CARTA DE BRAGA – “Ser e Ter” – por ANTÓNIO OLIVEIRA

Guarde-se esta afirmação de Trump, depois da queda das Torres Gémeas, em 11.09.01: ‘Agora o meu edifício é o mais alto de Nova Iorque’ (*)

A inevitabilidade da asneira do ‘inevitável’ (?) e patético truão!

Seria ‘inevitável’ o aparecimento desta coisa, na política mundial?

E, a partir de agora, que política? Pergunta irrecusável porque o trágico da afirmação ultrapassa todos os limites!

Mas a pergunta também pode levar a reconsiderar o conceito da inevitabilidade, já glosado das mais diversas formas e pelos mais diversos autores.

Creio que tal conceito pode e deve ser analisado recorrendo a Banquo, a relevante e significativa personagem do ‘Macbeth’ de Shakespeare.

De acordo com as sagas, ali usadas a preceito, seria a descendência de Banquo a ocupar o trono da Escócia, contrariando absolutamente os sonhos de Macbeth que tudo fez para o afastar, mais o seu filho, Fleance.

Uma afirmação de Banquo é citada por esses autores, ao referir a inevitabilidade dos percalços nos caminhos que cada um trilha na vida.

Quando sai do castelo na companhia de Fleance, ouve um dos guardas dizer ‘vai chover esta noite’ ao que ele responde, parecendo prever o seu trágico fim, ‘let it come down’ qualquer coisa como ‘deixá-la cair’.

Sei que esta argumentação nem sequer interessa à maioria dos meus eventuais leitores pois, afirma Habermas, um discurso assim que ‘eles até podem dizer intelectual, já não tem leitores a que se possa chegar com argumentos deste tipo’, pois ‘o efeito fragmentador da net baniu a função dos meios de comunicação tradicionais, ao mesmo tempo que desintegra a esfera da cidadania com a mercantilização da atenção pública’.

É mais fácil e mais rentável para os media celebrar o objecto porque, quando aparece, tem o seu momento de glória e sagração plena, por brilhar intensamente antes de atrofiar, pois já há um outro objecto à espera para ser mostrado.

Assim o ‘inevitável’ engenho tecnocientífico legitima a Comunicação como Instituição, pois o deus Inovação junta mais uma app ao bazar imenso das coisas existentes, um também ‘inevitável’ e minúsculo pormenor que, só por si, vai fazer toda a diferença.

E nos corredores do supermercado, gentes atafulhadas de coisas mostram felicidade, garantem fidelidade e esperando um novo objecto, esconjuram tranquilamente todas as inquietações.

Feliz por exercer apenas o acto de ver, o indivíduo do ‘ter’ renuncia a ‘ser’ só para poder ‘estar’, porque a fé no modo de ‘ter’ arrasta segurança e certezas.

Uma tranquilidade referida pelo sociólogo e psicanalista Erich Fromm, ‘quem não optaria pelas certezas se apenas lhe é pedida a entrega da sua independência?

Tudo isto levará certamente a um ‘inevitável’ confronto entre Comunicação e Gente, duas Instituições agora disfuncionais, mas em qualquer altura no tempo, com previsão impossível.

Mas não podemos esquecer, a respeitar Berger & Lucknan, que ‘o desfecho histórico de qualquer choque entre deuses foi determinado por aqueles que empunhavam as melhores armas e não por aqueles que possuíam os melhores argumentos

A inevitabilidade do ‘ser’ frente à mutável e perecível conjuntura do ‘ter’

(*) el diario.es, 11.09.18.

António M. Oliveira

Não respeito as normas que o Acordo Ortográfico me quer impor

2 Comments

  1. MEU QUERIDO AMIGO!
    Acabo de ler a tua ” carta”com o prazer de sempre…Sabes que nos ajudas a rebobinar as nossas cabeças?As tuas citaçoes enriquecem-nos e o tema que parece mais que visto, mais que tratado, traz sopro novo…Obrigada!!!!Um beijo para vós!!

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