., aquartelados nas Janelas Verdes, sob o comando do Capitão Vieira, junto ao miradouro de S. Pedro de Alcântara em Lisboa, no de curso da Revolução de 7 de Fevereiro de 1927

 

O capitão Manuel António Vieira, alentejano de Campo Maior, aos 56 anos de idade

 

“(…) Foi a terra alentejana que fez o homem alentejano, e eu quero-lhe por isso, porque o não degradou, proibindo-o de falar com alguém de chapéu na mão (…).

(…) O meio defendeu-o duma promiscuidade que o atingiria no cerne. Manteve-o vertical e sozinho, para que pudesse ver com nitidez o tamanho da sua sombra no chão. Modelou-o de forma, a que nenhuma força, por mais hostil, fosse capaz de lhe roubar a coragem, de lhe perverter o instinto, de lhe enfraquecer a razão (…).

(…) É preciso ter uma grande dignidade humana, uma certeza em si muito profunda, para usar uma casaca de pele de ovelha com o garbo de um embaixador (…).”

 

Miguel Torga, “Portugal”, Edição do Autor, Coimbra, 1950

 

 

 

A REVOLUÇÃO DE 7 DE FEVEREIRO DE 1927

 EM LISBOA (*)

 

São conhecidas as enormes dificuldades sentidas pelo regime político saído da revolução que implantou a república em Portugal, em 5 de Outubro de 1910.

Fruto da instabilidade política que se seguiu – em 16 anos houve 45 governos – as divisões entre republicanos acentuaram-se, fragmentando-se em diversos partidos que se combatiam entre si ferozmente.

A falta de bens de primeira necessidade levou ao seu racionamento, que juntamente com a queda da produção industrial, a especulação, a desvalorização da moeda e a subida do custo de vida, provocaram enorme descontentamento na classe média e no proletariado.

A participação de militares portugueses na 1ª Grande Guerra e as tentativas de restauração da monarquia constituíram igualmente fatores determinantes para o enfraquecimento do novo regime.

Não obstante as melhorias introduzidas na economia e na educação, incrementando a alfabetização de parte considerável da população, a 1ª República não conseguiu concitar o apoio da maioria dos portugueses.

Decorridos os primeiros anos, o operariado, a pequena e média burguesia e os sectores mais dinâmicos da sociedade, frustrados nas suas aspirações por uma existência mais digna e próspera, perderam as esperanças no regime implantado em 5 de Outubro de 1910, deixando-o à mercê de gente que se propunha estabelecer a ordem pública e criar melhores condições de vida.

Em nome da reposição da autoridade do estado e da reorganização do país, uma coluna militar comandada pelo general Gomes da Costa, partiu de Braga em 28 de Maio de 1926, dirigiu-se a Lisboa, tomando o poder sem qualquer resistência.

Porém, o governo emergente do golpe militar de 28 de Maio, que de início granjeara o apoio de parte considerável da população, cansada de quinze anos de instabilidade política, em breve se encaminhou para o estabelecimento de um regime autoritário, apoiado por militares e civis de tendências conservadoras e monárquicas.

O reforço da influência das correntes políticas favoráveis ao estabelecimento da Ditadura conduziu, em finais de 1926, ao afastamento de alguns dos militares republicanos mais destacados do golpe de 28 de Maio, como o almirante Mendes Cabeçadas e o próprio general Gomes da Costa.

No início do ano 1927, não obstante a repressão sobre os sectores políticos mais progressistas, a denominada “esquerda republicana” mantinha ainda grande influência na Marinha, no Exército, na Polícia de Segurança Pública, na Guarda Fiscal e na Guarda Nacional Republicana.

Face ao que consideravam ser uma traição aos princípios que haviam inspirado a implantação da República, um conjunto diversificado de militares e civis propõe-se restaurar o regime constitucional, optando, para tal, pela via revolucionária.

A revolução contra a Ditadura, que devia eclodir simultaneamente em diferentes locais do país, em especial em Lisboa e Porto, iniciou-se, por falta de coordenação, na capital nortenha em 3 de Fevereiro de 1927 e, quatro dias depois, a 7 de Fevereiro, em Lisboa. Tal descoordenação permitiu que os partidários da Ditadura concentrassem as suas forças no norte do país e derrotassem os revoltosos do Porto e, posteriormente, se deslocassem para Lisboa onde, na tarde do dia 9 de Fevereiro, já sem munições, o coronel Mendes dos Reis, comandante do “comité revolucionário”, pediu a rendição.

Entre os militares revoltados em Lisboa encontrava-se o capitão Manuel António Vieira, membro do “comité revolucionário”, que comandava a 1ª Companhia da G.N.R., aquartelada nas Janelas Verdes, encarregada de defender o quartel-general dos revoltosos, instalado, primeiro no Hotel Bristol, na Rua de S. Pedro de Alcântara e, mais tarde, numa casa da Rua Vale do Pereiro, nas imediações do atual Largo do Rato. (1)

Para o efeito, aquela Companhia da G.N.R. posicionou-se no eixo urbano que, desde o elevador da Glória, se estendia até ao Jardim de São Pedro de Alcântara. O sector entre este Jardim e o Largo do Rato ficou sob a responsabilidade de um dos oficiais da Marinha que mais se destacou no decurso da revolução, o comandante Agatão Lança.

Barricada dos revolucionários na Rua da Escola Politécnica, frente à Igreja de S.                                                                Mamede, em Lisboa    

Com a derrota dos revoltosos, “Desencadeia-se a caça ao homem. E desta vez cumpre-se a ameaça já feita pelo ministro da Guerra, General Passos e Sousa: civis e marinheiros capturados com arma na mão são sumariamente fuzilados no dia 9, junto ao chafariz do Largo do Rato. Balanço final: 70 mortos e cerca de 400 feridos. A 21 de Fevereiro de 1927 são despachados, no (navio) Lourenço Marques, sem julgamento, mais de 700 deportados para os Açores e colónias africanas”. (2)

Artilharia dos revolucionários, na Rua da Escola Politécnica, em  Lisboa

Malograva-se, assim, uma das tentativas mais sérias de restaurar o regime constitucional nascido com o 5 de Outubro de 1910, e de impedir a implantação do que se tornaria uma das ditaduras mais velhas da Europa, só vencida pela força das armas, quarenta e oito anos depois de implantada, em 25 de Abril de 1974.

As forças triunfantes em Fevereiro de 1927 aproveitam a oportunidade para agir no sentido de se perpetuar no poder. Para o efeito lançam as linhas mestras do que, em breve, se transformaria numa ditadura de tipo fascista.

Cerceiam-se as liberdades, ilegalizando-se a imprensa e os partidos apoiantes da revolta, cria-se a polícia política e tribunais políticos especiais, organiza-se a sociedade em bases corporativas.

Chafariz do Largo do Rato, em Lisboa
(continua)

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(*) Extraído do livro de: Rui Rosado Vieira, “Um militar da 1ª. República na luta pela Democracia, Manuel António Vieira (1874-1951)”, Editora Cidade Berço, Ano 2017, pp.23-38.

(1) Luís Farinha, O Reviralho, Revoltas Republicanas contra a Ditadura e o Estado Novo (1926-1940), Editorial Estampa, Lisboa, p.45

(2) História de Portugal, Direção de José Mattoso, 7º Volume, pp.217-218.

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