Seleção e tradução de Júlio Marques Mota
A Grande Questão Moral do Nosso Tempo
Observações feitas por Bernie Sanders no pleno do Senado em 14 de fevereiro de 2018
Publicado por Medium
Deixe-me começar por felicitar Chloe Kim, uma americana de primeira geração, que ganhou uma medalha de ouro pelos Estados Unidos no evento de snowboard halfpipe feminino desta semana.
O seu pai, Jong Jin Kim, emigrou da Coreia do Sul para os Estados Unidos em 1982, tornou-se lavador de pratos num restaurante de comida rápida. Ele estudou engenharia no El Camino College depois de trabalhar em empregos de baixa qualificação e depois tornou-se engenheiro. Abandonou o seu trabalho de engenharia para apoiar as ambições de snowboard da sua filha, para que ele a pudesse levar 5 horas e meia para a montanha para se treinar.
Parabéns a Chloe e a toda a sua família. Uma atleta que deixa os EUA orgulhosos.
Todo o debate que agora estamos a fazer sobre a imigração e os Sonhadores tornou-se algo pessoal para mim, porque me lembrou de uma forma muito forte que eu e o meu irmão somos americanos de primeira geração. Somos filhos de um imigrante que veio para este país aos 17 anos de idade, sem um centavo no bolso, um rapaz que abandonou o ensino médio e não sabia uma palavra de inglês e não possuía nenhuma profissão específica.
Há alguns anos, o meu irmão, eu e as nossas famílias fomos para a pequena cidade de onde ele veio e ficámos surpreendidos com o tipo de coragem que ele mostrou e que milhões de outras pessoas também mostraram deixando a sua terra natal para virem a um mundo muito diferente – sem dinheiro, em muitos casos, sem conhecimento da língua sequer.
A imigração não é apenas a minha história. É a história de dezenas de milhões de famílias americanas que vieram de todas as partes do mundo.
O meu pai imigrou para este país porque a cidade em que ele vivia na Polónia era incrivelmente pobre, onde não encontrava oportunidades económicas, as pessoas de lá lutavam para conseguirem pôr comida na mesa para as suas famílias. A fome era um problema real nessa região. O meu pai veio para este país para evitar a violência e o derramamento de sangue da Primeira Guerra Mundial, que tinha chegado perto da sua parte do mundo de uma maneira feroz. Ele veio para este país para escapar ao fanatismo religioso que existia naquela época porque ele era judeu.
O meu pai viveu neste país até à sua morte em 1962. Ele nunca ganhou muito dinheiro. Ele era um vendedor de tintas.
O meu pai não era uma pessoa política, mas descobrimos que, sem falar muito sobre isso, ele era o americano mais orgulhoso que alguma vez já vi. E ele estava tão orgulhoso deste país porque estava profundamente grato que os Estados Unidos o tivessem recebido e lhe tenham dado oportunidades que seriam absolutamente impensáveis de onde ele vinha.
Mas a verdade é que a imigração não é apenas a minha história. Não é apenas a história de um jovem que veio da Polónia e conseguiu ver dois dos seus filhos irem para a faculdade e um dos seus filhos tornar-se um senador dos Estados Unidos. É apenas a história da minha família. É a história da família da minha esposa que veio da Irlanda. E é a história de dezenas de milhões de famílias americanas que vieram de todas as partes do mundo.
Em setembro de 2017, o presidente Trump precipitou a atual crise que enfrentamos ao revogar a ordem executiva do DACA do presidente Obama. Se o presidente Trump acreditasse que a ordem executiva era inconstitucional e precisava de legislação, ele poderia ter chegado ao Congresso para se encontrar uma solução legislativa sem deter 800.000 jovens como reféns, revogando o seu estatuto de DACA. Mas o presidente Trump escolheu não fazer isso. Ele escolheu provocar a crise que estamos a viver hoje. E essa é uma crise com a qual temos que lidar, e aqui no Senado temos que lidar com ela agora.
E sejamos muito claros sobre a natureza desta crise. Algumas pessoas dizem: “Bem, isso não é iminente, não é algo com que precisamos de nos preocupar agora”. Essas pessoas estão erradas. Como resultado da decisão de Trump, 122 pessoas todos os dias estão a perder o seu estatuto legal e, dentro de alguns anos, centenas de milhares desses jovens terão perdido a sua proteção legal e estarão sujeitos à deportação.
A situação em que estamos agora, como resultado da ação de Trump, significa que se não protegermos imediatamente o estatuto legal de cerca de 800.000 Sonhadores – os jovens trazidos para este país com 1, 3 ou 6 anos de idade, jovens que não conhecem nenhuma outra pátria que não seja os Estados Unidos – sejamos claros: se não agirmos e agirmos rápidos, essas centenas de milhares de jovens poderão vir a estar sujeitos à deportação.
E isso significa que eles podem ser presos fora de casa, onde viveram praticamente a vida inteira e, de repente, serem colocados numa prisão.
122 sonhadores perdem o estatuto legal diariamente
Eles poderiam ser retirados de uma sala de aula onde estão a ensinar, e existem cerca de 20.000 beneficiários da DACA que agora estão a ensinar nas escolas de todo o país. E se não agirmos e agirmos agora, pode haver agentes a irem a essas escolas e puxarem os professores para fora da sala de aulas, prenderem-nos e sujeitarem-nos depois à deportação.
Por mais insensato que possa parecer, suponho que os 900 destinatários da DACA que hoje servem nos serviços nos militares dos Estados Unidos poderão ver-se na posição de serem presos e deportados do país em que estão a colocar as suas vidas em risco para o defenderem. E algumas pessoas dizem: “Bem, isso é improvável”. Bem, eu não tenho tanta certeza. Poderia acontecer. Quão insano é isso? Mas é onde estamos hoje e é isso que poderia acontecer se não fizermos as coisas certas e esta semana aprovarmos uma legislação aqui no Senado para proteger os Sonhadores.
Temos a responsabilidade moral de defender os Sonhadores e as suas famílias, e de impedir o que será uma mancha moral indelével em nosso país se deixarmos de agir. Não quero ver o que os livros de história vão dizer sobre este Congresso se permitirmos que 800 mil jovens sejam submetidos à deportação, para viverem com medo e ansiedade incríveis.
Mas aqui estão as notícias muito boas sobre os Sonhadores. E na verdade é uma notícia que eu, há alguns anos atrás, não teria acreditado ser possível. E isso é que a esmagadora maioria do povo americano – Democratas, Republicanos, Independentes – concorda absolutamente que devemos fornecer proteção legal para os Sonhadores, e que devemos fornecer-lhes um caminho para a cidadania. Isso não é conversa de Bernie Sanders. Isso é o que o povo americano está a dizer nas sondagens uma após outra.
Recentemente, uma sondagem da CBS News de 20 de janeiro concluiu que quase 9 em cada 10 americanos, 87%, são a favor de permitir que os jovens imigrantes que entraram ilegalmente nos EUA enquanto crianças permaneçam nos Estados Unidos. Oitenta e sete por cento. Em Iowa, em Vermont e em todos os estados do país, há forte apoio ao estatuto legal dos sonhadores e um caminho para a cidadania.
Em 11 de janeiro, uma pesquisa da Quinnipiac mostrou que 86% dos eleitores americanos, incluindo 76% dos republicanos, dizem querer que os Sonhadores permaneçam no país.
Em 5 de fevereiro, num inquérito em Monmouth (Illinois), quando questionados sobre o status dos Sonhadores, quase 3 em cada 4 americanos apoiam que esses jovens se tornem cidadãos americanos automaticamente, desde que não tenham antecedentes criminais.
Por outras palavras, os votos que serão lançados esperançosamente serão lançados hoje, talvez amanhã, não são perfis de coragem! Eles não são membros do Senado a chegarem e a dizerem: “Contra todas as probabilidades, eu acredito que vou votar no que é certo!” Isto é o que a esmagadora maioria do povo americano quer. E talvez, apenas talvez, seja apropriado fazer o que o povo americano quer, e não o que um punhado de extremistas xenófobos quer. Talvez devêssemos ouvir o povo americano. Democratas, republicanos e independentes que comprendem que seria moralmente atroz permitir que esses jovens fossem deportados.
Quase 9 em 10 americanos são a favor de permitir que jovens imigrantes que entraram ilegalmente nos EUA enquanto crianças permaneçam nos Estados Unidos.
Eu acho que de uma perspetiva política, cerca de 80, 85, 90 por cento do povo americano apoia qualquer coisa numa nação que está tão dividida quanto nós hoje – ninguém consegue que 80 por cento do povo americano concorde com o que é o gelado favorito, mas temos 80 por cento das pessoas americanas que estão a dizer-nos que não viremos as costas a esses jovens que viveram neste país durante praticamente toda a sua vida.
Temos que agir e agir logo aqui no Senado e há uma boa legislação que nos permite fazer isso. E na Câmara [dos Representantes] a boa notícia é que há bipartidaristas patrocinados pelo congressista Hurd e pelo congressista Aguilar, que fornecerão proteção para os Sonhadores e um caminho para a cidadania.
Entendo que essa legislação bipartidária tem agora o apoio da maioria, e peço nos termos mais fortes possíveis que o Presidente Ryan permita que a democracia prevaleça na Câmara. Permita que a votação ocorra se tiver uma maioria de membros na Câmara de maneira bipartidária que apoie a legislação, permita que a legislação venha ao plenário. Deixe os membros votarem à sua vontade e, se isso ocorrer, acho que a legislação dos Sonhadores prevalecerá.
Orador Ryan: Deixem-nos ir em frente. Vamos aprovar a legislação dos Sonhadores. Deixem-nos lidar com a segurança nas fronteiras
Todos nós compreendemos que há necessidade de um debate sério e uma legislação sobre a reforma abrangente da imigração. Esta é uma questão difícil. Uma questão em que existem diferenças de opinião, um monte de aspetos a tratar. Como é que podemos fornecer um caminho para a cidadania para os 11 milhões de pessoas neste país que estão atualmente em situação irregular, mas que estão a trabalhar no duro, ou a criarem os seus filhos, que estão a cumprir a lei?
Qual deve ser a política geral de imigração do nosso país – quantas pessoas devem ser permitidas neste país todos os anos, de onde vêm – tudo isso é muito, muito importante e precisa de ser seriamente debatido. Mas esse debate e essa legislação não vão ocorrer num período de dois dias. Vai precisar de algum tempo sério, audiências, trabalho de comité, antes que o Congresso esteja preparado para votar uma reforma abrangente da imigração. Não vai e não pode acontecer hoje ou amanhã ou esta semana.
A nossa atenção, agora, como resultado da decisão de Trump em setembro, deve ser proteger os Sonhadores e as suas famílias e a questão da segurança nas fronteiras.
Haverá legislação importante a chegar ao plenário do Senado hoje ou talvez amanhã. E espero que façamos a coisa certa, façamos a coisa moral e façamos algo que a história considerará como uma legislação muito positiva. Vamos em frente. Vamos aprovar a lei dos sonhadores. Deixem-nos lidar com a segurança das fronteiras. E então, num futuro próximo, vamos lidar com a reforma abrangente da imigração.
Texto original em https://medium.com/@SenSanders/the-great-moral-issue-of-our-time-b50d8bda73fb